Postura de caudilho
Pedro J. Bondaczuk
O
escritor peruano Mário Vargas Llosa, candidato presidencial desse país nas
eleições de 1989, derrotado por Alberto Fujimori, declarou, numa entrevista
dada em 1986: "Persiste ainda, em nossos homens políticos, uma tendência
de se comportar como caudilhos. E desconfio sempre dos líderes carismáticos que
acreditam poder alterar o curso dos acontecimentos por obra de sua vontade e
sua força".
A
desconfiança cabe, como nunca, ao caso do presidente afastado Fernando Collor,
por tudo o quanto fez e falou nos pouco mais de dois anos que permaneceu no
poder. Conforme se depreende da entrevista do novo diretor da Polícia Federal,
Paulo Lacerda, publicada na seção "Página 13", do "Jornal do
Brasil" deste domingo, o alardeado "caçador de marajás" permitiu
a ação de uma quadrilha que saqueou "os cofres da Nação de uma forma sem
similar na história do Brasil".
O
escândalo de tráfico de influência que tem por pivô o empresário alagoano Paulo
César Farias tem dimensões tamanhas que a maioria dos brasileiros sequer
consegue atinar com suas proporções. As revelações do delegado foram feitas com
base nos 234 volumes do inquérito sobre o caso, que já reúnem mais de 70 mil
páginas.
"Desde
as flores até as obras de arte da Casa da Dinda, tudo era oriundo de Paulo
César Farias", afirmou o novo diretor da Polícia Federal.
Há,
certamente, quem acredite que as acusações contra Collor sejam exageradas. Que
o processo de impeachment tenha somente motivações políticas, como o presidente
afastado tem reiterado amiúde. Os ingênuos é que possibilitam a existência dos
espertalhões.
Todavia,
o delegado descarta por completo a hipótese de mera perseguição de adversários.
Com base nos mais de 300 depoimentos que ouviu, afirmou não ter a mínima dúvida
das ligações do ex-governante com PC Farias. E garantiu que os laços são muito
profundos entre os dois.
Paulo
Lacerda chegou a pinçar no winchester (disco rígido de memória) do computador
da empresa do empresário alagoano uma frase que vem servindo de autêntico fio
da meada para conduzir toda a sua investigação.
"Nossa
amizade é mais sólida que um casamento", PC deixou registrado, numa
referência sua a Collor. Com tantas provas, o presidente afastado ainda tem a
coragem de lançar mão de medidas protelatórias para adiar o julgamento no
Senado, intranqüilizando a Nação. Paralisa, com isso, investimentos,
inviabiliza o governo Itamar Franco e mantém 150 milhões de brasileiros em
suspense com a angústia da incerteza.
No
dia 19 de dezembro, por exemplo, disse, aparentando uma candura que na verdade
não possui e uma inocência que é desmentida pelos fatos, ao jornalista Bóris
Casoy, do SBT: "Esta é a minha trincheira de luta. Fico de pé, de cabeça
erguida, esperando que o julgamento imparcial me seja garantido".
Que
tipo mais de imparcialidade Collor deseja, diante das regalias e salvaguardas
que seus julgadores lhe concederam, mesmo dispondo das provas que dispõem? Será
que ele acredita ser o iluminado salvador da pátria, insubstituível para
guindar o País, ao término de um mandato, ao seleto Primeiro Mundo?
Por
que, então, não praticou uma política coerente, de proteção social, conforme
prometeu aos ingênuos "descamisados", dos quais, na verdade, subtraiu
as calças e os chinelos? Como explicar o US$ 1 bilhão arrecadado pelo
famigerado esquema PC, que funcionou debaixo do seu nariz?
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de dezembro de 1992).
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