Monday, December 07, 2015

Morte de Kennedy ainda é enigma



Pedro J. Bondaczuk


A narrativa histórica, mesmo sobre fatos tidos como consensuais, é caracterizada por versões, por interpretações, pela subjetividade de quem a narra, por maior que seja o seu empenho para retratar a verdade. “Assim se faz a história:/com a agressividade de poucos,/com a ingenuidade de muitos/e a dialética dos tolos”, dizem os versos de Affonso Romano de Sant’Anna. E há que se dar ouvido aos poetas, esses desbravadores da alma humana, que dissecam, em palavras aparentemente banais, as mais profundas emoções do homem.

Essas considerações vêm a propósito do assassinato do presidente John Fitzgerald Kennedy, num trágico – tornado cômico pelos pretensos cronistas desse evento – meio-dia de 22 de novembro de 1963. O cenário foi a Rua Elm, mais precisamente, a Praça Dealey, da cidade texana de Dallas.

Passados 30 anos do atentado, o que se tem são apenas três certezas e nada mais. O resto não passa de conjecturas, hipóteses, teorias, evidências etc. De consensual há somente a vítima (John Kennedy), o local do crime e o horário.

Versões, convenhamos, é que não faltaram, desde as mais lógicas (embora jamais provadas) às mais estapafúrdias e fantasiosas, uma das quais, quem sabe, pode ser a verdadeira, já que a realidade, ironicamente, tende a ser mais insólita do que a mais delirante ficção.

As investigações oficiais, mormente o célebre Relatório Warren, garantem que o assassino foi um certo Lee Harvey Oswald, até então um ilustre desconhecido, desses eternos perdedores, que não sabem o que fazer de suas vidas e tidos como alvos ideais para bodes-expiatórios.

Casado, com uma russa, o que era tido como uma heresia no auge da Guerra Fria e somente 11 anos depois da caça às bruxas da era macartista, envolvido com a esquerda e, para complicar, com uma ficha militar das mais medíocres, o suposto matador era o que conhecemos popularmente como um “coitado”. Para piorar, tentou, em certa ocasião, obter a cidadania soviética.

Poderia haver alvo melhor para levar a culpa, no caso de uma conspiração? A realidade, contudo, é tão estranha, que até é possível que as “conclusões” oficiais sejam as certas e que Oswald, de fato, seja o culpado, embora seja muito difícil para os que levam a vida estudando atos e emoções humanas acreditar nessa hipótese.

Das teorias estranhas, que ainda circulam, alimentando os mais de 600 livros, filmes e artigos sobre o atentado de Dallas, talvez a mais bizarra seja a do escritor Trumman Capote. O autor de “A sangue frio” assegura que Kennedy, embora tivesse parte do seu cérebro arrancada por um dos tiros (que ainda não se sabe se foram dois, três ou quatro), não morreu. Assegura que o presidente está relegado a um estado vegetativo e é mantido vivo num hospital do Texas.

A que propósito alguém estaria cometendo uma atrocidade dessas, pior do que o próprio assassinato? Em todo caso, foram tantas e tamanhas as barbaridades cometidas pelo mundo afora, através do tempo, que embora absolutamente inverossímil, essa hipótese pode ser a certa. Quem pode jurar que não? Não nos atreveríamos, por mais racionais e lógicos que possamos ser, a afirmar que ela deva ser completamente descartada.

O ensaísta Henry David Thoreau constatou que “é preciso duas pessoas para falar a verdade – uma para falar e outra para ouvir”. Mas onde ela está? Como poderá ser identificada nesse emaranhado de especulações. O enigma do atentado de Dallas, que custou a vida do presidente John Kennedy, será algum dia decifrado? A decifração, afinal, é importante, pois, como indaga o escritor Osman Lins: “Decifrar não é um modo de apagar, de esquecer?”!  

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 24 de novembro de 1993)


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