Contraponto da fome
Pedro J. Bondaczuk
"A
fome é servidora da morte, em contraponto com a busca de subsistência das
sociedades políticas". Estas lúcidas palavras foram ditas pelo presidente
Itamar Franco, em discurso que pronunciou na abertura da Primeira Conferência
Nacional de Segurança Alimentar, realizada esta semana, em Brasília.
O
País que todos almejamos construir não pode conviver com essa tragédia humana.
Recentemente, os dados estatísticos, atribuídos ao Ipea, um órgão de governo,
que davam conta da existência de 32 milhões de famintos no Brasil, foram
contestados.
De
fato, o número era exagerado e foi fruto de uma interpretação errônea de dados.
Ainda assim, há um contingente enorme de brasileiros que ou não têm o que
comer, ou são pessoas subalimentadas, subnutridas, e portanto vulneráveis às
doenças e à morte prematura. O problema não é sequer numérico: é de princípios.
Uma
sociedade que aspira à modernidade e tem pretensões de se situar entre as mais
desenvolvidas e civilizadas do Planeta, não pode tolerar tamanhos desníveis
sociais, como os que existem. Há fome no Brasil, destaque-se, por razões muito
diversas das dos países africanos assolados por este flagelo.
Não
se trata de um problema climático, como ocorre freqüentemente no Sul da África.
A carência alimentar desses brasileiros também não se deve a eventual
esterilidade do solo (muito pelo contrário) ou a ataque de pragas, ou à falta
de terras para plantar.
Daí
a imoralidade no fato de haver tantos irmãos famintos, num Brasil que acaba de
colher outra safra recorde, tão alardeada (justamente) pelo governo.
Embora
os nossos flagelados não sejam os propalados 32 milhões, seguramente constituem
uma quantidade muitas vezes superior às populações totais de Angola, de
Moçambique, da Somália e da Etiópia somadas, que são os Estados africanos mais
afetados por essa aguda carência alimentar.
Itamar
destacou, no mencionado discurso, que "nunca houve tanta comida nos
celeiros do mundo e, contraditoriamente, também nunca houve tanta fome e tanta
miséria". Contudo, para um país que aspira posição de destaque na esfera
internacional, não é lícito seguir os maus exemplos e nem tentar justificar
suas falhas os imitando.
Temos
plenas condições, materiais e morais, de nos tornarmos modelos para o mundo, ao
invés de ostentarmos, como agora, o incômodo título de "sociedade mais
injusta" do Planeta, em termos de concentração de renda. Seguramente, não
é este o Brasil que queremos para nós e muito menos para os nossos
descendentes.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de julho de 1994).
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