Perfil do império de Bokassa-I
Pedro J. Bondaczuk
A República Centro Africana, que desde março de 1978
até a semana passada também se chamou Império Centro Africano e que até 1958
foi o território de Ubangui-Chari, foi classificada pela ONU entre os 25
Estados mais pobres do mundo.
Com uma população que orça aos dois milhões e meio
de habitantes, bastante heterogêneos e mal distribuídos, forma uma verdadeira
colcha de retalhos de etnias de língua sudanesa. O Norte do país é ocupado
pelos "saras" e "vadais", enquanto que o Sul, nas
fronteiras com o Zaire, se compõe por uma variedade de grupos raciais, onde os
"azandes", "nzacaras", "banziris",
"buracas", "nzabalcas" e "ngabandis" constituem
maioria.
Entretanto, a maior parte de sua população se situa
no Oeste, próximo à fronteira com os Camarões e no Leste, junto ao Sudão, sendo
que há a predominância do grupo "mandjabaia" no Oeste do país, em
proporção superior aos "bandas", que se localizam na outra
extremidade do seu território.
Existe, em conseqüência dessa variedade de etnias,
uma grande quantidade de cultos religiosos que vão desde a adoração aos
ancestrais, até a crença em heróis semi-humanos, pululando, por esse motivo,
uma grande quantidade de sociedades secretas.
Constituindo, ainda, cerca de 2% de toda a população
do país, residem, respectivamente, no Sul e no Leste, 16.000 refugiados
congoleses e 27.000 sudaneses.
Como a população se encontra mal distribuída, a
única cidade que tem alguma importância, pelas suas dimensões, é a capital,
Bangui. Não contando com meios para escoamento da sua produção, exportou, em
1969, US$ 31 milhões em produtos de extração vegetal e mineral, como o algodão,
café e diamantes, tendo importando US$ 35 milhões em produtos manufaturados.
A indústria se resume a quatro cervejarias,
localizadas em Bangui, algumas poucas fábricas para beneficiar o sisal e o
algodão e um complexo têxtil, seu mais importante empreendimento industrial,
instalado na pequena localidade de Boali, junto a uma usina hidrelétrica.
Contando com apenas um jornal diário, cuja tiragem
orça aos ridículos 400 exemplares, tendo os incipientes 33 mil rádios
receptores e os irrisórios 2.679 aparelhos telefônicos, deixa os seus dois
milhões e meio de habitantes quase que completamente isolados na vastidão dos seus
624.930 quilômetros quadrados.
Esse é o perfil do império de Bokassa I, felizmente
apeado do poder, quando estava em viagem à Líbia, em busca dos preciosos
petrodólares.
O nefando tirano deixa atrás de si um cenário de
terra arrasada, principalmente após a orgia de desperdício que promoveu quando
da sua "coroação", que custou cerca de Cr$ 600 milhões, numa sucessão
incrível de extravagâncias, locupletando-o, com o erário público, a ponto de
transformá-lo no detentor de uma das maiores fortunas da África.
Além da sua vila, na Suíça, do seu castelo, no Vale
do Loire, construído no século XVIII, do seu palacete, na Riviera, e de uma
mansão, com cinqüenta cômodos, num dos bairros mais valorizados de Paris,
polpudas contas em bancos suíços lhe garantem uma vida tranqüila e a salvo de
percalços financeiros.
Em seu cartel sanguinário, conta com um incontável
número de assassinatos de adversários, a maior parte tendo as orelhas cortadas
e mortos a pauladas por sua "diligente" polícia, capaz de causar
inveja aos "Tonton Macoutes" do Haiti.
O auge da truculência, entretanto, o monstruoso
ditador atingiu em abril do corrente ano, quando foi o responsável pelo
massacre de 300 crianças. Esse hediondo crime fez com que perdesse o restante
do já pequeno apoio internacional com que contava, perdendo, até mesmo, a
confiança dos seus próprios homens, que eram os responsáveis por sua
permanência no poder.
Por tudo isso, justifica-se plenamente a euforia que
contagiou os 250 mil habitantes de Bangui, no dia 20 de setembro passado,
quando souberam da extraordinária novidade do escorraçamento do país daquele
que conseguiu ser um dos mais selvagens e brutais ditadores que o mundo já
conheceu e que, por treze anos, foi um tormentoso pesadelo para esse jovem e
desvalido país africano.
(Artigo
publicado na página 3 da "Folha de Barão", em 1 de dezembro de 1979).
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