Mudamos ambos
Pedro
J. Bondaczuk
Os costumes e
comportamentos sociais mudam, de uma geração para outra, ao sabor,
principalmente, dos modismos. Esse é um processo até natural. Às vezes essas
mudanças são pequenas, senão ínfimas, quase imperceptíveis, no entanto,
ocorrem. Há ocasiões, porém, que são radicais, mesmo que seus agentes sequer
percebam e, geralmente quando alertados, neguem enfaticamente.Diz-se, amiúde,
que “em cada cabeça há uma sentença”. Por este critério, há em torno de sete
bilhões de sentenças nestes tempos de superpopulação. Um dos costumes que vêm
sofrendo profundas alterações, pelo menos nesta minha geração (nas sete décadas
de vida que tenho o privilégio de testemunhar), é a forma das famílias
celebrarem o Natal. Quando criança, a ênfase da data era a figura do
“aniversariante”. O enfoque era, portanto, religioso, embora houvesse, também,o
lado, digamos, profano.
Afinal, desde o século
IV da nossa era, quando o Natal foi incorporado como celebração cristã, o
pretexto para ser celebrado pela cristandade era o “aniversário” de nascimento
de Jesus Cristo (que, aliás, sequer teria nascido em 25 de dezembro, mas,
provavelmente, em junho). Hoje, sabe-se, que a festividade foi mera adaptação
de uma tradicional celebração pagã que ocorria nessa data. Mas essa não é a
questão. Quando eu era garotinho, havia, igualmente, o costume da ceia natalina,
como há hoje. As pessoas trocavam presentes, como ocorre agora. A figura do
Papai Noel e as fantasias que a cercam já era enfatizada e até mais do que
atualmente. Onde, pois, estão as mudanças a que me refiro?
Ocorre que há pouco
mais de 60 anos, a ênfase ainda era religiosa, embora já estivesse declinando.
As famílias montavam presépios em suas casas (raras não tinham esse costume),
que faziam, invariavelmente, companhia à tradicional árvore de Natal. O menino
Jesus era a figura central da celebração. Papai Noel era mencionado, sim,
contudo apenas ocasionalmente e, em muitas famílias, não era nem mesmo
lembrado. E hoje, o que ocorre? Pergunte a qualquer criança, na faixa dos seis
anos ou até menos, o que entendem que seja o Natal. Frise-se que os meninos e
meninas dessa idade são, hoje, muito mais informados e esclarecidos do que os
do meu tempo. Frequentam escolas desde que deixam de usar fraldas. Muitos deles
operam computadores com desembaraço, ou seja, já navegam na internet, com maior
naturalidade do que adultos de mais idade. Em suma, de ingênuas as crianças de
hoje não têm quase nada, ao contrário da minha geração.
Fiz essa pergunta a um
punhado de meninos e meninas das minhas relações, que convivem com meu netinho
mais novo, o João Vítor. E nenhum, rigorosamente nenhum, associou a celebração
ao nascimento de Cristo. Para a quase totalidade, Natal é a época de receber
presentes, de comer comidas gostosas e de receber parentes em casa (avós, tios,
primos etc.). Citam, é certo, Papai Noel, mas sabem que os presentes que ganham
são dados pelos pais e por outros parentes e que essa figura (para mim
caricata, sobretudo em país tropical como o nosso, em que a celebração cai bem
no início do Verão) é mero elemento de propaganda das lojas.
Não condeno o lado
“profano” do Natal, desde que não haja excessos. Não vejo nada de errado nas
ceias natalinas, desde que não se transformem em pantagruélicos banquetes, em
que se exceda na comida e na bebida, a ponto das pessoas que deles participem
adoecerem e terem, não raro, até que serem hospitalizadas. Não me oponho,
igualmente, ao costume de trocar presentes, desde que isso seja ato espontâneo
e não se transforme em “obrigação” que comprometa, não raro, pelo resto do ano,
o normalmente apertado orçamento familiar. O que me incomoda é o esquecimento
do verdadeiro motivo do Natal. É que o “aniversariante” do dia seja esquecido e
que tudo se resuma à mera festa, sem nenhum significado especial e sem um
tiquinho que seja de reflexão.
“É coisa de velho”,
muitos dirão, com certeza, a propósito de minhas queixas e restrições. Até pode
ser. Todavia não é apenas isso. Ao iniciar este desabafo, veio-me à mente o
célebre “Soneto de Natal”, do nosso maior escritor, Machado de Assis. Trata-se
de poema ultraconhecido que, nesta época, circula a rodo internet afora. Penso,
especificamente, no último verso da citada composição. Nele, o “Bruxo do Cosme
Velho” indaga a si próprio: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”. No meu caso, a
resposta é simples, direta e óbvia: MUDAMOS AMBOS!!! E você, querido leitor,
qual sua conclusão?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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