Friday, December 25, 2015

Heróis do cotidiano



Pedro J. Bondaczuk


O assaltante e seqüestrador Leonardo Rodrigues Pareja, assassinado supostamente por comparsas de crime no Centro Penitenciário Agrícola de Goiás (Cepaigo), onde cumpria pena, no dia 9 passado, foi alçado, pelo imaginário popular, à categoria de "herói".

Esta atitude revela, entre outras coisas, uma deprimente distorção moral coletiva além de inversão de valores. A trajetória desse garoto mimado mostra que se tratou de um delinqüente comum, sem nada de excepcional que lhe valesse a notoriedade que adquiriu.

Como todo fora da lei, buscou justificar o injustificável, posando de "coitadinho", de "bonzinho", de "injustiçado". Ou seja, agiu como qualquer assaltante, assassino ou traficante age. Basta ir a alguma cadeia e conversar com algum deles. Eles "nunca fizeram nada". "Só" mataram, assaltaram, estupraram, traficaram...

Sua aparição nos meios de comunicação bastou para que em pouco tempo fosse transformado do marginal que era, em "revolucionário". Do seqüestrador frio e calculista, em "bom bandido". Mas Pareja não foi nenhum "Robin Hood do Cerrado". Foi um perdedor. Herói? Jamais!

Foi criado em uma família de classe média alta, estudou nos melhores colégios, freqüentou ambientes sofisticados, inacessíveis à maioria da população. Mesmo assim, resvalou para a delinqüência. Apesar disso, transformou-se em ladrão.

Onde seu heroísmo?. Por isso, é justificada a revolta dos que repudiaram que seu caixão fosse coberto com a bandeira brasileira, durante o seu sepultamento em Goiânia, no dia 10, e que fosse cantado o Hino Nacional quando seu corpo baixou à sepultura.

Herói brasileiro, certamente, não é nenhum Pareja ou similar. É aquele sujeito, por exemplo, que trabalha 49 horas por semana (em troca de R$ 112 mensais); que enfrenta terríveis condições de vida; que se utiliza de um transporte caro e precário (quando não precisa ir a pé para o trabalho por falta de dinheiro para pagar a passagem); que sub-habita em barracos de favela ou em cortiços; que é subnutrido, subvalorizado, sub tudo; que não conta com qualquer espécie de proteção social e ainda assim jamais sai da linha. Não deve nada a ninguém e tem orgulho disso.

Herói brasileiro é o pesquisador que gasta horas e mais horas de esforço concentrado para descobrir remédios ou métodos cirúrgicos que salvem vidas e devolvam a saúde a pessoas que sequer conhece e provavelmente nunca conhecerá. É um Euryclides de Jesus Zerbini. São tantos outros pioneiros, nas mais diversas áreas de atividades (econômicas, científicas, culturais, esportivas, etc.), que garantem a sobrevivência e o progresso deste País (a despeito de suas distorções).

Estes merecem a gratidão eterna da Pátria (e não têm). Merecem estátuas, monumentos e todo o reconhecimento possível. Merecem muito mais do que meras bandeiras brasileiras envolvendo caixões e o Hino Nacional como derradeira homenagem. São os heróis do cotidiano. Pareja não.

(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 19 de dezembro de 1996)


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