Desarmamento e injustiças
Pedro J. Bondaczuk
O desarmamento mundial
tornou-se de tal forma mera ficção, que o dia destinado pela ONU a essa
tentativa de racionalidade passou, ontem, praticamente sem lembrança no mundo
todo. Desarmar os homens, para que a humanidade possa aspirar à paz e, assim,
se preocupar com realizações mais expressivas, no terreno das idéias e do
relacionamento harmonioso e cooperativo, é hoje enorme utopia, sonho delirante
de um reduzido grupo de idealistas, aliás, espécie em franca extinção.
Há vários aspectos a considerar no problema,
entre os quais, um dos mais importantes, é o peso econômico que a indústria
bélica tem nos tempos atuais (aliás, sempre teve, embora não como atualmente,
no que diz respeito à quantidade e ao poder de matar e de destruir). Qualquer
iniciativa mais séria, no sentido da obtenção do desarmamento, esbarraria,
portanto, primeiramente aí.
Há
muito dinheiro investido na atividade, que gera centenas de milhares de
empregos em todo o mundo e garante o sustento de milhões de indivíduos.
Irônico, não é verdade? Para que muitos sobrevivam, é indispensável que outros
morram em estúpidas e insensatas guerras civis ou entre países, muitas vezes
(quiçá na maioria delas, senão na totalidade) fomentadas exatamente por agentes
dessa poderosa indústria. E há uma maquiavélica lógica nisso.
Se
não houver instabilidade política, se não existirem injustiças, se for banido
todo o tipo de tirania do Planeta, se não se verificarem descabidos desníveis
sociais e o predomínio da força sobre a razão, no mundo, não haverá mais
conflitos. Não havendo estes, inexistirá a necessidade do recurso da violência
para que o forte se imponha diante do fraco. Portanto, em última instância, a
guerra será inútil e desnecessária.
Sem
guerra (interna ou externa, não importa), as armas não terão razão de serem
fabricadas, por falta de quem as compre. Sem armas, conseqüentemente, esse tipo
de indústria não existirá, pois existe unicamente com esse fim. Que bom seria
se isso pudesse vir a acontecer. Mas não pode.
Enquanto
existirem tremendos desníveis econômicos entre os países e, dentro de cada um
deles, de classes, de famílias e de pessoas, sempre haverá um campo ubérrimo
para a discórdia, a cobiça e a rapinagem. Como estes vêm crescendo em progressão
geométrica, de ano para ano, as guerras, guerrilhas, revoluções, assaltos e
assassinatos e todos os tipos de manifestação de violência acompanham a
tendência ascendente.
E
a indústria de armas nem precisa mais fomentar discórdias ou fazer propaganda
de seus produtos, que contam com garantida, imensa e crescente procura,
envolvendo desde a dona de casa, que deseja ter uma simples pistola de pequeno
calibre na cabeceira da sua cama, para a proteção pessoal (na maioria das vezes
ilusória, já que dificilmente a saberá, ou terá coragem, de usar, em caso de
necessidade), às superpotências, cujos arsenais atômicos somados são
suficientes para destruir cem planetas do tamanho do nosso.
Para
que fosse possível o desarmamento, de fato, seria preciso que, antes, se
desarmassem os espíritos. Que a violência urbana decrescesse. Que as causas da
marginalidade (e não apenas seus efeitos) fossem erradicadas. Que antes dos
cidadãos gritarem por seus direitos, se lembrassem dos seus deveres. Que todo o
tipo de discriminação, do racial ao econômico, não passasse de triste lembrança
de um passado remoto.
Sem
isso, os homens sempre haverão de recorrer às armas para amedrontar, ou
eliminar, quem os ameace, incomode ou com eles rivalizem. E mesmo que essas
fossem destruídas, e jamais voltassem a ser fabricadas, as pessoas, nas atuais
circunstâncias, usariam ferramentas de trabalho, ou pedaços de pau, ou pedras,
ou as próprias mãos e dentes para se agredirem, se ferirem e se matarem. Pois o
vírus da violência está alojado, e se desenvolve inexoravelmente, na mente e no
coração humanos.
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 25 de outubro de
1984).
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