Monday, December 21, 2015

Rara distensão


Pedro J. Bondaczuk

O mundo vive, nestes dias que antecedem a reunião de cúpula entre o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o secretário-geral do Partido Comunista soviético, Mikhail Gorbachev, a ser realizada em Genebra, um raro momento de distensão e boa vontade. Um dos poucos instantes de esperança de uma paz duradoura, num século atribulado, marcado por duas guerras mundiais que, reunidas, foram as responsáveis pela morte de cerca de 50 milhões de pessoas. Além de ser agitado por praticamente um milhar de outros conflitos de menor envergadura, de caráter regional, que nem por isso fizeram menos vítimas fatais.

Analisando os 85 anos da história recente do Planeta, perceberemos, chocados, que em momento algum ele conheceu um período efetivo de paz. E que não se culpe apenas o surgimento do comunismo como sendo o responsável por esse estado de coisas. Afinal, em 1914, quando da eclosão da Primeira Guerra Mundial, esse sistema ideológico ainda não havia sido imposto em país algum e nem por isso o conflito pôde ser evitado. A conflagração seguinte também nada teve a ver com ele, embora as vacilações e até traições do líder soviético Josep Stalin tenham servido de estímulo para que Adolf Hitler resolvesse empreender sua maluca aventura.

Ontem, por exemplo, o presidente Ronald Reagan, o mesmo que é chamado pelas esquerdas radicais de "vaqueiro irresponsável" e outros epitetos nada abonadores, rompeu um tabu, de um quarto de século, da Casa Branca. Recebeu em seu gabinete jornalistas soviéticos para uma entrevista, fato que não acontecia desde 1960, na gestão de John Kennedy. Outro acontecimento alentador, atinente ao novo relacionamento que se procura criar entre as superpotências, é a proposta, que o secretário de Estado George Shultz deverá apresentar na próxima semana em Moscou, para que os dois governantes mais poderosos da Terra não limitem os seus contatos a apenas uma reunião, como a que vai se realizar dentro de 19 dias em Genebra. Ela prevê encontros mais freqüentes, se possível pelo menos um a cada ano, para que as principais controvérsias entre os dois gigantes planetários não tenham tempo para deixar evoluir crises e que estas não sejam agravadas por males entendidos.

Outra informação alentadora, que dá a conta exata do clima de boa vontade hoje reinante no Cremlin e na Casa Branca, é a que se refere a negociações de bastidores, que estariam se desenvolvendo há alguns dias entre as superpotências para possibilitar a libertação dos dois mais famosos dissidentes soviéticos: Andrei Sakharov e Anatoly Scharanski, um confinado em exílio interno na cidade de Gorki e outro internado num hospital psiquiátrico. Ambos seriam trocados por espiões russos, condenados e presos nos Estados Unidos.

Mesmo no que se refere à principal questão do nosso tempo, a redução dos arsenais nucleares das superpotências, há visível clima de entendimento. A Casa Branca, por exemplo, não esconde de ninguém o agrado que lhe despertou a proposta do líder Mikhail Gorbachev de cortar em 50% os mísseis estratégicos de ambos os países. Existe, é evidente, muitíssima coisa a ser negociada em torno dela. Há dúvidas e desconfianças de parte a parte. Afinal, 40 anos de antagonismos, que em várias oportunidades quase levaram as superpotências à mútua destruição (ambos confessam que já se sentiram tentados a deflagrar um ataque atômico, em ocasiões diversas) não se dissipam em poucos dias. Mas dá gosto a gente constatar que um mesmo Ronald Reagan, que ainda no ano passado, embora em tom de brincadeira, afirmou que iria destruir a União Soviética em 5 minutos, hoje insista em buscar um novo relacionamento com Moscou. Que fale em extinguir a "paranóia" existente em Washington e na capital russa, que impede um relacionamento sadio entre dois povos que, embora separados por ideologias tão antagônicas, são tão parecidos naquilo que é fundamental ao ser humano. No desejo de conviver solidariamente, sem recorrer à violência para solucionar suas diferenças. Se depender de boa vontade, a reunião de Genebra, a julgar pela aparência, deverá ser um grande sucesso. É, pelo menos, o que o mundo inteiro espera.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 1 de novembro de 1985)


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