Friday, December 11, 2015

A poesia sobre poesia

Pedro J. Bondaczuk

O livro “IbirAMARes e outros poemas”, do escritor catarinense Harry Wiese´(Editora Nova Letra) é dividido, para facilitar a leitura e permitir que o leitor usufrua plenamente de seu conteúdo (afinal, ordem, em qualquer atividade, nunca é demais, sempre é de menos), conforme destaquei em comentários anteriores, em cinco vertentes temáticas. Comentei três delas: “Existência”, “Ecologia” e “Amor”. A quarta é a “Metapoesia”. O autor dedica sete poemas a esse tema. Poucas, pouquíssimas pessoas sabem o que isso significa. Responda com sinceridade, paciente leitor: você já ouviu falar de “metapoesia”? Sabe o que ela significa? Se não souber (e desculpe minha presunção), não se acanhe e não se aflija. São raros, raríssimos os poetas que já ouviram falar dela, embora componham, e com assiduidade, metapoemas e mais metapoemas.

Fiz esse teste com amigos que têm vários livros de poesia publicados. Perguntei-lhes exatamente isso, que acabo de perguntar a vocês, e nenhum deles, nenhum mesmo, jamais havia ouvido sequer falar a respeito. Alguns, até, acharam que eu estava brincando, que não existia essa tal de metapoesia, que não passava de pegadinha da minha parte. Peguei, então, a esmo, um livro de um deles e localizei com enorme facilidade metapoemas que esse autor compôs, sem saber que se tratava disso. Afinal, sequer ouvira falar dessa expressão. Presumo que não haja nenhum poeta que não tenha composto, em algum tempo, pelo menos um punhadinho de poemas com estas características. Eu mesmo compus algumas dezenas.

Bem, não serei chato a ponto de manter por mais tempo o suspense. Metapoema é, tão somente, poema em que o autor fala sobre o próprio poema, ou sobre a poesia e/ou sobre seu processo de criação. Simples assim! Ah, caro poeta que me dá a honra da leitura, acendeu, agora, uma brilhante luz no seu cérebro? Pois é, como afirmei, você já praticou vezes sem conta a metapoesia e não sabia. É bom que saiba!!! E não apenas isso, mas, ademais, tudo o que se refira a essa nobre arte que você pratica, mesmo que isso não lhe acrescente nada. Afinal, como diz surrado clichê, “o saber não ocupa lugar”.

Harry Wiese compôs sete magníficos metapoemas e teve a generosidade de destinar-lhes toda uma seção do seu livro, até para que o leitor mais curioso e atento se dispusesse a pesquisar o significado de metapoesia e assim valorizá-la. Ou seja, trouxe à baila sete composições em que o tema dessas poesias é a própria poesia. Afinal, o que leva o poeta a compor? O que motiva a escolha dos assuntos que aborda? Qual o valor que empresta à nobre arte de poetar? Tudo isso e muito mais é tratado em metapoemas. Dos sete que Harry Wiese nos apresenta, optei por este, que partilho com vocês, por mera questão de gosto. Poderia, no entanto, partilhar qualquer outro, que estaria de bom tamanho:

A poesia

“A poesia existe para propagar o sentimento
E externar o meu amor.

A poesia vivifica a grandiosidade das almas
Perdida na vastidão do tempo.

Por que hei de vasculhar baús
E ressuscitar lembranças perdidas
Se a poesia é o bálsamo benevolente,
Milagroso e fantástico
A serenar impasses fatais?

Não depredarei a arte,
Nem cantarei mistérios.
A grandeza emanada
Das tuas entranhas,
Encarregar-se-á de justificar
O meu apelo,
Apelo-menina,
Apelo-poesia,
Apelo-apelo.

A poesia existe para existir plena,
Amada,
Misteriosa,
Nada mais!”


Querem um exemplo de metapoesia na obra de outro poeta, de algum, digamos, medalhão, consagrado, badalado, ultraconhecido e citado? Trago-lhes, pois, este expressivo metapoema de Fernando Pessoa (poderia trazer centenas deles, dele e de tantos outros poetas, mas deixo para vocês identificá-los, até a título de exercício):

Autopsicografia

“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor.
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração”.


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