Saturday, December 19, 2015

Testemunhas e prisioneiros do nosso tempo

Pedro J. Bondaczuk

O escritor é testemunha e prisioneiro do seu tempo”. Quem afirmou isso (não exatamente com estas palavras, mas com este significado), foi o romancista francês, Patrick Modiano, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2014, no discurso que fez, em 7 de dezembro do ano passado, em Estocolmo, na cerimônia de entrega dessa premiação. O leitor que me acompanha com assiduidade é testemunha de que declarei exatamente isso, e em “n” oportunidades e, mais do que declarar, que comentei essa convicção (dele e minha), apresentando justificativas para ter chegado a tal conclusão. Portanto, tinha (e obviamente tenho) essa certeza muito antes de sequer desconfiar da existência de Modiano (quanto a mim, certamente, ele jamais saberá que existo. Afinal, ele é famoso, e agora, após a conquista do Nobel, muito mais, e eu.... Bem, não passo de um escritor de terceira linha, desimportante e obscuro,  em busca de um lugar ao sol, mesmo que seja uma quase invisível nesga de luz).

Sim, amigos, somos testemunhas, mas também prisioneiros do nosso tempo. Jamais compreenderemos integralmente situações e fatos de um passado, anterior ao do nosso nascimento, embora julguemos que sim. Por que? Porque não o vivemos. Sequer o testemunhamos. Conhecemo-lo de terceira mão. Nosso relato, portanto, será fatalmente eivado de subjetividade, de fantasia até, ou seja, de muita (delirante?) imaginação e pouca, ou nenhuma realidade.  As motivações que os geraram nunca serão iguais, mesmo que parecidas, com as que existiriam em nossa época, caso tivessem acontecido nela. Como se vê, penso como outro ilustre ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, o português José Saramago pensava a propósito. O autor de “A jangada de pedra” escreveu a respeito: “A verdade histórica não existe. A História não é mais do que uma ficção. Quer dizer, uma ficção com mais dados, concretos, reais, mas também com muita imaginação”. Que me perdoem os historiadores, mas esta é, exatamente, a minha convicção.

O crítico satírico, escritor e jornalista norte-americano Ambrose Guinnett Bierce, foi mais enfático e contundente ainda: “História: um relato geralmente falso de acontecimentos geralmente fúteis, contados por governantes geralmente velhacos e soldados geralmente tolos”. Patrick Modiano acrescentou, em seu citado discurso: "Um escritor é marcado de forma indelével por sua data de nascimento e por seu tempo, ainda que não tenha participado diretamente da ação política, mesmo que dê a impressão de ser um solitário retirado em sua 'torre de marfim'. Prisioneiro de seu tempo, está marcado por sua percepção da época em que nasceu e em que vive”.

Outro aspecto que o romancista francês enfatizou em seu pronunciamento é o da dificuldade crescente que o escritor contemporâneo enfrenta para ser original e para captar e transmitir, com exatidão, o pensamente reinante neste nosso tempo tão agitado e louco. Disse que, como homem de letras do século XXI, sente certa nostalgia dos romancistas do século XIX, justificando: "O tempo, então, passava mais lentamente que hoje e essa lentidão permitia ao romancista concentrar sua energia e atenção". Apesar de não condenar a internet e a cultura imediatista que ela enseja, Modiano ponderou: "As redes sociais reduzem parte da intimidade e do segredo que, até há pouco tempo, era o nosso bem, o segredo que dava profundidade às pessoas e podia ser um grande tema romanesco".


Manifestou, todavia, sua expectativa (que, confesso, é também a minha) de dias melhores, justificando a razão dessa esperança: "Estou convencido de que os escritores do futuro garantirão a renovação, como fez cada geração desde Homero, sobretudo porque o escritor manifesta em suas obras algo de atemporal”. Como se vê, este é um tema complexo e polêmico, que tende a render muito e que me induz a voltar a ele oportunamente. Afinal, polêmica é minha praia. Mas não por amor à controvérsia e sim como forma, como estratégia para provocar debate e, por ele, se chegar à verdade (ou aos arredores dela).

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