Saturday, December 19, 2015

Arma não vale nada sem bom lutador


Pedro J. Bondaczuk


O anúncio solene, feito pelo presidente norte-americano, George Bush, em rede de televisão nacional, anteontem à noite, na Casa Branca, de um cessar-fogo na guerra do Golfo Pérsico, põe fim ao conflito, rápido, fulminante, duro e destrutivo.

O Iraque, mesmo que quisesse continuar lutando, não poderia, pois já está sem exército, sem armas e virtualmente sem país. Foi reduzido a um montão de ruínas e os seus cidadãos que podem, estão emigrando, para tentar a sorte em outras partes.

Termina, portanto, de forma melancólica, o sonho de grandeza de Saddam Hussein, cujo futuro político é previsível. Assim que passar o impacto da humilhante derrota, não há dúvida de que será escorraçado do poder. Nem mesmo o gosto de se tornar mártir os aliados lhe deram. Poderiam ter avançado rumo a Bagdá e prendido e humilhado o presidente, mas não quiseram. Perceberam o erro político que isso representaria, por algo que nem é necessário.

Mesmo que o general iraquiano queira montar nova máquina de guerra --- o que é muito contestável --- não terá recursos para isso. O dinheiro necessário para a reconstrução nacional, para o pagamento de reparações de guerra ao Kuwait e para saldar a dívida externa, atinge uma cifra astronômica, que gira ao redor do meio trilhão de dólares.

Saddam passou 12 anos investindo o dinheiro do seu povo em armamentos. Mesmo contando com a terceira maior reserva mundial de petróleo, a renda per capita iraquiana era menor do que a brasileira --- que já não é das mais expressivas --- chegando a apenas US$ 1.800 anuais.

O pouco rendimento nacional, se comparado à população, ao invés de ser aplicado no desenvolvimento, foi investido na composição de um arsenal caro, diversificado e com alto grau de sofisticação.

Saddam Hussein, equivocadamente, pensou que somente armamentos de boa qualidade bastam para montar uma invencível máquina de guerra. Não se deu conta daquilo que é elementar entre os militares: a formação de soldados.

O diretor do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, major Robert Elliot, disse, em entrevista que concedeu em 7 de julho de 1982: "Eu sei que as armas impressionam muito os militares, mas será que elas são necessárias igualmente para todos os países? Bons soldados podem usar armas ruins, mas a recíproca não é verdadeira".

E os combatentes iraquianos mostraram, não somente nesta guerra, como também na travada contra o Irã, que lhes falta muito para serem sequer razoáveis. Resta a tentativa da Rádio Bagdá para salvar pelo menos um pouquinho do orgulho derrubado.

Em sua transmissão de ontem, depois do anúncio da trégua, a emissora deu a seguinte mensagem "poética", de patética beleza, que dispensa comentários: "Aqui é Bagdá. A voz da glória e da dignidade. A voz da verdade e da resistência... Aqui é Bagdá, a casa da paz e da guerra, se a guerra lhe é imposta. Em paz, Bagdá é um paraíso. Na guerra, Bagdá é fogo que queima os agressores. Bagdá cujas fronteiras são tão afiadas quanto baionetas... Aqui é Bagdá, a capital do mundo... A voz das massas". Pena, para Saddam Hussein, que as guerras não sejam vencidas somente com palavras...

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 1º de março de 1991).


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