Sunday, June 16, 2013

Freud explica?

Pedro J. Bondaczuk

Os homens (e mulheres) que influenciaram a nossa maneira de pensar o universo, o mundo e tudo o que neles há – sobretudo a ocidental –, contribuindo para o avanço das ciências e da civilização, são relativamente poucos. Sua atuação, no entanto, foi decisiva e não por acaso suas idéias são estudadas e transmitidas geração após geração, propiciando novas descobertas nos respectivos campos em que atuaram. Nem por isso, seu pioneirismo é esquecido ou desprezado. E nem poderia.

Sempre que a atuação desses geniais pensadores vem à baila, um nome se insere, e com destaque, nessa elitizada relação, por seus estudos e consequentes teorias que tentaram explicar o funcionamento e, sobretudo, os desarranjos da nossa mente, com as respectivas formas de tratamento. Refiro-me especificamente a Sigmund Freud. Quase tudo o que se refere a esse polêmico médico é cercado de controvérsias, tanto por sua culpa quanto à sua revelia.

Suas idéias, pode-se dizer, embora revolucionárias (e o são ainda hoje), nunca foram consensuais. Ainda não são, embora a oposição a elas tenha diminuído muito com o passar dos anos. Todavia, sempre foram (e em certa medida ainda são) alvos de contestações, ora com razoável fundamentação científica (ou filosófica, ou lógica), ora sem nenhuma. É verdade que a oposição que durante décadas lhe foi feita tinha razões diferentes das atuais. Então, era fruto, apenas, de preconceito. Afinal, Freud era judeu e viveu numa época, e em uma Europa, em que isso era motivo (infelizmente) para desacreditar qualquer pessoa, por maior que fossem sua capacidade e seu valor (como era o caso) e por mais relevantes que pudessem ser suas obras. Hoje, suas idéias ainda são contestadas, mas em círculos especializados e por haverem outras, a propósito, consideradas mais adequadas (o que, aliás, pode ser contestado).

Contudo, mesmo os que não concordam plenamente com suas proposições não lhe negam (e nem poderiam), a importância e o caráter de pioneirismo. Há, praticamente, consenso mundial em considerar Sigmund Freud como o legítimo “Pai da Psicanálise”. O curioso é que seus mais ilustres opositores, os que criaram linhas de pensamento e métodos divergentes dos seus, foram seus discípulos. Entre estes, os mais ilustres (certamente os mais conhecidos e reverenciados) são Carl Gustav Jung e Wilhelm Reich.

Antes de entrar, diretamente, no tema referente às teorias que o consagraram (e que foram, e ainda são, tão contestadas), faz-se necessária uma série de comentários à margem que, embora pareçam (e talvez sejam) enfadonhos, são indispensáveis para avaliarmos devidamente a sua importância, e não somente para a ciência, mas também para várias outras disciplinas, entre as quais a Literatura.

Li, por exemplo, diversos ensaios (muito bem elaborados e com argumentos sólidos e consistentes) sobre a influência que as idéias de Sigmund Freud tiveram na produção literária de Machado de Assis. Cito, especificamente, um, de Maria Imaculada Angélica Nascimento, sua tese de mestrado na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Conforme a referida ensaísta (com a qual concordo), esta influência fica mais nítida, quando submetida a cuidadosa análise, sobretudo em três dos principais romances do “Bruxo do Cosme Velho”: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro” e “Memorial de Aires”. Embora o fundador da Academia Brasileira de Letras não cite diretamente, em lugar algum, o polêmico pensador austríaco, a complexidade psicológica dos seus personagens indica que ele tinha pleno conhecimento das teorias do “Pai da Psicanálise”.

Mas não foi apenas Machado de Assis que sofreu influências de Freud. Muitos e muitos e muitos escritores, sobretudo na Europa, foram influenciados, de uma forma ou de outra, por suas idéias. Não citarei quais, para não correr o risco de omitir alguns. Mas asseguro que foram (e ainda são) vários. No meu caso, confesso, criei vários personagens, sobretudo os mais complexos e problemáticos, baseado em estudos freudianos, principalmente a propósito de neuróticos e de pessoas histéricas.

Entre os leigos, e mais, entre os que jamais leram qualquer dos livros do pesquisador austríaco e, por isso, não têm a menor noção das suas idéias, ele é tido como uma espécie de “sinônimo” para desvios psicológicos, quando não mentais. Quem nunca ouviu, por exemplo, a referência “Freud explica”, até em tom de galhofa, para se referir a alguém que esteja se comportando de maneira insólita e incompreensível? Eu já ouvi, e muito. Aliás, já disse isso inúmeras vezes. Vários humoristas transformaram, até, essa expressão numa espécie de bordão. 

Para encerrar estas considerações de hoje – introdutórias a um estudo mais amplo a propósito da Psicanálise e de seu criador – peço licença para citar esta declaração de Freud, que expressa, a caráter, o respeito e a consideração que ele tinha pelos escritores: "Os poetas e os romancistas são aliados preciosos, e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas que a nossa sabedoria escolar nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres, que somos homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda acessíveis à ciência". E não estava certo?


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