Monday, December 28, 2015

Escândalo apimenta a campanha


Pedro J. Bondaczuk


A campanha presidencial nos Estados Unidos tem muitos dos ingredientes que existem nos demais países considerados muitos furos mais atrasados em relação à superpotência ocidental. Um deles, que raramente falta, é o escândalo, em geral versando sobre adultério.

O cidadão norte-americano costuma ser muito rigoroso nesse aspecto, em relação aos seus homens públicos. Ele pode, eventualmente, dar as suas escapadinhas extraconjugais (e como dá!), mas não admite esse mesmo tipo de comportamento, por exemplo, num presidente da República.

Para que esta campanha tenha um pouco de emoção, e até para equilibrar com a questão da venda secreta de armas para o Irã e da transferência ilegal de fundos daí oriundos para os rebeldes da Nicarágua, o principal postulante à candidatura democrata à sucessão do presidente Ronald Reagan, o ex-senador pelo Colorado, Gary Hart, foi envolvido, mediante uma matéria publicada anteontem no jornal “The Miami Herald”, numa questão no mínimo apimentada, que promete ainda muitos lances interessantes, do dramático ao cômico. Arranjaram um Chapadiquitt para o jovem político, a exemplo do que já havia sido feito em relação a Edward Kennedy, em 1976.

Naquela oportunidade, o caso ganhou contornos mais sérios, por envolver morte da secretária do senador pelo Estado de Massachusetts, Mary Jô Kopechne, depois que o carro em que ambos estariam viajando se desgovernou e caiu no rio (que acabou servindo como identificador do escândalo e onde as esperanças de muita gente de ver um terceiro membro desse clã, marcado pela tragédia, lutar pela presidência dos EUA, também findarem por se afogar).

Ted, a partir de então, foi tão assediado pela imprensa, sua vida foi vasculhada de tal forma, que não teve outro remédio senão desistir da postulação à Casa Branca, deixando o caminho livre para Jimmy Carter, que acabou vencendo, não somente as primárias, mas as próprias eleições presidenciais naquele ano.

Agora, posto que com contornos mais suaves, a história se repete com o favorito dos democratas. Aliás, antes mesmo do ex-senador Gary Hart anunciar que estava na corrida presidencial, corria a fama, pelos Estados Unidos, de que ele, no vigor dos seus 50 anos, era um mulherengo inveterado. E foi por aí que o escândalo desembocou.

Ele foi acusado, pelo jornal da Flórida, de ter aproveitado a ausência de sua mulher (que se encontrava no Colorado) para passar a noite de sexta-feira passada e parte do dia de sábado com a jovem e bonita modelo e atriz Donna Rice, de 29 anos, em sua própria casa, em Washington.

Ambos, evidentemente, vieram a público para o clássico desmentido. E o próprio órgão de imprensa que levantou a questão admitiu que o autor da matéria pode ter tirado conclusões infundadas daquilo que os dois protagonistas alegam ter sido um mero encontro de caráter social, e não sexual como foi apregoado.

De qualquer forma, o estigma da suspeita vai marcar, doravante, esse político democrata, mesmo que ele não deva nada. Como marcou o senador Kennedy. Como atingiu a tantos outros postulantes à Casa Branca, que tiveram que abrir mão desse sonho, ao longo de dois séculos, muitas vezes por causa de um simples boato.

Dizem que a reputação é como uma virgem: uma vez deflorada, é impossível de ser restaurada a seu estado original de virgindade. O leitor mais acostumado às idas e vindas da política internacional deve estar lembrado que essa componente de escândalo não faltou, também, nas eleições presidenciais passadas.

Naquela oportunidade, a atingida foi a candidata democrata à vice-presidência, a primeira mulher a galgar essa posição na história norte-americana, Geraldine Ferraro. Só que a mancha que a acompanhou até o dia da votação foi um eventual erro (para menos) na declaração de imposto de renda do seu marido.

É contestável, no entanto, que isso tenha causado a derrota do seu companheiro de chapa, Walter Mondale. Como também o é se essa questão que envolve Gary Hart vai barrar esse jovem e promissor político na sua caminhada. O eleitor dos Estados Unidos, certamente, saberá escolher qual será o melhor programa de governo. O resto...Bem, o resto, entrará, certamente, para o folclore eleitoral e nada mais do que isso.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 6 de maio de 1987).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk          

No comments: