Vestindo sentimentos
nobres de cândida poesia
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “IbirAMARes e
outros poemas”, do escritor catarinense Harry Wiese (Editora Nova Letra), é um
primor, tanto no que se refere á edição (cuidadosa e inteligente), quanto, e
sobretudo, ao seu rico conteúdo. É, sem nenhum exagero, régio “banquete” de
sensibilidade, inteligência e beleza para o leitor. Mesmo para aquele mais distraído
ou que não é habituado a ler poesia e que é, portanto, incapaz de detectar e de
usufruir, por si só, as lições de vida que ela contém. E elas são muitas,
ousaria dizer infinitas. Não por acaso, Sigmund Freud, um cientista, tido e
havido como o “pai da psicanálise”, tinha especial apreço por romancistas e...
por poetas. Pudera!
Em um de seus tantos
escritos, esse cauteloso pesquisador da alma humana (sobretudo do que de mais
secreto e recôndito ela contém), afirmou: “Os poetas e os romancistas são
aliados preciosos, e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque
eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas que a nossa sabedoria
escolar nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres,
que somos homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda
acessíveis à ciência”. E Harry Wiese demonstra, no seu livro, que conhece a
alma humana melhor do que qualquer renomado e competente psicólogo, psiquiatra
ou psicanalista.
O livro “IbirAMARes e
outros poemas” é dividido em cinco partes, cinco seções, cinco vertentes
temáticas que, além de facilitarem a leitura, permitem ao leitor concentrar-se
em cada tema abordado, extraindo o que tem de melhor, sem ser dispersivo. Esta
divisão é a seguinte, pela ordem: “Existência” (com 15 composições), “Ecologia”
(18), “Amor” (com 8) “Metapoesia” (com 7) e “Profecias” (com um único e longo
poema). Dada sua relevância, proponho-me a comentar, oportunamente, cada uma
delas separadamente. Por hoje, concentro-me, apenas, na apresentação do livro,
feita pelo próprio autor e, principalmente, em sua citação do poeta, ensaísta e
diplomata mexicano Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990
(sobre o qual escrevi, tempos atrás, longa série de comentários abordando sua
vasta e eclética obra).
O poeta catarinense
cita, especificamente, a caracterização de poesia e de poema feita, em
memorável ensaio, por esse premiado escritor das Américas, por se tratar
daquilo em que crê e que baliza sua própria obra poética: “A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de
transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza;
exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este
mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à
viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular.
Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela
angústia e pelo desespero...”
E, mais adiante, amplia
a citação: “Poesia é oração, litania, epifânia, presença. Exorcismo, conjuro,
magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão
histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se
todos os conflitos, objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser
algo mais que passagem”.
E Harry Wiese
complementa essa definição, tão enfática e bela a ponto de nos tirar o fôlego
(ela própria um poema à “poesia”), citando este outro trecho, também de um
ensaio de Octávio Paz, do livro “Labirinto da solidão”: “O homem moderno tem a pretensão de sonhar acordado. Mas este desperto
pensamento nos levou pelos corredores de um sinuoso pesadelo, onde os espelhos
da razão multiplicam a câmara da tortura. Ao sair, por acaso descobriremos que
tínhamos sonhado com os olhos abertos e que os sonhos da razão são atrozes.
Talvez, então, comecemos a sonhar outra vez com os olhos fechados”. Lindo!
Lindo e verdadeiro. Com essa citação, Harry Wiese deixa claro qual seu
entendimento de poesia. E explicita que normas e princípios delimitam e
caracterizam seus poemas. Ou seja, os que nos i8nduzam a “sonhar com os olhos
fechados”.
A título de exemplo,
partilho com você, amável leitor, esta jóia de poesia que integra “IbirAMARes”.
Trata-se de um primor da arte de “pintar” cenários, posto que não com tintas e
pincéis, mas com palavras, com inteligência, mas antes e acima de tudo com
intensa sensibilidade:
Visão para uma noite
“As
nuvens alvas que envolvem as montanhas
Convidam
a noite com seus sortilégios
Para
a consoada derradeira.
Ninguém
sabe de onde vêm,
Ninguém
sabe para onde vão.
As
montanhas engolem as nuvens
E
vomitam a escuridão.
O
suor deixou sal nos poros e nas rugas dos homens,
Fruto-labor,
Fruto-amor
Nas
fábricas e no campo.
As
ruas se preparam para a utopia,
E
não há mais vaga-lumes! Vaga-lumes?
Há
lâmpadas fracas nos postes.
E
os homens?
Existe
uma vontade imensa de amar mulheres,
Mas
os fantasmas manipulam as trevas e o prazer.
Quanta
fúria vejo nas veias do dragão
E
a melancolia da noite se arrasta
Até
o cume das montanhas.
O
nevoeiro, também sufoca a noite,
Os
mistérios
E
os homens”.
Notem a variedade,
originalidade e riqueza das metáforas, o que se repete em cada poema do livro.
Harry Wiese abre essa sua obra-prima poética, antes mesmo da pertinente
apresentação que faz dela, com uma citação do seu ilustre conterrâneo, João
Cruz e Sousa. É esta em que o “cisne negro” constata que “o sentimento, quando
nobre e raro, veste tudo de cândida poesia”. E é o que ele faz, da primeira à
última página, de “IbirAMARes”. Ou seja, veste tudo de cândida poesia,
porquanto o sentimento que o inspira e o move é nobre e raro.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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