Somos produtos da
educação
Pedro
J. Bondaczuk
A mente humana é
complexa e fascinante. Creio que seja a estrutura mais perfeita que existe na
natureza, a despeito de suas eventuais falhas e desvios. Se não for, está muito
próxima dessa perfeição. Muitos comparam-na a um computador de última geração
Discordo, todavia, dessa comparação. Em muitos aspectos, a máquina – por sinal
criada pelo homem – supera-o, é verdade, no que diz respeito a processamento de
dados, trabalho que executa com uma rapidez e exatidão impossível do cérebro
humano de igualar. Todavia, para que funcione, tem que ser abastecida de
informações. É incapaz de se auto-abastecer. E quem abastece a máquina? É
justamente quem a criou para facilitar e racionalizar tarefas: o homem.
Ademais, o computador
não pensa, não sente, não se emociona e é incapaz de criar seja o que for. Daí
discordar de quem tenta emprestar ares de “superioridade” à criação em relação
ao criador. Este é e sempre será superior por motivos para lá de óbvios. É
questão de lógica. O sociólogo do renomado Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, Sherry Turkle, afirmou, certa feita, em entrevista: “Onde já
fomos animais racionais, agora somos computadores que sentem, máquinas
emocionais”. Ou seja, algumas mentes privilegiadas chegaram perto dessa
rapidíssima processadora de dados. É certo que ainda estão muitíssimo distantes
de igualarem sua rapidez. Todavia, ampliam, cada vez mais, sua vantagem, nem um
pouco desprezível: a prerrogativa de “sentir”.
Sigmund Freud, em seus
estudos da racionalidade humana – e de seus desvios, ou seja, da
irracionalidade – identificou, (recapitulemos, mais uma vez o que já refletimos
juntos até aqui para não perdermos o fio da meada), três níveis de consciência. Denominou-os,
como já informei e reitero, de “ID”, “Ego” e “Superego”. Na sequência, resumi
no que consiste esse primeiro substrato.
Em poucas palavras, é,
de acordo com Freud, a fonte de energia psíquica, que se pode chamar de
“libido”. É completamente inconsciente. Caracteriza-se pelos impulsos,
motivações e desejos mais primitivos e selvagens do ser humano. É nesse
substrato que se localizam as pulsões de vida e de morte. É irracional. Não faz
planos, não espera, não admite frustrações e não tem nenhuma inibição.
Funciona, exclusivamente, tendo por objetivos a busca do prazer (não importa
por quais meios) e a fuga da dor.
Vimos que o nível
seguinte da consciência que Freud identificou é o “Ego” (em alemão, “ich” ou
eu). Constatamos que ele se desenvolve a partir do ID e que atua como uma
espécie de censor deste. Define se os impulsos e desejos irracionais e
instintivos são factíveis ou não, se são positivos ou destrutivos (da própria
pessoa e de terceiros), de acordo com o mundo externo, ou seja, com o
“princípio da realidade”.
Pois bem, Freud
identificou um terceiro substrato da consciência que batizou de “Superego” (do
alemão überich, ou seja, “supereu”). E o que vem a ser essa estrutura que, pela
própria denominação que recebeu, sugere que é superior às duas outras? É a
parte moral da mente humana. É a que determina e transmite às sucessivas
gerações os valores e padrões de comportamento, tidos como adequados que
recebemos dos pais, educadores e da sociedade. É, sem tirar e nem pôr, o
fundamento, a base, o alicerce do que convencionamos chamar de civilização.
Freud dividiu-o em dois
subsistemas: “Ego Ideal” e “Consciência moral”. O primeiro é o que dita o bem
que devemos procurar, de acordo com as idéias que nos foram incutidas pelos que
nos educaram. O segundo, por seu turno, determina o mal que devemos evitar. O
“Superego” tem três objetivos, simultâneos e integrados. O primeiro é o de
inibir qualquer impulso, ditado pelo ID (inconsciente e selvagem), que seja
contrário às regras e ideais por ele ditados. Por exemplo, quando estamos com
fome, nossos instintos nos impulsionam a obter o alimento a qualquer custo, sem
atentar para meios e conseqüências. O “Superego”, todavia, mobiliza o “Ego”
para viabilizar, sim, sua obtenção, mas pelos métodos civilizados, ou seja,
através da sua aquisição, produzindo-o, comprando-o ou o ganhando. Seus
instrumentos de coação são a punição, em caso de agirmos de forma contrária às
leis e à moral e outro, mais sutil, mas provavelmente mais eficaz: o sentimento
de culpa, ou remorso.
O segundo objetivo do
Superego é forçar o Ego a se comportar de maneira moral. E por que essa atuação
sobre o Ego especificamente? Porque é ele que analisa a viabilidade dos desejos
do ID, de acordo com a realidade, e os satisfaz ou não. O “Superego”, portanto,
atua como implacável árbitro do comportamento que trazemos dentro de nós, em
nossa mente, policiando todos nossos atos e desejos. Daí Freud ter concluído (e
creio que foi uma conclusão equivocada e infeliz) que a civilização, com suas
normas e regras de comportamento, impede, na maior parte das vezes, que o homem
seja plenamente feliz. Oportunamente, apresentarei argumentos justificando essa
discordância.
Finalmente, o terceiro
objetivo do “Superego” depende da qualidade e da extensão da educação que
recebemos. É mais sofisticado, refinado e exclusivo do que os dois anteriores.
É o de conduzir o indivíduo (nós todos, em suma) a buscar a perfeição, por
ações, pensamentos e palavras. Convenhamos, não são todos (diria que são
poucos) os que têm o “Superego” tão
desenvolvido a esse ponto. Esse objetivo é conhecido, também, como “Ego Ideal”.
Esse
nível de consciência, conforme a teoria de Freud, teria surgido, no homem
primitivo, em decorrência do “Complexo de Édipo" (no homem) e do
seu correspondente feminino, o “Complexo
de Electra”. E o que vem a ser esse desvio (quando exacerbado, posto que,
atenuadamente, todos o temos em alguma medida). É um antagonismo latente contra
o pai (que em casos extremos deriva para o ódio), ditado pelo ciúme dele por
supostamente ele competir conosco pela nossa fonte primária de prazer, a mãe.
Supõe-se que no homem primitivo esse desejo pela mulher que nos deu a vida era
carnal, sexual, já que ele seria movido exclusivamente pelo ID. Aí teria se
dado, justamente, a primeira censura moral, que é o papel primordial do
Superego, através do tabu de que o incesto era errado. Os psicopatas, aliás,
(alguns deles) agem, ainda, como o homem primitivo. Têm um ID dominante e um
superego muito reduzido, o que lhes tolhe o remorso, sobressaindo a falta de
consciência moral.
Édipo,
para quem não se lembra, é aquele personagem mitológico que matou o pai, Laio,
para casar-se com a mãe, Jocasta. Electra, por sua vez, é outra figura mítica,
da rica mitologia grega. Conforme a lenda, foi ela que incitou o irmão Orestes
a assassinar a própria mãe, Clitemnestra, para vingar-se do pai, Agamenom, de
quem tinha ciúmes.
O
Superego, é mister observar, nem sempre é consciente. Muitos valores e ideais
podem ser despercebidos pelo eu consciente. Mas é sempre moral. Conclui-se, do
exposto, que somos todos produtos da educação (ou da falta dela), em nosso
comportamento social, com o Superego mais ou menos desenvolvido, de acordo com
os princípios que nos foram incutidos e a forma como isso foi feito.
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