Tuesday, December 15, 2015

O silêncio não existe


Pedro J. Bondaczuk

O silêncio não existe. Viver é mantermo-nos no centro de um fluxo que só a morte interromperá”. Essa afirmação é de um dos romancistas mais profundos do século XX, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1952 justamente pela espiritualidade com que impregnou seus personagens. Refiro-me ao francês François Mauriac, autor de romances como “O beijo no leproso”, “O deserto do amor” e “O ninho de víboras”, entre outras obras-primas. Li, certa ocasião (não me recordo onde) que o som não se perde jamais, que é indestrutível. Que se fosse possível retornar, por exemplo, ao ponto do espaço que a Terra ocupava ontem, ali encontraríamos toda a barulheira produzida no Planeta na véspera, posto que em forma de ondas. Provavelmente, não ouviríamos essa algaravia toda, já que a capacidade auditiva humana é limitadíssima (como ademais todos os outros nossos sentidos). Há ultrassons que os cães e outros animais captam com naturalidade e que sequer desconfiamos que estejam sendo emitidos.

Se essa informação (inútil, como tanta coisa que lemos) é verdadeira ou não, não posso garantir. Presumo que tenha certo fundo de verdade, sei lá! O fato é que o silêncio absoluto, completo, total não existe. E não somente onde haja vida – que se manifesta sempre de forma se não barulhenta, pelo menos ruidosa – mas até onde esta seja rigorosamente inviável. Imaginem o barulhão que  a explosão de uma estrela produz!. E nem precisa ser uma gigantona, milhares de vezes maior do que o nosso sol – por exemplo, a VY Canis Majoris, o maior desses astros conhecidos – cujas simples ondas de choque possivelmente seriam tão poderosas a ponto de destruírem tudo o que encontrassem pelo caminho. Felizmente, essa mega-estrela situa-se a 5.500 anos-luz de nós. Ou seja, a luz que ela emitiu há 5.500 anos, quando nem as pirâmides egípcias haviam, ainda, sido erguidas, está chegando hoje ao nosso minúsculo planetazinha azul. Ainda assim... Sei lá!

O certo é que, por mais que você pense, não conseguirá provar que Mauriac estava errado. O silêncio, aquele absoluto e total, por mais que sua inexistência pareça absurda, de fato não existe. Mesmo as pessoas com surdez total, ao que se sabe, ouvem certos chiados, embora não ouçam o que se fale ou se faça ao seu redor. Estou consciente que estas considerações, mesmo que curiosas (presumo que sejam), são absolutamente inúteis. Que seja! Mas podem, caso você queira, servir para alguma coisa: para reflexão. Tudo no mundo é relativo. Confesso que detesto o silêncio (esse mesmo que Mauriac jurava que não existe). Não o absoluto, portanto, mas esse que entendemos como tal, no qual sempre há algum ruído: de algum grilo, de alguma rã, de um latido distante de cães, do cantar dos galos, do ronco abafado de motores de carros etc.etc.etc.

Não que eu seja adepto de contínua e irritante barulheira (como de uma britadeira, ou de um bate-estacas, ou a gritaria que muitos chamam de música, coisas assim). Não é isso. Gosto das coisas com moderação. E entre estas, incluem-se os “barulhos”, no caso cicios, cochichos, marulhos, suspiros, gemidos e vai por aí afora. Ou seja, ruídos, posto que discretos, quase inaudíveis. Mesmo para dormir. Mesmo para escrever. Aliás, nesse aspecto fui treinado, adestrado, condicionado a produzir textos só com absoluta ausência de silêncio. O que, leitor, você duvida? Pois não deveria”.

Os melhores artigos, crônicas e reportagens que já redigi foram escritos numa redação em que o barulho chegava a ser concreto, de tão intenso. Imaginem um salão com quase cem pessoas trabalhando simultaneamente. Mas não em computadores, dos quais sequer se cogitava naqueles tempos românticos. Eram quase cem barulhentas máquinas de escrever usadas simultaneamente, ou quase. Imaginaram? Se fosse só isso... seria suave. A esse matraquear, porém, junte dezenas de repórteres “gritando” ao telefone, numa época em que esses preciosos aparelhinhos, hoje tão práticos eram rústicos e arcaicos. Mas não era só. Acrescente, a essa intensa algaravia de endoidar os mais fracos, nervosos editores tentando se comunicar com atarefados “caçadores de notícias”. Logicamente que essas tentativas se davam aos berros (não havia outro jeito), para se fazerem minimamente ouvidos. Creio que os jornalistas do meu tempo eram masoquistas e nem desconfiavam. Gostávamos daquela agitação, daquele barulho que fazia a redação vibrar como num terremoto. Eu, pelo menos, gostava.

Hoje, conto com um gabinete de trabalho que tem tudo para ser o mais silencioso possível. Poderia, sem nenhum exagero, servir de estúdio para alguma gravadora. Até revestimento acústico tem. Mas... quem disse que consigo escrever um só e reles parágrafo, razoavelmente coerente, neste imenso e assustador silêncio? Não consigo! Para redigir meus textos, sou forçado a colocar música no ambiente. É verdade que não se trata de nenhum “rock pauleira”, desses hiper barulhentos, de estourar os tímpanos, tão ao gosto da meninada. Mas só não escolho esse tipo de música não pelo barulho que faz, mas por não apreciar (para o espanto dos que me conhecem) esse ritmo. Escrevo ouvindo os clássicos, ou grupos de jazz, ou MPB dos tempos da Bossa Nova, dependendo do meu humor no dia. Escrever em silêncio?! Nem pensar! Não sai nada. É como se invencível letargia tomasse conta do meu cérebro. É como se, subitamente, me sentisse “analfabeto” e não conseguisse identificar e juntar letras para formar palavras e utilizar estas para compor idéias. É como se me sentisse morto, com tanta vida vibrando não só ao meu redor, mas principalmente em mim.


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