Vulto da nacionalidade
Pedro
J. Bondaczuk
A influência dos
jesuítas na constituição da cultura brasileira e da organização política,
social, artística e, sobretudo religiosa do Brasil foi das mais relevantes e
decisivas. O País foi, por pelo menos dois séculos – até que o Marquês de
Pombal determinasse sua expulsão – terreno fértil de testes para as teorias de
evangelização da ordem fundada por Inácio de Loyola. Foi uma espécie de campo
de treinamento para seus sacerdotes mais jovens, posto que mais dinâmicos e
atuantes. Mas foi, sobretudo, a “mina de ouro”, que abarrotou os cofres da
Companhia de Jesus de imensa riqueza, extraída do solo generoso deste paraíso
tropical.
Entre tantos jesuítas
que atuaram no Brasil colonial destaca-se, e por vários motivos, o padre José
de Anchieta, um dos principais vultos da nacionalidade brasileira. Seu campo de
atuação foi dos mais variados, mas pode, grosso modo, ser dividido, para
efeitos didáticos, em quatro principais vertentes. A primeira (e óbvia) é a
religiosa (já que se tratava de um padre). Nesse aspecto, foi relevante sua
ação catequizadora dos indígenas e dos judeus convertidos da colônia, mantendo
viva, nos ermos daquele território imenso, inóspito e pouco povoado, a fé
católica.
A segunda vertente da
atuação de Anchieta no Brasil foi a política. Homem dinâmico e realizador, com
aguçada visão de futuro, esse jesuíta participou, direta ou indiretamente, da
fundação de três cidades, duas das quais – São Paulo e Rio de Janeiro –
situam-se, hoje, entre as mais populosas e importantes das três Américas e, por
que não, do Planeta.
O terceiro setor em que
Anchieta atuou foi o humanístico. Fez as
vezes, quando se tornou necessário, de uma espécie de “médico”, curando,
mediante conhecimentos de Medicina (posto que elementares, mas nem por isso
menos importantes) que trouxe dos centros mais avançados da Europa (em alguns
casos) várias doenças trazidas para cá, de Europa, pelos colonizadores. Não
raro, todavia, viu-se forçado a recorrer a medicamentos locais, rústicos, mas
que se revelaram altamente eficazes, como as ervas conhecidas pelos indígenas,
para debelar moléstias cuja cura estivesse a seu alcance.
Não menos relevante foi
sua atuação como sanitarista, transmitindo conceitos básicos de higiene à
população dos núcleos coloniais em que atuou, numa ação preventiva, evitando
dessa forma epidemias que certamente seriam fatais e dizimariam populações
inteiras caso ocorressem. Além disso, instruiu os colonos a construírem
moradias mais salubres e apropriadas ao
úmido clima tropical. E atuou, até mesmo, como nutricionista, contribuindo para
a formação de hábitos alimentares saudáveis nestes rincões tropicais.
O quarto campo de
atuação de Anchieta no Brasil, finalmente, foi o que lhe exigiu mais esforço,
mas foi, no meu entender, o que ele se deu melhor. Refiro-me ao o da Educação e
da Cultura. O sacerdote jesuíta foi mestre por excelência, lecionando, nos
sertões brasileiros, o que havia de mais avançado em termos de ciências
humanas, transmitindo os mesmos conhecimentos que eram ensinados então nas mais
requisitadas e famosas universidades européias. Utilizou, para isso, métodos
didáticos que ele próprio desenvolveu ou adaptou, para se tornar entendido e
ensinar com eficiência as lições que se propunha a transmitir. Escreveu, até,
uma gramática de língua local, a falada pelos índios, para “disciplinar” e
organizar esse idioma autóctone.
Ademais, José de
Anchieta foi refinado poeta, compondo poemas profundamente místicos, embriões
do que viria a ser no futuro a riquíssima e original Literatura Brasileira.
Manteve intensa correspondência com os superiores da ordem, mediante cartas e
relatórios detalhados e precisos, que hoje se constituem em valiosos documentos
para a reconstituição histórica daquele período da vida do nosso País. Outro
feito pioneiro desse dinâmico sacerdote foi a introdução do teatro na colônia,
mas com função estritamente didática, como, aliás, previa uma das normas da
Companhia de Jesus.
O pedido, para a
beatificação de José de Anchieta, arrastou-se por quase quatro séculos no
Vaticano, dadas, principalmente, as dificuldades de se distinguir os fatos
reais da sua vida da lenda que se criou em torno da sua figura. Foi feito, pela
Companhia de Jesus, em 1617, apenas vinte anos após a morte do sacerdote
(ocorrida em 1597, aos 64 anos de idade, ou aos 63 de acordo com alguns
historiadores). Sua causa foi aceita pelo papa Urbano VIII sete anos depois, em
1624, sendo entregue ao “advogado do diabo” para que a contestasse, conforme
exigência do Direito Canônico. Inexplicavelmente, o processo parou e ficou
esquecido por 273 anos.
Em 1897, todavia,
quando das “Conferências Anchietanas”, a campanha para que fosse beatificado,
que havia esfriado por quase três séculos, recrudesceu, graças ao movimento
encabeçado por Eduardo Prado e endossado pelas ilustres figuras de Brasílio
Machado, Teodoro Sampaio e do Padre Chico. Mas o resultado desse empenho só
ocorreu em 1980, quando o papa João Paulo II determinou sua beatificação.
Abstraindo essa questão
da “santidade” ou não de Anchieta – que é bastante polêmica, sobretudo aos que
não professam a fé católica – uma coisa nem o mais cético dos céticos (desde
que culto e bem informado), não pode negar: a importância da maiúscula figura
de José de Anchieta, para a formação da nacionalidade brasileira, processo que,
na minha visão, ainda está em pleno desenvolvimento. Não por acaso, esse
jesuíta, natural das Ilhas Canárias, ostenta o merecido título de “Apóstolo do
Brasil”.
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