Polêmicas de um sujeito
polêmico
Pedro
J. Bondaczuk
A nacionalidade do Pai
da Psicanálise, Sigmund Freud, ao que eu saiba, nunca foi contestada. Sempre
que sua biografia é trazida à baila, invariavelmente consta que ele era
austríaco. Certo? Depende do sistema de atribuição de nacionalidade da atual
Áustria. Caso seja o “jus sanguini” (termo latino que significa “direito de
sangue”, ou seja, o que a reconhece de acordo com a ascendência do indivíduo),
todos estarão certos. Mas se for o “jus solis” (o adotado no Brasil, por
exemplo), tecnicamente Freud tem que ser considerado checo. Afinal esse sistema
reconhece a nacionalidade de uma pessoa pelo lugar em que ela nasceu. E a
cidade natal do polêmico pesquisador da mente, Pribor, que na época do seu
nascimento (6 de maio de 1856), integrava o Império Austro-Húngaro (extinto no
fim da Primeira Guerra Mundial), integra, atualmente, a República Checa.
E você, caro leitor, o
que acha? Freud deve ser considerado austríaco ou checo? Ou nenhuma das duas
nacionalidades já que, por ser judeu – e caso o Estado de Israel já houvesse
sido criado (foi, somente, em 1948) – provavelmente teria optado pela
nacionalidade israelense? “E isso é relevante?”, perguntarão alguns. Depende.
Eu não gostaria, por exemplo, que depois da minha morte deixasse de ser
reconhecido como brasileiro, mas como russo, que é a minha ascendência
familiar. Ao longo destas explanações, trarei à baila vários aspectos
controvertidos e curiosos, quer da vida, quer da obra desse sujeito genial,
posto que polêmico.
A propósito disso,
permitam-me um parêntese explicativo. Estas reflexões diárias não se propõem e
nunca se propuseram a ser relatos biográficos (pelo menos não os convencionais)
e muito menos resenhas científicas. São meras reflexões sobre determinadas
figuras públicas (históricas), muitas vezes tomadas (quase sempre), somente
como pretextos para comentar determinados fatos ou idéias insólitos, ou
desconhecidos, ou ambos. Por que dou essas explicações? Porque já há leitores
me cobrando “objetividade” no relato da “biografia” de Freud. Ora, ora, ora. Outros
querem que eu aborde meticulosamente, de forma analítica, clara e didática os
princípios da psicanálise, a partir do seu be-a-bá, como se eu fosse experiente
e renomado psicanalista (que não sou). Calma, gente, tudo a seu tempo. Afinal,
temos até o fim do ano para esgotar (ou não) esse assunto.
Para entender a obra de
alguém (não importa se escritor, artista, político, filósofo, cientista ou seja
lá o que for), é sempre útil (e às vezes indispensável) conhecer quem ele foi,
como pensava, em que contexto, em quais circunstâncias realizou seu trabalho e
vai por aí afora. Muitas dessas análises se perdem em decorrência de pressa.
Acabam arruinadas porque o analista não tem a necessária paciência (e nem método) para se deter em
detalhes, mesmo os que à primeira vista pareçam irrelevantes e sem importância,
mas que não raro são essenciais.
Querem outro aspecto
raramente mencionado da vida de Freud? Pois lá vai. Vocês sabiam que um dos
seus hoje mais conhecidos livros, “A interpretação dos sonhos”, foi, na época
de sua publicação, espetacular fracasso? Pois foi. Durante seis anos,
permaneceu encalhado nas prateleiras das livrarias, para desespero dos
livreiros e, sobretudo, dos editores. Nesse longo lapso de tempo, vendeu
irrisórios 350 exemplares. E os que os adquiriram, consideravam o livro não
obra de análise científica, mas de caráter literário (e vários críticos
disseram que de “má literatura”) ou, quando muito, de cultura geral. O que os
que o criticaram tão acerbamente diriam hoje, caso estivessem vivos? Duvido que
manteriam a mesma opinião.
Se eu tivesse que
resumir esse livro (que li com a maior atenção e sobre o qual tratarei ainda
muitas vezes) em uma única expressão, usaria as palavras que o próprio Freud
usou para concluir suas meticulosas narrações: “O sonho representa a realização
de um desejo”. E sempre. É uma conclusão polêmica? Certamente. Muitos nunca
concordaram e não concordam com ela. Provavelmente não leram o livro ou, se o
leram, não se convenceram da argumentação do autor.
Aliás, polêmica é o que
nunca faltou nas declarações de Freud, (ora em seus livros, ora em entrevistas
ou em outras tantas formas de contato com o público). Como esta, por exemplo,
que causou enorme escândalo na época: "Acabei por
convencer-me de que a masturbação era o único grande hábito, a ‘necessidade
primitiva’, e que as outras necessidades, como as do álcool, da morfina, do
tabaco, não passam de seus substitutos, produtos de substituição". Quem é
da minha geração sabe como essa prática era combatida pelos educadores de
então. Havia os que diziam até que ela poderia levar os “masturbadores” à
loucura, além de ameaçar os assustados adolescentes com outras tantas e
terríveis doenças em conseqüência desse hábito. Claro que era pura baboseira
baseada num moralismo ingênuo, se não calhorda. Mas...
Outra declaração
de Freud que causou furor, e que considero conclusão corretíssima e facilmente
comprovável, foi a seguinte: "O amor pela mulher rompe os laços coletivos
criados pela raça, ergue-se acima das diferenças nacionais e das hierarquias
sociais, e, fazendo-o, contribui em grande medida para os progressos da
cultura". E por que uma afirmação tão óbvia e inocente atraiu para Freud a
repulsa e o escárnio generalizados? Porque, na ocasião (e no lugar) em que foi
feita, estava em voga, e não somente na Alemanha, mas em várias partes da
Europa (e na Áustria, certamente) a odiosa teoria de que certas raças são
superiores a outras. E recomendava-se que os membros das mais “nobres” não
deveriam jamais se misturar com os das “inferiores”. Claro que era uma
ideologia estúpida, imbecil, sem fundamento e sem sentido, que deu no que deu.
Ou seja, no nazismo e em seus múltiplos horrores, sobretudo, no absurdo
Holocausto. Por hoje, fico por aqui!
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