Obsessão por um passado
não vivido
Pedro
J. Bondaczuk
O ganhador do Prêmio
Nobel de Literatura de 2014, Patrick Modiano, revela uma espécie de obsessão
com o tema referente à Segunda Guerra Mundial. Mais especificamente, mostra-se
obcecado com a ocupação da França por parte dos soldados nazistas, em maio de
1940, principalmente da forma como ela se deu. Ou seja, com a ação decisiva dos
“colaboracionistas”, dos “entreguistas” do marechal Phillipe Petain, dos que
optaram por se submeter a Adolf Hitler e seus asseclas, aceitando um
Estado-fantoche, no caso Vichy, em parte do território francês, em vez de
lutarem até o fim contra a invasão e posterior anexação da sua maior parte,
incluindo a capital, Paris.
Dos mais de 30 livros
que Modiano publicou, são raros os que não tratam desse assunto. É preciso ser
sumamente talentoso para não ser repetitivo tratando de um único fato histórico
específico, como é o caso, evidentemente relevante (e nem se pode sequer
insinuar o contrário), mas já distante no tempo, e ainda assim conservar o
interesse do público. Só isso, já justificaria o Nobel que recebeu.
Acrescente-se a isso seu estilo inovador, e nada óbvio, que faz dele uma
novidade no cenário literário mundial, mesmo tratando de forma tão recorrente
de um único tema, posto que por ângulos diversos e todos originais.
Um leitor
questionou-me, dia desses, a propósito da quantidade de comentários que venho
fazendo sobre a obra de Patrick Modiano. Observou que estou dando importância
exagerada a esse escritor. Que não dediquei o mesmo espaço a outros tantos
ganhadores do Nobel de que tratei. E vai por aí afora em suas críticas.
Respeito sua opinião, mas permita-me que discorde dela. Afinal, o conflito terminou há setenta anos,
em 1945, por sinal, o ano em que Modiano nasceu e, ainda assim, o assunto nunca
deixou de ser atual. O escritor não viveu, portanto, diretamente, esse drama,
que tanto o marcou. Praticamente todos (ou quase) dos que protagonizaram
aqueles acontecimentos ou já morreram, ou estão em idade provecta, beirando os
oitenta e seis ou noventa anos. Neste caso estão as pessoas que então tinham,
digamos, entre 16 e 20 anos, que integraram ou a resistência ou figuraram como
colaboracionistas, delatando à Gestapo os conterrâneos que se opunham à perda
de autonomia nacional.
Modiano cria
personagens tão verossímeis, que é como se os conhecesse pessoalmente e
estivesse tratando de pessoas de suas relações pessoais: parentes, amigos,
vizinhos, conhecidos etc. Não se limita a apresentá-los, mas penetra em suas
mentes e corações e revela o que pensaram e sentiram nas circunstâncias em que
ele os envolve em suas tramas. Isso tudo, mais sugerindo do que descrevendo,
deixando ao leitor a tarefa de completar seus perfis. Para mim, fica claro que
Modiano tenta encarnar, com sucesso, questões íntimas de boa parte dos
franceses que até hoje, passados mais de 70 anos da libertação do seu território
(ocorrida em 1944), ainda não se conformam com a ocupação do país por tropas do
Terceiro Reich e a forma como isso se deu.
O escritor deixa
transparecer o orgulho ainda ferido dos seus conterrâneos com este fato que o
tempo não conseguiu (e talvez não consiga nunca) apagar. O ganhador do Nobel de
Literatura de 2014 promove uma espécie de “catarse” nacional. É como se os
franceses, sobretudo os do tempo da ocupação (mas também seus descendentes)
estivessem no divã do psicanalista tentando se livrar de certa culpa por não
terem feito nada, ou pelo menos não o suficiente para evitar uma possível
catástrofe, que poderia, até, ter eliminado, para sempre, a França como país
independente e soberano. É o que tentarei captar, e enfatizar, comentando os
sete livros dele que tenho em meu poder.
Raramente tive a
oportunidade de estar tão bem municiado, de posse de tantas obras de um único
ganhador de Nobel. Seria tolo, pois, se não aproveitasse a oportunidade de
destacar o que considero relevante e digno de ser ressaltado nela, que não é
pouco. Ademais, Modiano enfatizou, em um de seus livros, que “na vida, não é o
futuro que conta, é o passado”. Concordo. Porém, aduziria: “desde que saibamos
extrair dele lições que nos ensinem a bem viver e a não incorrer nos mesmos
erros cometidos”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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