Wednesday, December 30, 2015

Postura de caudilho


Pedro J. Bondaczuk


O escritor peruano Mário Vargas Llosa, candidato presidencial desse país nas eleições de 1989, derrotado por Alberto Fujimori, declarou, numa entrevista dada em 1986: "Persiste ainda, em nossos homens políticos, uma tendência de se comportar como caudilhos. E desconfio sempre dos líderes carismáticos que acreditam poder alterar o curso dos acontecimentos por obra de sua vontade e sua força".

A desconfiança cabe, como nunca, ao caso do presidente afastado Fernando Collor, por tudo o quanto fez e falou nos pouco mais de dois anos que permaneceu no poder. Conforme se depreende da entrevista do novo diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, publicada na seção "Página 13", do "Jornal do Brasil" deste domingo, o alardeado "caçador de marajás" permitiu a ação de uma quadrilha que saqueou "os cofres da Nação de uma forma sem similar na história do Brasil".

O escândalo de tráfico de influência que tem por pivô o empresário alagoano Paulo César Farias tem dimensões tamanhas que a maioria dos brasileiros sequer consegue atinar com suas proporções. As revelações do delegado foram feitas com base nos 234 volumes do inquérito sobre o caso, que já reúnem mais de 70 mil páginas.

"Desde as flores até as obras de arte da Casa da Dinda, tudo era oriundo de Paulo César Farias", afirmou o novo diretor da Polícia Federal.

Há, certamente, quem acredite que as acusações contra Collor sejam exageradas. Que o processo de impeachment tenha somente motivações políticas, como o presidente afastado tem reiterado amiúde. Os ingênuos é que possibilitam a existência dos espertalhões.

Todavia, o delegado descarta por completo a hipótese de mera perseguição de adversários. Com base nos mais de 300 depoimentos que ouviu, afirmou não ter a mínima dúvida das ligações do ex-governante com PC Farias. E garantiu que os laços são muito profundos entre os dois.

Paulo Lacerda chegou a pinçar no winchester (disco rígido de memória) do computador da empresa do empresário alagoano uma frase que vem servindo de autêntico fio da meada para conduzir toda a sua investigação.

"Nossa amizade é mais sólida que um casamento", PC deixou registrado, numa referência sua a Collor. Com tantas provas, o presidente afastado ainda tem a coragem de lançar mão de medidas protelatórias para adiar o julgamento no Senado, intranqüilizando a Nação. Paralisa, com isso, investimentos, inviabiliza o governo Itamar Franco e mantém 150 milhões de brasileiros em suspense com a angústia da incerteza.

No dia 19 de dezembro, por exemplo, disse, aparentando uma candura que na verdade não possui e uma inocência que é desmentida pelos fatos, ao jornalista Bóris Casoy, do SBT: "Esta é a minha trincheira de luta. Fico de pé, de cabeça erguida, esperando que o julgamento imparcial me seja garantido".

Que tipo mais de imparcialidade Collor deseja, diante das regalias e salvaguardas que seus julgadores lhe concederam, mesmo dispondo das provas que dispõem? Será que ele acredita ser o iluminado salvador da pátria, insubstituível para guindar o País, ao término de um mandato, ao seleto Primeiro Mundo?

Por que, então, não praticou uma política coerente, de proteção social, conforme prometeu aos ingênuos "descamisados", dos quais, na verdade, subtraiu as calças e os chinelos? Como explicar o US$ 1 bilhão arrecadado pelo famigerado esquema PC, que funcionou debaixo do seu nariz?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de dezembro de 1992).


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