Thursday, December 24, 2015

Incabíveis comparações entre Modiano e Proust



Pedro J. Bondaczuk

O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu, certa feita, que “ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar”. A igualdade, portanto, seja em que aspecto for (física, psicológica, emocional, afetiva etc,) – e não confundir com semelhança – é uma impossibilidade absoluta. É a lógica das lógicas. Nunca houve, não há e nem haverá jamais duas pessoas rigorosamente iguais em tudo. Isso vale tanto para a vida, quanto para a Literatura e para qualquer outra atividade. Por isso, chamou-me a atenção, em particular, a infeliz comparação feita pelo secretário permanente da Academia Sueca, Peter Englund, em outubro do ano passado, ao anunciar o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2014. Ao revelar ao mundo que o ganhador dessa tão criticada, mas ultra cobiçada premiação, era o romancista Patrick Modiano, acrescentou que ele era um “Marcel Proust dos tempos modernos”.

A intenção, óbvia, foi a de elogiar o laureado, embora o teor da declaração seja equivocado e infeliz, seja qual for o aspecto que se olhe. Para quem já leu os dois autores, fica claríssimo que não existem dois escritores mais diferentes, mais heterogêneos, mais antagônicos – quer em suas biografias, quer nos temas que abordam, quer, e sobretudo, nos estilos – do que esses dois. A comparação de Englund baseia-se no fato de ambos terem na “memória” o fulcro de suas criações e de fazerem do tempo a matéria-prima da sua criação. As semelhanças (ínfimas, destaque-se) param por aí. Confesso que ao ler Modiano, não me passou, sequer remotamente, pela cabeça, compará-lo a Proust. Ambos são incomparáveis. São rigorosa e absolutamente diferentes.

Milhares, quiçá milhões de escritores tempo e mundo afora tiveram e têm fixação por ambos temas e nem por isso são comparáveis (e muito menos comparados) nem a Marcel Proust e nem a Patrick Modiano. Têm realidades e biografias próprias, cada qual pensa de acordo com suas formações psicológicas e culturais, mesmo que possam ter uma coisa ou outra em comum. O especialista em literatura francesa, professor William Vandervolk – autor do livro “Reescrevendo o passado: história e narrativa nos romances de Patrick Modiano” – cita uma das diferenças entre os dois escritores (que sequer é a principal). Escreve: “Ao contrário de Proust, que examina cada nuance do processo de memória, Modiano faculta ao leitor fazer isso sozinho”,

A infeliz comparação de Peter Englund sugere (posto que sutilmente, nas entrelinhas) suposta superioridade literária do autor de “Em busca do tempo perdido” sobre o ganhador do Nobel de Literatura de 2014. Da minha parte, considero Modiano infinitamente superior a Proust (embora deteste este e qualquer outro tipo de comparação). Quando eu disse isso, recentemente, em uma roda de amigos, boa parte dos quais escritores, fui tratado como herético, como lunático dizendo disparates, como pecador que merecesse a fogueira da Inquisição. Inconformado com as críticas, espremi meus críticos contra a parede até que eles confessassem o que eu desconfiava: que... eles jamais haviam lido um só dos sete volumes, uma única página que fosse, um reles parágrafo de “Em busca do tempo perdido”. Como poderiam, pois, contestar, com tamanha ênfase, com virulenta ira, minha afirmação?! Óbvio que não poderiam!!!!

Pensem o que pensarem de mim, detestei essa obra de Proust, tida e havida como preciosidade da Literatura mundial de todos os tempos. Quem é meu leitor sabe que tenho por princípio nunca criticar nenhum escritor ou obra que não goste. Abro, aqui, todavia, raríssima exceção. Li os sete volumes de “Em busca do tempo perdido” por curiosidade e porque fui incumbido de comentar essa obra. Detestei-a!!! Foi uma leitura monótona, chata, nada nada atrativa, com um ou outro rasgo, esparso, de genialidade, e olhem lá. Aquela imensa quantidade de páginas, descrevendo, modorrentamente, numa linguagem de dar sono em estátua de pedra, banquetes de pessoas da onerosa e desocupada elite francesa, poderia, perfeitamente, ter sido resumida em um único volume, de não mais do que 150 páginas (se tanto), que estaria de bom tamanho. E olhem que a edição que li foi um trabalho primoroso de edição da Editora Globo, com impecável tradução de ninguém menos que Mário Quintana! Ou seja, esse capricho editorial tornou um pouquinho atrativo algo que por si só não tinha nada de especial para atrair leitores, mesmo os teimosos e determinados, como eu.  Provem-me, mas com fatos, que estou errado! Foi o desafio que fiz aos meus críticos. É o desfio que faço a quem queira me contestar.

Enquanto Marcel Proust vale-se de uma prosa prolixa, suntuosa, repleta de inúteis minúcias psicológicas e sensoriais (que, desconfio, não passam do que se diz no popular de “encheção de linguiça”) que alongam, desmesuradamente suas frases para além do fôlego convencional da leitura, o que torna sua narrativa ainda mais chata, Patrick Modiano age, em suas abordagens, de maneira diametralmente oposta. Suas frases são simples, curtas, diretas, quase telegráficas, sem palavras de pseudo-erudição e nem parágrafos intermináveis. Não chega a conclusões bombásticas, posto que tão óbvias que chegam a ser acacianas, como Proust. Em vez de concluir, deixa implícito, para que o leitor conclua por si. Mais sugere do que declara. E seus livros são todos bastante “magrinhos”, desses que a gente lê de um único sopro e que pode reler, vezes sem conta, sem perder muito tempo. Se eu tivesse que fazer alguma comparação (que acho inútil e incabível) diria que Marcel Proust foi um Patrick Modiano do passado, e jamais o contrário.


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