Morte
de Kennedy ainda é enigma
Pedro J. Bondaczuk
A narrativa histórica, mesmo sobre fatos tidos como
consensuais, é caracterizada por versões, por interpretações, pela
subjetividade de quem a narra, por maior que seja o seu empenho para retratar a
verdade. “Assim se faz a história:/com a agressividade de poucos,/com a
ingenuidade de muitos/e a dialética dos tolos”, dizem os versos de Affonso
Romano de Sant’Anna. E há que se dar ouvido aos poetas, esses desbravadores da
alma humana, que dissecam, em palavras aparentemente banais, as mais profundas
emoções do homem.
Essas considerações vêm a propósito do assassinato
do presidente John Fitzgerald Kennedy, num trágico – tornado cômico pelos
pretensos cronistas desse evento – meio-dia de 22 de novembro de 1963. O
cenário foi a Rua Elm, mais precisamente, a Praça Dealey, da cidade texana de
Dallas.
Passados 30 anos do atentado, o que se tem são
apenas três certezas e nada mais. O resto não passa de conjecturas, hipóteses,
teorias, evidências etc. De consensual há somente a vítima (John Kennedy), o
local do crime e o horário.
Versões, convenhamos, é que não faltaram, desde as
mais lógicas (embora jamais provadas) às mais estapafúrdias e fantasiosas, uma
das quais, quem sabe, pode ser a verdadeira, já que a realidade, ironicamente,
tende a ser mais insólita do que a mais delirante ficção.
As investigações oficiais, mormente o célebre
Relatório Warren, garantem que o assassino foi um certo Lee Harvey Oswald, até
então um ilustre desconhecido, desses eternos perdedores, que não sabem o que
fazer de suas vidas e tidos como alvos ideais para bodes-expiatórios.
Casado, com uma russa, o que era tido como uma
heresia no auge da Guerra Fria e somente 11 anos depois da caça às bruxas da
era macartista, envolvido com a esquerda e, para complicar, com uma ficha
militar das mais medíocres, o suposto matador era o que conhecemos popularmente
como um “coitado”. Para piorar, tentou, em certa ocasião, obter a cidadania
soviética.
Poderia haver alvo melhor para levar a culpa, no caso
de uma conspiração? A realidade, contudo, é tão estranha, que até é possível
que as “conclusões” oficiais sejam as certas e que Oswald, de fato, seja o
culpado, embora seja muito difícil para os que levam a vida estudando atos e
emoções humanas acreditar nessa hipótese.
Das teorias estranhas, que ainda circulam,
alimentando os mais de 600 livros, filmes e artigos sobre o atentado de Dallas,
talvez a mais bizarra seja a do escritor Trumman Capote. O autor de “A sangue
frio” assegura que Kennedy, embora tivesse parte do seu cérebro arrancada por
um dos tiros (que ainda não se sabe se foram dois, três ou quatro), não morreu.
Assegura que o presidente está relegado a um estado vegetativo e é mantido vivo
num hospital do Texas.
A que propósito alguém estaria cometendo uma
atrocidade dessas, pior do que o próprio assassinato? Em todo caso, foram
tantas e tamanhas as barbaridades cometidas pelo mundo afora, através do tempo,
que embora absolutamente inverossímil, essa hipótese pode ser a certa. Quem
pode jurar que não? Não nos atreveríamos, por mais racionais e lógicos que
possamos ser, a afirmar que ela deva ser completamente descartada.
O ensaísta Henry David Thoreau constatou que “é
preciso duas pessoas para falar a verdade – uma para falar e outra para ouvir”.
Mas onde ela está? Como poderá ser identificada nesse emaranhado de
especulações. O enigma do atentado de Dallas, que custou a vida do presidente
John Kennedy, será algum dia decifrado? A decifração, afinal, é importante,
pois, como indaga o escritor Osman Lins: “Decifrar não é um modo de apagar, de
esquecer?”!
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 24 de novembro de 1993)
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