Rara distensão
Pedro J. Bondaczuk
O
mundo vive, nestes dias que antecedem a reunião de cúpula entre o presidente
norte-americano, Ronald Reagan, e o secretário-geral do Partido Comunista
soviético, Mikhail Gorbachev, a ser realizada em Genebra, um raro momento de
distensão e boa vontade. Um dos poucos instantes de esperança de uma paz
duradoura, num século atribulado, marcado por duas guerras mundiais que,
reunidas, foram as responsáveis pela morte de cerca de 50 milhões de pessoas.
Além de ser agitado por praticamente um milhar de outros conflitos de menor
envergadura, de caráter regional, que nem por isso fizeram menos vítimas
fatais.
Analisando
os 85 anos da história recente do Planeta, perceberemos, chocados, que em
momento algum ele conheceu um período efetivo de paz. E que não se culpe apenas
o surgimento do comunismo como sendo o responsável por esse estado de coisas.
Afinal, em 1914, quando da eclosão da Primeira Guerra Mundial, esse sistema
ideológico ainda não havia sido imposto em país algum e nem por isso o conflito
pôde ser evitado. A conflagração seguinte também nada teve a ver com ele,
embora as vacilações e até traições do líder soviético Josep Stalin tenham
servido de estímulo para que Adolf Hitler resolvesse empreender sua maluca aventura.
Ontem,
por exemplo, o presidente Ronald Reagan, o mesmo que é chamado pelas esquerdas
radicais de "vaqueiro irresponsável" e outros epitetos nada
abonadores, rompeu um tabu, de um quarto de século, da Casa Branca. Recebeu em
seu gabinete jornalistas soviéticos para uma entrevista, fato que não acontecia
desde 1960, na gestão de John Kennedy. Outro acontecimento alentador, atinente
ao novo relacionamento que se procura criar entre as superpotências, é a
proposta, que o secretário de Estado George Shultz deverá apresentar na próxima
semana em Moscou, para que os dois governantes mais poderosos da Terra não
limitem os seus contatos a apenas uma reunião, como a que vai se realizar
dentro de 19 dias em Genebra. Ela prevê encontros mais freqüentes, se possível
pelo menos um a cada ano, para que as principais controvérsias entre os dois
gigantes planetários não tenham tempo para deixar evoluir crises e que estas
não sejam agravadas por males entendidos.
Outra
informação alentadora, que dá a conta exata do clima de boa vontade hoje
reinante no Cremlin e na Casa Branca, é a que se refere a negociações de
bastidores, que estariam se desenvolvendo há alguns dias entre as
superpotências para possibilitar a libertação dos dois mais famosos dissidentes
soviéticos: Andrei Sakharov e Anatoly Scharanski, um confinado em exílio
interno na cidade de Gorki e outro internado num hospital psiquiátrico. Ambos
seriam trocados por espiões russos, condenados e presos nos Estados Unidos.
Mesmo
no que se refere à principal questão do nosso tempo, a redução dos arsenais
nucleares das superpotências, há visível clima de entendimento. A Casa Branca,
por exemplo, não esconde de ninguém o agrado que lhe despertou a proposta do
líder Mikhail Gorbachev de cortar em 50% os mísseis estratégicos de ambos os
países. Existe, é evidente, muitíssima coisa a ser negociada em torno dela. Há
dúvidas e desconfianças de parte a parte. Afinal, 40 anos de antagonismos, que
em várias oportunidades quase levaram as superpotências à mútua destruição (ambos
confessam que já se sentiram tentados a deflagrar um ataque atômico, em
ocasiões diversas) não se dissipam em poucos dias. Mas dá gosto a gente
constatar que um mesmo Ronald Reagan, que ainda no ano passado, embora em tom
de brincadeira, afirmou que iria destruir a União Soviética em 5 minutos, hoje
insista em buscar um novo relacionamento com Moscou. Que fale em extinguir a
"paranóia" existente em Washington e na capital russa, que impede um
relacionamento sadio entre dois povos que, embora separados por ideologias tão
antagônicas, são tão parecidos naquilo que é fundamental ao ser humano. No
desejo de conviver solidariamente, sem recorrer à violência para solucionar
suas diferenças. Se depender de boa vontade, a reunião de Genebra, a julgar
pela aparência, deverá ser um grande sucesso. É, pelo menos, o que o mundo
inteiro espera.
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 1 de novembro de
1985)
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