Povo
sem voz
Pedro J. Bondaczuk
A
definição de prioridades por parte do governo federal – seja qual for o partido
que esteja no poder – em um país tão extenso e complexo, como o nosso, é tarefa
de titãs. Tudo está, praticamente, por fazer e mesmo o que já está feito,
carece de reformas, porquanto se defasou, se tornou antiquado e se degradou com
o tempo. Convivemos, ao longo dos 513 anos da nossa história, com crises e mais
crises que se sucederam com impressionante regularidade e que ainda se sucedem não
se sabe até quando.
Em
raríssimas oportunidades, a população brasileira foi ouvida pelos governantes.
E mesmo quando foi, os interlocutores foram apenas representantes das chamadas
elites que, claro, defenderam renhidamente os próprios interesses, em detrimento
da imensa base da pirâmide social, à qual sempre restaram meras migalhas. E
isso quando restou alguma coisa. Na maioria das vezes, não restou nada, a não
ser proibitivas contas a pagar.
Em
uma rápida análise da trajetória brasileira, não é difícil de concluir que o
País requer profunda reconstrução, e em todos os sentidos. Ou seja, no material
(o econômico), no social, no ético, no moral e principalmente no político,
entre outros setores. Convém notar que foram raras as ocasiões em que o que se convencionou
chamar de “povo”, ou seja, as pessoas comuns, que não possuam bens ou que
tenham, no máximo, o mínimo para sobrevivência razoavelmente digna – uma
casinha modesta, um carro, geralmente usado, e eletrodomésticos básicos, e
quase sempre apenas isso – teve voz de fato. E mesmo quando teve, nunca chegou
a ser ouvido, no sentido de ter reivindicações elementares, primárias,
comezinhas, atendidas. Os governantes e seus pseudo-representantes fizeram,
invariavelmente, “ouvidos de mercador”.Se não, vejamos.
Dos
191 anos de “vida independente”, o Brasil viveu 67 anos sob monarquia, aqui
considerado, também, o período de “regência”, antes da antecipação da
maioridade do imperador Dom Pedro II. Tecnicamente, não se pode classificar
nossos dois monarcas (e nem a “interina” Princesa Isabel), como “ditadores”.
Mas qual o grau de participação popular na escolha de representantes e na
definição de programas de governo que havia nos seus reinados? Praticamente
nenhum.
Os
parlamentares, por exemplo, eram eleitos por eleitores exclusivamente da elite
(econômica, diga-se de passagem). Para ter direito ao voto, o sujeito deveria
ter patrimônio, e em determinado valor, sempre alto, que era estabelecido de
acordo com os interesses dos deputados, ciosos em conservar seus respectivos
“currais eleitorais”. E esse sistema persistiu até as primeiras décadas da
República. Voto feminino? Nem pensar!
Ainda
dos 191 anos de “vida independente”, o Brasil viveu 36 anos sob ferozes
ditaduras (quinze anos sob a getulista e 21 dos militares). Ai de quem ousasse
expressar opiniões que fossem ligeiramente antagônicas às dos ditadores de
plantão! Era preso a qualquer pretexto, torturado e não raro eliminado, com
sumiço de seu cadáver, para que jamais fosse localizado. Quantos não teriam sido
atirados ao mar de bordo de aviões? Ninguém sabe e dificilmente alguém irá
saber.
Dos
191 anos de “vida independente” do Brasil, portanto, o povo ficou 103 anos sem
nenhuma representatividade. A voz da chamada elite nunca foi a sua. Os
legítimos anseios da população, quando atendidos, o foram como se isso não se
tratasse do dever do governante (mas era!), porém como atos de magnanimidade, o
que não eram e nem deveriam ser, óbvio. Restam, pois, 67 anos de um “arremedo”
de representatividade para o qual o povo nunca esteve (e ainda não está)
preparado. Mas que é imprescindível que se conserve, mesmo que imperfeito, pois
da prática democrática é que emergirá a excelência. Fechar, pois, o regime,
como muitos ignorantes apregoam (e aqui o termo não é usado em sentido
pejorativo, mas no de se ignorar o que se deveria saber) é o que de pior
poderia ocorrer no Brasil. Acreditem, não existem “salvadores da pátria”, como
os ditadores apreciam em se autoqualificar.
