Monday, June 17, 2013

Polêmicas de um sujeito polêmico

Pedro J. Bondaczuk

A nacionalidade do Pai da Psicanálise, Sigmund Freud, ao que eu saiba, nunca foi contestada. Sempre que sua biografia é trazida à baila, invariavelmente consta que ele era austríaco. Certo? Depende do sistema de atribuição de nacionalidade da atual Áustria. Caso seja o “jus sanguini” (termo latino que significa “direito de sangue”, ou seja, o que a reconhece de acordo com a ascendência do indivíduo), todos estarão certos. Mas se for o “jus solis” (o adotado no Brasil, por exemplo), tecnicamente Freud tem que ser considerado checo. Afinal esse sistema reconhece a nacionalidade de uma pessoa pelo lugar em que ela nasceu. E a cidade natal do polêmico pesquisador da mente, Pribor, que na época do seu nascimento (6 de maio de 1856), integrava o Império Austro-Húngaro (extinto no fim da Primeira Guerra Mundial), integra, atualmente, a República Checa.

E você, caro leitor, o que acha? Freud deve ser considerado austríaco ou checo? Ou nenhuma das duas nacionalidades já que, por ser judeu – e caso o Estado de Israel já houvesse sido criado (foi, somente, em 1948) – provavelmente teria optado pela nacionalidade israelense? “E isso é relevante?”, perguntarão alguns. Depende. Eu não gostaria, por exemplo, que depois da minha morte deixasse de ser reconhecido como brasileiro, mas como russo, que é a minha ascendência familiar. Ao longo destas explanações, trarei à baila vários aspectos controvertidos e curiosos, quer da vida, quer da obra desse sujeito genial, posto que polêmico.

A propósito disso, permitam-me um parêntese explicativo. Estas reflexões diárias não se propõem e nunca se propuseram a ser relatos biográficos (pelo menos não os convencionais) e muito menos resenhas científicas. São meras reflexões sobre determinadas figuras públicas (históricas), muitas vezes tomadas (quase sempre), somente como pretextos para comentar determinados fatos ou idéias insólitos, ou desconhecidos, ou ambos. Por que dou essas explicações? Porque já há leitores me cobrando “objetividade” no relato da “biografia” de Freud. Ora, ora, ora. Outros querem que eu aborde meticulosamente, de forma analítica, clara e didática os princípios da psicanálise, a partir do seu be-a-bá, como se eu fosse experiente e renomado psicanalista (que não sou). Calma, gente, tudo a seu tempo. Afinal, temos até o fim do ano para esgotar (ou não) esse assunto.

Para entender a obra de alguém (não importa se escritor, artista, político, filósofo, cientista ou seja lá o que for), é sempre útil (e às vezes indispensável) conhecer quem ele foi, como pensava, em que contexto, em quais circunstâncias realizou seu trabalho e vai por aí afora. Muitas dessas análises se perdem em decorrência de pressa. Acabam arruinadas porque o analista não tem a necessária  paciência (e nem método) para se deter em detalhes, mesmo os que à primeira vista pareçam irrelevantes e sem importância, mas que não raro são essenciais.

Querem outro aspecto raramente mencionado da vida de Freud? Pois lá vai. Vocês sabiam que um dos seus hoje mais conhecidos livros, “A interpretação dos sonhos”, foi, na época de sua publicação, espetacular fracasso? Pois foi. Durante seis anos, permaneceu encalhado nas prateleiras das livrarias, para desespero dos livreiros e, sobretudo, dos editores. Nesse longo lapso de tempo, vendeu irrisórios 350 exemplares. E os que os adquiriram, consideravam o livro não obra de análise científica, mas de caráter literário (e vários críticos disseram que de “má literatura”) ou, quando muito, de cultura geral. O que os que o criticaram tão acerbamente diriam hoje, caso estivessem vivos? Duvido que manteriam a mesma opinião.

Se eu tivesse que resumir esse livro (que li com a maior atenção e sobre o qual tratarei ainda muitas vezes) em uma única expressão, usaria as palavras que o próprio Freud usou para concluir suas meticulosas narrações: “O sonho representa a realização de um desejo”. E sempre. É uma conclusão polêmica? Certamente. Muitos nunca concordaram e não concordam com ela. Provavelmente não leram o livro ou, se o leram, não se convenceram da argumentação do autor.

Aliás, polêmica é o que nunca faltou nas declarações de Freud, (ora em seus livros, ora em entrevistas ou em outras tantas formas de contato com o público). Como esta, por exemplo, que causou enorme escândalo na época: "Acabei por convencer-me de que a masturbação era o único grande hábito, a ‘necessidade primitiva’, e que as outras necessidades, como as do álcool, da morfina, do tabaco, não passam de seus substitutos, produtos de substituição". Quem é da minha geração sabe como essa prática era combatida pelos educadores de então. Havia os que diziam até que ela poderia levar os “masturbadores” à loucura, além de ameaçar os assustados adolescentes com outras tantas e terríveis doenças em conseqüência desse hábito. Claro que era pura baboseira baseada num moralismo ingênuo, se não calhorda. Mas...

Outra declaração de Freud que causou furor, e que considero conclusão corretíssima e facilmente comprovável, foi a seguinte: "O amor pela mulher rompe os laços coletivos criados pela raça, ergue-se acima das diferenças nacionais e das hierarquias sociais, e, fazendo-o, contribui em grande medida para os progressos da cultura". E por que uma afirmação tão óbvia e inocente atraiu para Freud a repulsa e o escárnio generalizados? Porque, na ocasião (e no lugar) em que foi feita, estava em voga, e não somente na Alemanha, mas em várias partes da Europa (e na Áustria, certamente) a odiosa teoria de que certas raças são superiores a outras. E recomendava-se que os membros das mais “nobres” não deveriam jamais se misturar com os das “inferiores”. Claro que era uma ideologia estúpida, imbecil, sem fundamento e sem sentido, que deu no que deu. Ou seja, no nazismo e em seus múltiplos horrores, sobretudo, no absurdo Holocausto. Por hoje, fico por aqui!


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