O escritor do
claro-escuro
Pedro
J. Bondaczuk
O romancista francês,
Patrick Modiano, após quase meio século “na estrada” – lançou seu primeiro
livro, “La Place de l’Étoile” em 1968, aos 23 anos de idade – subitamente
emergiu para a fama, em âmbito internacional, ao ser agraciado com o Prêmio
Nobel de Literatura de 2014, pouco depois de completar 69 anos (nasceu em
Boulogne-Billancourt, subúrbio de Paris, em 30 de julho de 1945). De repente,
críticos, jornalistas e pesquisadores literários, que até então o haviam
ignorado, passaram a buscar, com grande empenho, detalhes sobre sua vida, suas
idéias, seus projetos e conquistas. Livros seus, que haviam passado batidos do
grande público, anos atrás, vêm sendo reeditados e cresce o interesse em torno
dele. Pudera! O Nobel tem esse poder.
Não se pode dizer,
todavia, que Modiano fosse escritor obscuro em seu país e nem mesmo em alguns
países da Europa. Basta citar que, em 1972, portanto apenas quatro anos depois
da publicação do seu primeiro livro, venceu o Grande Prêmio do Romance da
prestigiosa Academia Francesa de Letras. Convenhamos, não é façanha
desprezível. A obra premiada foi “Les boulevards de ceinture”, então apenas a
terceira que havia publicado. Pode-se dizer, pois, sem nenhum exagero, que sua
carreira literária já começou vitoriosa. Pelo menos na França. É verdade que em
âmbito internacional continuava “ilustre desconhecido”, apesar de ter livros
traduzidos para outras línguas e lançados no Exterior (inclusive no Brasil).
Por que? Vá se saber! Provavelmente, por falta de divulgação. Mas em sua terra
natal já era celebridade.
Apenas dez anos após a
estréia literária, Modiano obteve a consagração definitiva em seu país, com a
conquista do prestigiosíssimo Prêmio Goncourt de 1978, com o romance “Rue des
boutiques obscures”. Internacionalmente, porém, ninguém ainda falava nele. Em
2012, conquistou seu primeiro reconhecimento fora da França. Obteve o Prêmio
Austríaco de Literatura Europeia. Ainda assim... isso não repercutiu em cenário
mais amplo. É dificílimo o reconhecimento mundial, que sequer depende apenas de
talento, embora este seja imprescindível, mas se prende a uma infinidade de
fatores, entre os quais as tais das circunstâncias. Depois da conquista do
Nobel de Literatura, todavia, não foi mais possível ignorar esse escritor, de
estilo peculiar, não tão simples, como possa parecer, mas, sem dúvida,
inovador.
Seus livros são de
curta extensão. Mas não se enganem. Exigem concentração e análise para serem
plenamente entendidos. O curioso é que o próprio Patrick Modiano não se
considera romancista. Foi o que deixou claro em recente entrevista, ao afirmar:
“Eu não escrevo propriamente romances, mas sim coisas mais vacilantes, sortidos
de sonhos, que vêm do imaginário”. Em outra declaração, definiu seu roteiro,
sua forma de encarar Literatura, ao dizer: “Eu creio que para se fazer uma obra
literária temos simplesmente que sonhar a nossa própria vida - um sonho onde a
imaginação e a memória se confundam”. E não está certo? Pelo menos comigo, é
assim que as coisas funcionam. Embora não admitamos ou sequer desconfiemos,
escrevemos para exorcizar nossos fantasmas. Buscamos formas de eliminar
lembranças, tanto as ruins, que nos propiciaram grandes sofrimentos, quanto as
boas, que também nos fazem sofrer por terem passado e não voltarem mais. Não
raro estas são as mais penosas para nós.
Modiano só vê uma forma
para esse “exorcismo” propiciado pela Literatura, dar certo: “Fixar os fantasmas
olhos nos olhos: não há melhor maneira de os eliminar”. Seu mais recente livro,
lançado há apenas dias no Brasil pela Editora Rocco, “Para você não se perder
no bairro” (que comentarei, oportunamente) é uma espécie de saga íntima de seu
personagem central, o veterano escritor Jean Daragane, em busca de sua identidade. Trata-se de tema
recorrente em sua obra. Modiano é obcecado pela descoberta das pessoas sobre o
que de fato são, não o que pensam que sejam. Ele abre o livro, a título de
epígrafe, com esta frase do escritor (que parece tê-lo influenciado
sobremaneira) Henri-Marie Beyle (mais conhecido como Stendhal): “Não posso
oferecer a realidade dos fatos, mas apenas a sua sombra”. Algum de nós pode?
Não creio! É como Modiano escreveu em outro de seus romances (não lembro qual):
“Por mais que façamos, nunca conheceremos o descanso, a suave quietude das
coisas. Caminharemos sempre sobre areia movediça”.
Seu estilo é tão
peculiar, sobretudo na criação de personagens, que foi criado, até, um
neologismo na França para caracterizá-lo: “modianesco”. Trata-se da
caracterização de um protagonista, ou de uma situação específica do enredo, em
meio tom, em “claro-escuro”. Ou seja, nem lógica e nem absurda. No meio-termo,
contudo com elementos de ambos. O estilo de Modiano fica, de fato, entre a luz
e a sombra, sem se definir, especificamente, por uma ou por outra. E isso ele
faz com parcimônia, com economia de palavras, em capítulos e frases curtos,
primando pela simplicidade, mas com permanente tensão. O Nobel de Literatura de
2014 está em boas mãos.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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