Um analista das
civilizações
Pedro
J. Bondaczuk
O estudo das
civilizações, sob enfoque científico, envolvendo diversas disciplinas que não
somente a História em si, como a conhecemos, ganhou especial relevância a
partir do século XX. Contribuíram, para isso, pesquisas e teses – com as
respectivas demonstrações – de notáveis filósofos, historiadores, cientistas
sociais, antropólogos, etólogos, arqueólogos e intelectuais de várias outras
áreas e tendências. Como resultado dessa atuação temos, hoje, uma visão mais
clara e objetiva da evolução humana, das cavernas primitivas para a atual
sociedade pós-industrial: a da alta tecnologia.
Ao lado de Jean-Paul
Sartre, Bertrand Russell, Albert Camus, Albert Schweitzer e Oswald Spengler,
entre tantos e tantos e tantos pensadores, um emerge com especial destaque, pela
objetividade, clareza de raciocínio, acessibilidade do que escreveu e argúcia
de suas conclusões. Refiro-me ao inglês Arnold Toynbee, citado por tantos, mas
contestado por muitos que, sem conhecerem a fundo suas colocações sobre o
passado dos povos e sobre as razões que levaram determinados deles a evoluírem
material e intelectualmente e outros a regredirem, até desaparecerem e serem
esquecidos como se nunca tivessem existido (e há vários desses casos),
distorcem-nas e as apresentam de forma, não raro, oposta ao que o ilustre
historiador as concebeu.
Há, em muitos círculos
intelectuais, mau entendimento sobre alguns conceitos básicos que envolvem a
história e a organização econômica, política e social dos povos, tais como os
de país, de cultura, de civilização, de progresso e de decadência, entre tantos
outros. Eles são, salvo exceções, mal definidos. A maioria das definições
carece de clareza, de transparência e de objetividade. Tais conceitos são,
geralmente, expostos com excesso de retórica, em detrimento da compreensão.
Como ocorre em outras tantas disciplinas, existem várias correntes de
pensamento, defendendo posições conflitantes e os seguidores de cada uma delas
mantêm-se irredutíveis em torno das “suas verdades” particulares.
Estabelecem-nas, não raro, até como dogmas. Convenhamos, esta não é a atitude
que se espera de um “cientista”, em seu sentido lato, que tem na dúvida seu
procedimento padrão e que só cede espaço à certeza após a devida e
inquestionável comprovação.
Entre os vários estudos
que li, abordando o conceito de civilização, o que mais me convenceu, pela
objetividade, foi o de Arnold Toynbee. Essa, aliás, foi a característica que o
distinguiu dos demais, foi seu distintivo, sua marca registrada, seu “selo de
qualidade”. O historiador inglês foi,
antes e acima de tudo, objetivo.
Não tivesse feito mais
nada, além da sua extraordinária coletânea “A study of History”, em 12 volumes,
já teria mais do que justificado a fama e a reputação que gozou. Mas fez e
muito. Sua obra é vasta, consistente, objetiva e caracterizada por análises
claras e argutas. Poucos dos seus livros, todavia, foram traduzidos para o
português e lançados no Brasil (infelizmente). Contudo, além do “Um estudo de
História” (publicado em edição resumida em 1987), você pode encontrar nas boas
livrarias e nas melhores bibliotecas os seguintes: “Atrocidades turcas na
América” (escrito em parceria com Lord Bryce), “A humanidade e a mãe Terra” e
“Escolha a vida” (em parceria com o líder budista Daisaku Ikeda, lançado pela
Editora Record).
Arnold Joseph Toynbee
nasceu em Londres, em 14 de abril de 1889. Além de historiador, destacou-se por
intensa atividade acadêmica, principalmente como professor, tendo lecionado,
por muitos anos, em universidades britânicas,
do Canadá e dos Estados Unidos Teve,
também, vivência política, servindo como assessor no Ministério de Relações
Exteriores da Inglaterra em um período crucial para o país, ou seja, o
compreendido entre as duas guerras mundiais. Nessa função, participou,como
delegado, das duas históricas conferências de paz de Paris: a de 1919 e a de 1946.
No campo da pesquisa,
dirigiu o Instituto Real de Relações Internacionais – instituição voltada ao
estudo do relacionamento entre países para determinar causas potenciais de
conflitos e formas de prevenção – onde pôde formar uma visão de conjunto que
contribuiu decisivamente para que elaborasse sua consistente tese sobre a
ascensão e queda das várias civilizações que existiram (e existem) através do
tempo. De 1919 a 1924, foi titular das cátedras de “Cultura Bizantina”,
“Literatura e Língua” e “História Grega” na Universidade de Londres.
“A study of History”
não foi publicada de uma só vez. Sua publicação ocorreu em três etapas. A
primeira consistiu na condensação da sua tese de como entendia a História, em
seis volumes, lançada em 1946. Outros quatro tomos foram publicados em 1957,
nos quais ampliou sua análise a propósito, aprofundando-se em temas em que
havia apenas esboçado conclusões. Finalmente, “A study of History” ficou
completa e ganhou sua conformação final, como a conhecemos, em meados da década
de 60 do século XX, com o lançamento dos dois volumes finais, onde demonstra
magistralmente sua tese com base em todos argumentos expostos anteriormente.
A proposta central de
Toynbee pode ser resumida assim, grosso modo: “São as sociedades ou
civilizações as unidades capitais para o estudo da história e não os países ou
os períodos históricos, como a imensa maioria dos historiadores faz. Examina,
com meticulosidade científica, o processo de nascimento, crescimento e queda
das várias civilizações, com as respectivas causas e conseqüências, e sempre
sob perspectiva global”.
Ao se aposentar, em
1955, Arnold Toybee fez o que muitos de nós sonhamos e raramente conseguimos:
viajou pelo mundo, observando comportamentos e culturas e escrevendo a
respeito. Reuniu suas impressões em um livro, intitulado “Uma jornada ao redor
do mundo”. Nessa obra, registrou observações, não raro pitorescas e
intrigantes, sobre diversos dos países que visitou. Quanto ao Brasil, por
exemplo, definiu-o como uma espécie de “caldeirão de culturas e etnias” que se
misturam e se transformam, mistura essa que ainda não está concluída e que não
se sabe ainda, portanto, no que irá resultar. Tanto pode se produzir algo novo,
evolutivo, saudavelmente peculiar e absolutamente revolucionário, quanto pode
não dar em nada e não passar de imensa anarquia, de incompreensível e caótica
confusão.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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