As
legítimas demandas da população brasileira – econômicas, sociais, políticas
etc. – são inúmeras e todas urgentes, inadiáveis, “para ontem”. O setor de
saúde, por exemplo, é um dos que terão de merecer atenção muito especial,
diante do caos que se verifica, em especial nos hospitais públicos. E não se
trata de “importar” médicos, mas de dar aos nossos condições mínimas de
atendimento digno e humano, como se faz em boa medicina. O de educação, nem se
diga! Está uma calamidade e é fundamental na luta contra a violência e a
degradação social. É terrível para os pais constatarem que os filhos, com
diplomas nas mãos, são incapazes de entender e interpretar reles textos, de
simplicidade franciscana. Mas é o que se constata a todo o momento e em todos
os lugares. O setor de segurança, igualmente, é essencial e requer medidas
sólidas, e não apenas as providências tópicas e emergenciais, adotadas
usualmente.
Tudo
é prioridade, num país que, em muitos aspectos, estagnou há já bom tempo. Mas
um setor que é cada vez mais mencionado, por ser fundamental ao desenvolvimento
brasileiro, é o que se refere à infraestrutura. Nossos aeroportos estão longe
de atender às exigências mínimas da modernidade. E o transporte aéreo é
importantíssimo em um país como o nosso, de dimensões continentais. Nossos
portos são antiquados e primitivos e não conseguem escoar nossa crescente
(felizmente) produção, impedindo a entrada de divisas essenciais para financiar
nosso progresso. Nossas rodovias, salvo raríssimas exceções, são defasadas,
esburacadas, inseguras e boa parte delas sequer merece ser chamada de “estrada
de rodagem”.
Isto
acarreta, além da perda de milhares de vidas a cada ano, em decorrência de
acidentes, prejuízos materiais enormes. Uma das alternativas seriam as
ferrovias, mas, estas... Foram totalmente sucateadas, dada a opção nacional
pelo transporte rodoviário. Todavia alguém (refiro-me à população) foi
consultado antes que fosse feita essa escolha? Não, não e não! Por isso,
acabamos ficando sem as duas coisas: sem os trens, que bem ou mal davam conta
do recado e sem rodovias minimamente eficazes para nossa locomoção e para o
tráfego da nossa produção agrícola e/ou industrial.
E
o que dizer da infraestrutura urbana? O que falar, por exemplo, dos transportes
coletivos, desconfortáveis, inseguros e... caros? Aliás, essa carência e essa
ganância de alguns em ganhar rios de dinheiro com um serviço tão ineficiente e
caro foi o estopim para a atual onda de protestos que atinge o país de ponta a
ponta e que ainda não se sabe no que vai dar. Pode tanto redundar em algo positivo,
com os anseios populares sendo, finalmente (mesmo que só parcialmente),
atendidos, como... Deus que nos livre!!! Pode resultar na incontrolável
desordem, no caos completo, ambos muito maiores do que os que já vivenciamos.
O
problema é a falta de recursos (malbaratados em obras fantasmas, superfaturadas
e que acabam abandonadas). Ou que são investidos no supérfluo, em estádios
suntuosos, metade dos quais acabará se tornando, fatalmente, inúteis “elefantes
brancos” sem nenhuma serventia, em detrimento de tantas e tantas necessidades,
prioridades e demandas urgentes, urgentíssimas, que não podem esperar.
Não
sou – e a maioria dos brasileiros não é – contrário à realização da Copa do
Mundo no Brasil. Só entendo que os bilionários investimentos nos estádios
deveriam caber à iniciativa privada, e apenas a ela, como, aliás, foi prometido
(e não cumprido). E que o legado desse evento fosse o óbvio: meios de
transporte público decentes, vias públicas adequadas e seguras, aeroportos que
de fato merecessem esse nome e que pessoas carentes não fossem despejadas de
suas moradias, sem dó e nem piedade, para dar lugar a obras faraônicas, nem um
pouco prioritárias, mas que, ao contrário, contassem (elas sim), com fartos e
generosos recursos públicos para melhorar suas terríveis moradias. E que,
sobretudo, se desse voz ao nosso povo que, por uma razão ou por outra (nas verdade,
sem razão) nunca a teve.
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