Tanatos prevalece
Pedro J.
Bondaczuk
O montante de dinheiro que os países gastam, em apenas uma
hora e meia, na produção e aquisição de armamentos, seria suficiente para
alimentar, com fartura, durante um ano, a totalidade da população dos 20
Estados africanos assolados pela fome, ameaçada de morrer de inanição. Os
recursos para esse fim, conforme depoimento do alto comissário da ONU para
refugiados, Paul Hartling, em abril de 1985, eram de apenas US$ 96,4 milhões,
que o organismo tinha dificuldades de arrecadar.
A dívida externa brasileira,
de US$ 100 bilhões, apontada, a toda hora, como motivo de vergonha para o nosso
País (como se fôssemos, todos, uns perdulários irresponsáveis), apregoada como
a mais alta do mundo, poderia ser saldada (e ainda sobraria algum troco) com
apenas 16 horas e 40 minutos de dispêndio internacional com armas.
E quanta miséria, quanto sofrimento, quanto
constrangimento não seriam evitados se o débito pudesse ser liquidado, sem a
dilapidação do nosso mal-distribuído patrimônio nacional! O homem conta, em sua
natureza intrínseca, com dois instintos básicos, que determinam sua conduta,
quer a individual quer a em
sociedade. O primeiro é o de conservação, dito de Eros (o
mitológico deus do amor grego). O outro é o de destruição, ou de Tanatos.
Nos momentos de equilíbrio (pessoal e coletivo), a
tendência dita erótica predomina. Leva-nos a agir no sentido da preservação da
saúde e da perpetuação da espécie, mediante a atividade reprodutiva. Mas lá em
nosso âmago permanece um inexplicável impulso destrutivo a nos sugerir que, a
despeito da consciência que temos do mundo que nos rodeia e da capacidade que
temos de interferir nesse ambiente, nunca deixamos de ser animais, com todas as
características das demais feras existentes.
Observe-se o comportamento de determinados indivíduos
quando em grupos. Há
pessoas com índole naturalmente pacífica, cordata e racional, quando isoladas.
Mas, quando estão em meio a uma turba enfurecida e descontrolada, agem da mesma
forma que a multidão. Não conseguem se controlar. São como mortos-vivos. Perdem
a consciência, a noção do certo e do errado e agem como se estivessem em transe
hipnótico.
Para quem tem um instinto tão terrível, como o tânico,
desvendar o segredo da fissão nuclear e dominar a técnica da fusão do átomo
equivale a se dar um revólver carregado nas mãos de uma criança. A
probabilidade de que, numa ação imprudente, alguma vida seja suprimida, é muito
grande.
No caso das armas nucleares esse risco não é de uma só
pessoa. É de uma espécie inteira. Aliás, de todas as espécies, de todas as
formas de vida, animais e vegetais. E é nisto que os homens investem o fruto do
trabalho de milhões, quiçá bilhões de indivíduos anônimos, sofridos, muitas
vezes famintos, não raro doentes, da Sibéria à Patagônia, da Austrália ao
Canadá.
Os países esbanjam o produto do esforço coletivo desses
bilhões de trabalhadores em engenhocas cuja única finalidade é matar. Enquanto
isso, mais de cem milhões de pessoas em todo o mundo não têm casas. Um quarto
da humanidade subabita em casinholas e barracos que, de forma alguma, podem ser
chamados de “habitações”. Milhões padecem de fome, sem dinheiro para comprar
sequer o mínimo para se alimentar.
As potências correm, freneticamente, atrás da arma
absoluta, enquanto se constata que 40 milhões de homens, mulheres e crianças
morreram de inanição apenas no ano passado (1984), de acordo com revelação do
subdiretor da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação,
FAO, para a América Latina e o Caribe, Mário Jalil, feita em 21 de fevereiro de
1985, na Cidade do México.
Esse especialista acrescentou que, “se a humanidade se
propusesse a fazer um minuto de silêncio em memória de cada pessoa que morre de
fome, a cada ano, permaneceria silenciosa pelo restante do século”! É o
instinto tânico manifestando-se, em âmbito global.
Essa constatação é de tirar o sono de qualquer indivíduo,
com um pingo de lucidez, ainda mais quando sabe que existem pelo menos 60 mil
ogivas nucleares nos arsenais das potências. E, pior ainda, quando os
cientistas lhe explicam que uma única dessas bombas pode liberar, em apenas um
segundo, mais energia do que todas as armas reunidas, utilizadas em todas as
guerras que já foram travadas, ao longo da totalidade da História! Incrível,
mas é verdade! É o instinto tânico dando de goleada no erótico!
(Artigo publicado
na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11 de abril de 1985).
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