Friday, December 11, 2015

Contraponto da fome


Pedro J. Bondaczuk


"A fome é servidora da morte, em contraponto com a busca de subsistência das sociedades políticas". Estas lúcidas palavras foram ditas pelo presidente Itamar Franco, em discurso que pronunciou na abertura da Primeira Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada esta semana, em Brasília.

O País que todos almejamos construir não pode conviver com essa tragédia humana. Recentemente, os dados estatísticos, atribuídos ao Ipea, um órgão de governo, que davam conta da existência de 32 milhões de famintos no Brasil, foram contestados.

De fato, o número era exagerado e foi fruto de uma interpretação errônea de dados. Ainda assim, há um contingente enorme de brasileiros que ou não têm o que comer, ou são pessoas subalimentadas, subnutridas, e portanto vulneráveis às doenças e à morte prematura. O problema não é sequer numérico: é de princípios.

Uma sociedade que aspira à modernidade e tem pretensões de se situar entre as mais desenvolvidas e civilizadas do Planeta, não pode tolerar tamanhos desníveis sociais, como os que existem. Há fome no Brasil, destaque-se, por razões muito diversas das dos países africanos assolados por este flagelo.

Não se trata de um problema climático, como ocorre freqüentemente no Sul da África. A carência alimentar desses brasileiros também não se deve a eventual esterilidade do solo (muito pelo contrário) ou a ataque de pragas, ou à falta de terras para plantar.

Daí a imoralidade no fato de haver tantos irmãos famintos, num Brasil que acaba de colher outra safra recorde, tão alardeada (justamente) pelo governo.

Embora os nossos flagelados não sejam os propalados 32 milhões, seguramente constituem uma quantidade muitas vezes superior às populações totais de Angola, de Moçambique, da Somália e da Etiópia somadas, que são os Estados africanos mais afetados por essa aguda carência alimentar.

Itamar destacou, no mencionado discurso, que "nunca houve tanta comida nos celeiros do mundo e, contraditoriamente, também nunca houve tanta fome e tanta miséria". Contudo, para um país que aspira posição de destaque na esfera internacional, não é lícito seguir os maus exemplos e nem tentar justificar suas falhas os imitando.

Temos plenas condições, materiais e morais, de nos tornarmos modelos para o mundo, ao invés de ostentarmos, como agora, o incômodo título de "sociedade mais injusta" do Planeta, em termos de concentração de renda. Seguramente, não é este o Brasil que queremos para nós e muito menos para os nossos descendentes.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de julho de 1994).


Acompanhe-me pelo twitter:@bondaczuk       

No comments: