Por que buscar o autoconhecimento?
Pedro J. Bondaczuk
O
Superego (a parte da nossa personalidade que representa a moralidade) forma-se
– de acordo com as proposições de Sigmund Freud, ao sugerir e identificar três
níveis de consciência – após o Ego. A formação ocorre muito cedo, tão logo a
criança desenvolva razoável nível de compreensão, durante seu esforço de apreender os valores transmitidos primeiro
pelos pais e depois pela sociedade, notadamente na escola. Instintivamente, ela
se conscientiza que se obedecer o que lhe é determinado, receberá amor e
afeição. Em caso contrário... Será menos amada ou detestada. E isso tende a
fazer diferença enorme pelo resto de sua vida.
O
Superego pode funcionar de maneira bastante primitiva, punindo o indivíduo não apenas
por ações praticadas, mas também por meros pensamentos. Daí ser fonte potencial
de neuroses e de outros desarranjos da personalidade. Outra de suas
características é o pensamento dualista. Ou seja, funciona na base do tudo ou
nada, do certo ou errado, sem nenhum meio-termo ou graduação. O
comportamento inadequado sujeito à punição torna-se parte da consciência da
criança, uma porção do Superego.
Já o que é aceitável para os pais ou para o grupo social, e que proporcione a
recompensa, passa a integrar o Ego-Ideal.
Ou seja, outra sua porção.
Dessa forma, recapitulando, o comportamento é
determinado, inicialmente, pelas ações dos pais. Uma vez formado o Superego, porém, passa a ser
determinado pelo autocontrole pessoal. Nesse ponto, a pessoa administra as
próprias recompensas ou punições. Freud imaginava constante luta dentro da
personalidade, com o Ego sendo pressionado o tempo todo pelas forças contrárias
insistentes. Suas “tarefas” são múltiplas, principalmente as de tentar retardar
os ímpetos agressivos e sexuais do ID, perceber e manipular a realidade para
aliviar a tensão resultante, e lidar, no outro extremo, com a busca do Superego
pela perfeição. E, quando pressionado demais, o resultado é a condição que foi
definida por Freud como ansiedade.
O polêmico (e para mim
genial) “Pai da Psicanálise” pôde observar, nos seus pacientes neuróticos
(recorde-se que ele era médico), que a maior parte das perturbações emocionais
das pessoas que tratava se devia à repressão sexual. Recorde-se que o conceito
de sexualidade, para ele, tinha significado muito mais amplo do que o atribuído
pela linguagem comum. Para Freud, esta não se deve identificar exclusivamente
com a “genitalidade”.
Entendia que a
sexualidade era todo o tipo de comportamento que resultasse fisicamente
gratificante, que produzisse sensações de prazer. Abarcaria, portanto, toda a
atividade instintiva relacionada com as necessidades corporais. Ele tratou, por
exemplo, de alguns casos de histeria. Essa é uma perturbação que, no seu
entender, era provocada exclusivamente pela repressão da atividade sexual, e
principalmente nas mulheres.
Recorde-se que se
estava em fins do século XIX, em plena “Era Vitoriana”. E que as mulheres não
tinham, naquela ocasião, os mesmos direitos que os homens em termos da manifestação
dos desejos sexuais (entre outros tantos). As que eram, sobretudo, casadas,
eram tidas e havidas como meras “reprodutoras”. Não deviam, por questões
éticas, morais e culturais da época, manifestar sequer o mínimo desejo ou
prazer no ato sexual. Mas, como evitá-los, se os sentiam? Seu Superego,
implacável, condenava esses pensamentos e impulsos. Pior: punia-as, por
sentirem essa vontade ou essa satisfação, com o sentimento de culpa. E isso as
fazia adoecer. Cruel, não é mesmo?
O Superego, conclui-se, representa a
sociedade dentro do próprio indivíduo, com suas leis e normas muitas vezes
fonte de embaraços e de inibições para a estrutura do Ego. Afinal, todos
sabemos, ela está infinitamente distante da perfeição. É repleta de erros,
maldade e superstições. Caso nos tenham sido incutidos conceitos equivocados e
distorcidos de moralidade, quando crianças, isso tenderá a nos cobrar preço
proibitivo em termos de sofrimentos ao longo da nossa vida. As exigências do
Superego se opõem, quase sempre, aos desejos do ID que, posto sejam
instintivos, nem por isso são “todos” inadequados, ou anti-sociais, ou
moralmente condenáveis. Este conflito incide diretamente no Ego. Afinal, tanto
o primeiro dos três níveis de consciência, quanto o segundo, procuram fazer com
que ele atue de acordo com suas próprias exigências ou desejos, que são,
todavia, incompatíveis.
Pode-se dizer que, para Freud, a
personalidade consiste, basicamente, neste conflito. Ou seja, nessa luta
interminável entre desejos instintivos e normas interiorizadas da sociedade. E
esse confronto se desenrola no grande cenário constituído pela relação mútua
entre o Ego e a realidade ambiental. O criador da Psicanálise caracterizou-a, em sua
essência, como a “cura pelo amor”. Ou seja, como tentativa para libertar
esse sublime sentimento – quando estiver recalcado pelo Superego – das suas
poderosas garras, quase sempre representadas por conceitos falsos (religiosos,
sociais, morais etc.), preceitos equivocados e estúpidas e irracionais
superstições, que nos são incutidos, desde tenra infância, pelos que nos
“educam”.
Cabe, a caráter, a
definição de Sigmund Freud para o que de fato somos: “Não somos apenas o que
pensamos ser. Somos mais: somos também o que lembramos e aquilo de que nos
esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os
impulsos a que cedemos 'sem querer'”. Daí a necessidade da busca permanente
pelo autoconhecimento para a desejável correção de rumos.
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