Ignorância
e negligência
Pedro J. Bondaczuk
O escritor alemão Johann Wolfgang
Goethe escreveu, certa feita, que “a causa maior dos nossos problemas sempre
oscila entre a ignorância e a negligência”. Isso vale para qualquer setor da
vida. Inclusive a Literatura. Quantos livros não são arruinados por aí, o tempo
todo, pelo fato de seus autores não terem buscado o devido esclarecimento (às
vezes sobre um único aspecto que ignoravam) que, em vez de buscarem se informar
a respeito, optaram, por preguiça ou por arrogância, expressar o que
“entendiam” ser o correto (que não era), e se deram mal? São muitos, não é
verdade?
Porém, esses problemas seriam
evitados com só um pouquinho de cautela e com um tantinho a mais de esforço e
até de humildade em admitir que não conheciam de fato o assunto de que tratavam. Tais escritores
evitariam os dissabores que passaram caso se dispusessem a pesquisar a respeito
do que ignoravam. Ou, simplesmente, como manda o bom senso, não escrever nada a
respeito. Mas essas pessoas entram, imprudentemente, “de cabeça” no problema e,
neste caso, simultaneamente, pelos dois motivos citados por Goethe: ignorância
e negligência, agravados por uma estúpida vaidade. Esse é somente um dos tantos
exemplos que eu poderia citar não importa de que atividade.
Nossa tendência, quase que
automática, é a de culpar terceiros, ou as circunstâncias, pelos problemas que
nos sobrevêm, em vez de reconhecer nossa responsabilidade, não raro exclusiva,
por sua gênese. Com isso, dificultamos, quando não inviabilizamos a solução. É
como no caso de uma doença. Caso seja feito diagnóstico equivocado dela, será
impossível prescrever a medicação ou o tratamento corretos. Em vez de curá-la,
a agravaremos levando o paciente, não raro, à morte. Lembro, a propósito, o que Confúcio afirmou:
“Não são as ervas más que afogam a boa semente, e sim a negligência do lavrador”.
E não estava coberto de razão?! São inúmeras as ocasiões em que nos mostramos
negligentes, achando que essa atitude não nos trará mal algum. Todavia, salvo
raras exceções, nossa negligência é causa de um problemão, que poderia ser
evitado com só um pouquinho de boa vontade e de bom senso.
A ignorância, ou seja, a
incapacidade de entender o que quer que seja, mesmo que o objeto do não
entendimento não seja muito complexo (que pode ser relativa ou absoluta),
aliás, é a suprema das misérias. Nada é mais precioso do que o potencial de
compreensão, a facilidade de entender o concreto e o abstrato, que
convencionamos denominar de “inteligência”. É mister admitir que todos somos
ignorantes de algo, embora em graus variáveis, uns mais, outros menos e outros,
ainda, de forma absoluta. Não conheço o “gênio” que entenda tudo de tudo, todas
as disciplinas, todas as artes, todas as ciências etc. que seja, em suma,
onisciente.
Os sensatos admitem sua
ignorância em determinados assuntos e procuram um jeito de entender o que lhes
seja ininteligível, desde que necessitem desse entendimento. Saem à procura de
fontes que lhes esclareçam o que desconhecem.
Quando não, deixam esses temas, para eles obscuros e além do seu alcance
de entendimento, para os que são especializados neles. Com isso, evitam, com
certeza, no mínimo, de descambar para o ridículo. Já os insensatos... Nem é bom
falar! Cegos pela vaidade, transformam o que potencialmente seriam soluções em
imensos problemas.
O conhecimento, desde que o homem
primitivo tomou consciência de si e do universo que o rodeia, se expandiu, de
tal sorte, que é impossível a qualquer pessoa, por mais genial e bem-dotada que
seja, saber de tudo o que há. História, ciências, artes, tecnologia etc., estão
em permanente expansão. E, cada uma dessas disciplinas, exige especialização.
Ainda assim, mesmo os especialistas de cada uma dessas áreas, não conseguem
apreender sequer ínfima parcela do conhecimento delas. Gostemos ou não,
admitamos ou não, somos, em alguma medida, todos “ignorantes” de alguns
assuntos.
Não há demérito nessa admissão.
Afinal, como Alfred North Whitehead concluiu, em um texto notável: “O túmulo do
saber não é a ignorância, mas a ignorância da ignorância”. Esta, sim, deve nos
preocupar. Pois é, justamente, no pleno conhecimento das nossas limitações
mentais, e no nosso esforço para supri-las, que reside o princípio da
sabedoria. Admitamos ou não, nosso conhecimento sobre o mundo que nos cerca,
embora achemos que seja extraordinário, é ínfimo, ridículo, pífio, diante do
que há, ainda, por aprender. Imaginem em relação ao universo! A extensão de
nossas vidas veda-nos a mais remota possibilidade da onisciência.
Portanto, convém não sofrer em
demasia com as incertezas. É prudente, sobretudo, não as transformar em “doenças
do espírito”. Haveremos de conviver com elas – múltiplas, variáveis, intensas
ou fracas – enquanto vivermos. Tudo o que nos cerca é incerto, duvidoso,
passivo de comprovação. E quando comprovamos alguma coisa, a prova nunca é
cabal, irretorquível, absolutamente convincente, sem nenhum aspecto obscuro
carente de maior esclarecimento. Qual é a fonte dessa nossa compulsória
incerteza? É, sem dúvida, o desconhecimento. E essa ignorância é a gênese, ao
lado da negligência, como afirmou com extrema pertinência Johann Wolfgang
Goethe, se não de todos, pelo menos da imensa maioria dos nossos
problemas. Fôssemos oniscientes, não
haveria o mínimo espaço para o duvidoso, o misterioso e o incerto. E muito
menos para o erro. Todavia... não somos assim.
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