Freud explica?
Pedro
J. Bondaczuk
Os homens (e mulheres)
que influenciaram a nossa maneira de pensar o universo, o mundo e tudo o que
neles há – sobretudo a ocidental –, contribuindo para o avanço das ciências e
da civilização, são relativamente poucos. Sua atuação, no entanto, foi decisiva
e não por acaso suas idéias são estudadas e transmitidas geração após geração,
propiciando novas descobertas nos respectivos campos em que atuaram. Nem por
isso, seu pioneirismo é esquecido ou desprezado. E nem poderia.
Sempre que a atuação
desses geniais pensadores vem à baila, um nome se insere, e com destaque, nessa
elitizada relação, por seus estudos e consequentes teorias que tentaram
explicar o funcionamento e, sobretudo, os desarranjos da nossa mente, com as
respectivas formas de tratamento. Refiro-me especificamente a Sigmund Freud.
Quase tudo o que se refere a esse polêmico médico é cercado de controvérsias,
tanto por sua culpa quanto à sua revelia.
Suas idéias, pode-se
dizer, embora revolucionárias (e o são ainda hoje), nunca foram consensuais.
Ainda não são, embora a oposição a elas tenha diminuído muito com o passar dos
anos. Todavia, sempre foram (e em certa medida ainda são) alvos de
contestações, ora com razoável fundamentação científica (ou filosófica, ou lógica),
ora sem nenhuma. É verdade que a oposição que durante décadas lhe foi feita
tinha razões diferentes das atuais. Então, era fruto, apenas, de preconceito.
Afinal, Freud era judeu e viveu numa época, e em uma Europa, em que isso era
motivo (infelizmente) para desacreditar qualquer pessoa, por maior que fossem
sua capacidade e seu valor (como era o caso) e por mais relevantes que pudessem
ser suas obras. Hoje, suas idéias ainda são contestadas, mas em círculos
especializados e por haverem outras, a propósito, consideradas mais adequadas
(o que, aliás, pode ser contestado).
Contudo, mesmo os que
não concordam plenamente com suas proposições não lhe negam (e nem poderiam), a
importância e o caráter de pioneirismo. Há, praticamente, consenso mundial em
considerar Sigmund Freud como o legítimo “Pai da Psicanálise”. O curioso é que
seus mais ilustres opositores, os que criaram linhas de pensamento e métodos
divergentes dos seus, foram seus discípulos. Entre estes, os mais ilustres
(certamente os mais conhecidos e reverenciados) são Carl Gustav Jung e Wilhelm
Reich.
Antes de entrar,
diretamente, no tema referente às teorias que o consagraram (e que foram, e
ainda são, tão contestadas), faz-se necessária uma série de comentários à
margem que, embora pareçam (e talvez sejam) enfadonhos, são indispensáveis para
avaliarmos devidamente a sua importância, e não somente para a ciência, mas
também para várias outras disciplinas, entre as quais a Literatura.
Li, por exemplo,
diversos ensaios (muito bem elaborados e com argumentos sólidos e consistentes)
sobre a influência que as idéias de Sigmund Freud tiveram na produção literária
de Machado de Assis. Cito, especificamente, um, de Maria Imaculada Angélica
Nascimento, sua tese de mestrado na Faculdade de Letras da Universidade Federal
de Minas Gerais. Conforme a referida ensaísta (com a qual concordo), esta
influência fica mais nítida, quando submetida a cuidadosa análise, sobretudo em
três dos principais romances do “Bruxo do Cosme Velho”: “Memórias Póstumas de
Brás Cubas”, “Dom Casmurro” e “Memorial de Aires”. Embora o fundador da
Academia Brasileira de Letras não cite diretamente, em lugar algum, o polêmico
pensador austríaco, a complexidade psicológica dos seus personagens indica que
ele tinha pleno conhecimento das teorias do “Pai da Psicanálise”.
Mas não foi apenas
Machado de Assis que sofreu influências de Freud. Muitos e muitos e muitos
escritores, sobretudo na Europa, foram influenciados, de uma forma ou de outra,
por suas idéias. Não citarei quais, para não correr o risco de omitir alguns.
Mas asseguro que foram (e ainda são) vários. No meu caso, confesso, criei
vários personagens, sobretudo os mais complexos e problemáticos, baseado em
estudos freudianos, principalmente a propósito de neuróticos e de pessoas histéricas.
Entre os leigos, e
mais, entre os que jamais leram qualquer dos livros do pesquisador austríaco e,
por isso, não têm a menor noção das suas idéias, ele é tido como uma espécie de
“sinônimo” para desvios psicológicos, quando não mentais. Quem nunca ouviu, por
exemplo, a referência “Freud explica”, até em tom de galhofa, para se referir a
alguém que esteja se comportando de maneira insólita e incompreensível? Eu já
ouvi, e muito. Aliás, já disse isso inúmeras vezes. Vários humoristas
transformaram, até, essa expressão numa espécie de bordão.
Para encerrar estas
considerações de hoje – introdutórias a um estudo mais amplo a propósito da
Psicanálise e de seu criador – peço licença para citar esta declaração de
Freud, que expressa, a caráter, o respeito e a consideração que ele tinha pelos
escritores: "Os poetas e os romancistas são aliados
preciosos, e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque eles
conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas que a nossa sabedoria escolar
nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres, que somos
homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda acessíveis à
ciência". E não estava certo?
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