Versões do poeta sobre
o começo e o fim
Pedro
J. Bondaczuk
A primeira vertente
temática, das cinco de que o poeta catarinense Harry Wiese se vale, em seu
livro “IbirAMARes e outros poemas” (Editora Nova Letra) é intitulada pelo autor
de Existência. Contém 15 composições
alusivas ao tema. Nelas, cada fase da vida é apenas sugerida, em uma linguagem
figurada, de imensa força poética, ficando, apenas, implícita, Esse é o encanto
da poesia. Afinal, como afirmou o poeta francês Paul Claudel, “O poema não é
feito dessas letras que eu espeto como pregos, mas do branco que fica no
papel”. Ou seja, mais sugere do que explicita. Cada conclusão fica por conta do
leitor. Mas para que isso ocorra é indispensável que este “sinta” o poema e o
interprete com base nesse sentimento. Nesse aspecto, Harry Wiese revela-se
magnífico mestre.
Tal como a vida
(obviamente) começa com o nascimento, essa vertente temática do livro é aberta
com o poema “Gênese”. Nele – como, ademais, em todas as 49 composições de
“IbirAMARes” – abundam metáforas. Não aquelas óbvias, das que vemos,
usualmente, em versos de poetas de parca, ou nenhuma sensibilidade e zero de
originalidade. São figuras de linguagem originais, inteligentes, surpreendentes
até e, claro, pertinentes. Como esta: “mundo de limites quebradiços”. Ou esta:
“vivi ingênuo de sonhos”. Ou esta outra: “vi flores silvestres com cheiro de
mel”. E vai por aí afora.
Essa abundância de
metáforas faz todo sentido. Afinal, como escreveu o poeta alemão Johann
Wolfgang Goethe, “todas as coisas são metáforas”. Algumas (certamente a
maioria), são grosseiras, não raro escatológicas, nuas e cruas e nem um pouco
poéticas. Não é o caso, porém, das empregadas por Harry Wiese. Estas são,
reitero, inteligentes, sensíveis, e, sobretudo, surpreendentes, pela
originalidade. Embora o poeta confesse, na apresentação do seu livro, que sua
poesia é “repleta de melancolia, pessimismo, ironias, críticas e enlevo”, essa
postura não a inviabiliza e nem a torna menos importante. Muito pelo contrário.
Valoriza-a. Afinal, a vida, apesar de se constituir de magnífico privilégio, é
toda feita mais de dores, perigos e incertezas, do que de alegrias e de
felicidade. E o poeta é o porta-voz dessas nossas angústias.
Concordo com Pablo
Neruda quando constata que “a poesia tem
comunicação secreta com o sofrimento do homem”. Tem mesmo. Porém, é o único
gênero literário que consegue ser, ao mesmo tempo, Literatura e arte. Sem deixar
de expressar o real, avança no campo da “transrrealidade”, da idealização e, de
certa forma, da sublimação de nossas dores, decepções e desgostos,
amenizando-os. A propósito das figuras de linguagem, instrumento tão a gosto
dos poetas, colhi, no romance “A insustentável leveza do ser”, de Milan
Kundera, esta curiosa advertência: “As metáforas são muito perigosas. Não se
brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora”. Confesso
que nunca tinha pensado nisso.
A primeira vertente
temática do livro “IbirAMARes”, “Existência”, que começa com o poema “Gênese”,
ou seja, relativo ao nascimento, só poderia terminar, como seria lógico de se
supor, com seu oposto, ou seja, com o fim, a “inexistência”, a morte (também
não explicitada, mas somente sugerida). Confira como Harry Wiese se refere a
essa fatalidade biológica ao se dirigir a uma “extinta” amada:
Toque de melancolia
“Há
mistérios tantos em volta de ti
E
em todas as coisas do mundo
Que
são mistérios todos os teus mistérios.
Por
que te apreciar se não mais existes,
Se
tuas faces são rugas malditas
E
se de ti se afastaram os cavalheiros sensuais?
Como
me conformar, indago a mim
E
aos poucos transeuntes noturnos,
Na
estrada solitária
Que
vai ao além dos grandes continentes?
Mesmo
assim,
Espero
o momento de rever-te
E
envolver-me em mistérios e esperanças,
Num
lugar de fascinação total
Para
entender-te como se entendem
Os
sinais das nuvens
Que
se vão com o vento de outono”.
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