Atração de um país é seu povo
Pedro J. Bondaczuk
O historiador inglês Paul
Kennedy constatou que “a maior atração turística de um país é a qualidade de
vida de seus habitantes”. Não são, portanto, as paisagens maravilhosas, os
museus com seu rico acervo cultural, os hotéis cinco estrelas com serviço
refinado e nem os costumes exóticos que atraem visitantes. Tudo isso conta, mas
não é essencial. E o turismo é, há muito, relevante atividade econômica para
vários países do mundo. Para muitos, aliás, é a principal fonte de divisas,
quando não a única.
Os
mega-eventos programados para ocorrerem no Brasil, três dos quais de caráter
esportivo – a Copa das Confederações atual, em pleno andamento, o Mundial de
2014 e as Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016 – e o quarto de cunho religioso,
que é a visita do papa Francisco à Cidade Maravilhosa no próximo mês, para
participar do Congresso Mundial da Juventude, tendem a atrair milhões de
pessoas de todas as partes do Planeta, de todas as idades e de excelente nível de
renda, de cultura e de educação. E o que esses potenciais visitantes esperam
ver em nosso País? Esperam ver um povo alegre, bem educado e cordato
(estereótipo nosso “vendido” no Exterior) que seja assim em decorrência de seu
excelente padrão de vida. Mas seríamos de fato tudo isso? Seríamos mesmo
alegres, bem educados e cordatos? Teríamos um padrão de vida minimamente
satisfatório? Em parte sim, em parte não.
Há
vários Brasis convivendo em um mesmo Brasil. Um deles é moderno, razoavelmente
instruído e sofisticado até. Não fica nada a dever às mais prósperas e
progressistas sociedades do mundo. Infelizmente, porém, esse “paraíso tropical”
é minoritário. É o finíssimo topo de uma pirâmide social com base
exageradamente ampla. E nem se pode afirmar que se trate do Brasil real. Este é
imenso e, a despeito de visíveis avanços ocorridos na última década, permanece,
ainda, mergulhado na miséria ditada mais pelo egoísmo e pela ausência de uma
visão correta de nacionalidade do que pela falta de recursos. Este, não tenham
dúvidas, não é nada atrativo para nenhum visitante sensível e de bom senso, e
que se tenta (no meu entender, em vão) manter escondido “debaixo do tapete”.
Os
desníveis de renda dos brasileiros que habitam o imenso “Brasil real”, chocam,
profundamente, os que têm um mínimo de sensibilidade. E, convenhamos, ninguém
deixa seu país, o conforto de seus lares, sua rotina de vida enfim, numas
férias, para se aborrecer. O que mais revolta o estrangeiro que passa por aqui
não é, como muitos acham, a violência, até porque esta é uma característica do
mundo contemporâneo. Países ricos e pobres vivem esse problema, em graus os
mais variados e por razões diversas.
O
que choca é a miséria que ainda é a realidade da maioria da população, num
território dotado de tantos e tamanhos recursos naturais. É a falta de
sensibilidade das autoridades que fingem não ver nossas tantas carências e
contradições. É a tentativa de “vender” ao estrangeiro que nos visita e que
provavelmente nos visitará, por causa dos eventos que citei, o Brasil moderno,
seguro, educado e alegre da minoria, como se o país real sequer existisse.
Deliberadamente ou não, tentam enganar nossos potenciais visitantes com
propaganda enganosa, como se fosse possível ludibriar tanta gente diante da
fartura de meios de informação que existem hoje em dia. Não é.
Que
não se tente, porém, “vender” outro Brasil ainda muito pior, mais sombrio do
que o da carência econômica e da injustiça social: o de paraíso da
permissividade (notadamente a sexual) e a do vício. Há tempos o País vem sendo
citado, em extensas reportagens de televisão, em artigos e matérias de jornais,
nos Estados Unidos e na Europa, como uma sociedade que não sabe cuidar dos seus
meninos e meninas. Como o país latino-americano com a maior taxa de prostituição
infantil. Pessoas de mente fraca ainda não conseguiram administrar com
competência e racionalidade o que qualquer animal irracional domina por puro
instinto: a sexualidade. Tarados e pedófilos não faltam neste mundão
superpovoado. Infelizmente, abundam.
Não
entendo a mente repulsiva dessas pessoas, que em seus países agem normalmente,
são casadas e pais de família, mas que fora dele agem de maneira pior do que o
pior dos animais. Para elas, o corpo (mesmo sendo o de uma criança) é
transformado em mero objeto biológico. Quem age assim (e infelizmente são
muitos, mundo afora), não se dá conta de que essa carcassa de ossos, músculos,
nervos, veias e artérias é mero meio para manter a sobrevivência do órgão
nobre, onde fica a sede da razão: o cérebro. E que a racionalidade deve ser
cultivada a todo o custo e sem a mínima interrupção, sendo seu cultivo o
principal objetivo da existência humana.
Em
documento emitido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, datado de 7
de maio de 1993, durante a 31ª Assembléia Geral da entidade realizada em
Itaici, distrito da cidade paulista de Indaiatuba, na qual foi abordada a
questão da ética, há a seguinte constatação: “A sexualidade, por ser
fundamental à vida humana, quando instrumentalizada ou absolutizada,
converte-se em instrumento de alienação e despersonalização. O prazer, quando
reduzido à genitalidade, pode ser um mecanismo para afastar as pessoas umas das
outras”.
Por
estas e outras, não se pode deixar de concordar com Marcel Mauss quando
constata: “Apesar de todos os inventários e de todas as teorias, existirão
ainda para ser descobertas e contempladas muitas luas mortas, ou pálidas, ou
obscuras, no firmamento da razão”.
Mas,
afinal, qual é o Brasil que mostraremos aos milhões de potenciais visitantes
que para cá virão (e que já estão vindo) em decorrência dos eventos programados
(um dos quais em pleno andamento) até 2016? O da fantasia, o dos nababos, o
rico e sofisticado que não se importa em esbanjar rios de dinheiro para a
construção de suntuosos estádios de futebol (metade dos quais, ou mais se
transformarão em “elefantes brancos”)?
Ou
mostraremos o das manifestações de protesto que pipocam pelo nosso vasto
território para exigir o óbvio dos óbvios, o mínimo dos mínimos, o que deveria
ser rotina? E no que isso consiste? Constitui-se em uma educação de qualidade
(e não este mero arremedo atual só para engordar estatísticas). Em uma saúde
eficiente e digna (e não esse circo de horrores que se vê em centenas de
hospitais públicos do Oiapoque ao Chuí, que nem de longe ostentam o yal do
“padrão Fifa”). Em uma segurança que mereça esse nome (e não essa força coatora
e repressora, característica das piores ditaduras, que temos). Em um transporte
público eficiente, limpo, rápido e barato
- o ideal é que fosse, (por que não?!) gratuito – (e não essa fonte de
exploração dos que não podem prescindir dele. E, principalmente, em um aparato
de justiça realmente “justo” que coíba a desbragada corrupção em todos os
níveis e que, principalmente, puna os corruptos, que roubam os sonhos dos
milhões de habitantes do carente, sofrido e revoltado Brasil real.
Se
a atração de um país é o seu povo (e, como Paul Kennedy, entendo que de fato
seja), a nossa é essa imensa e massacrante maioria pobre (em um território, reitero,
tão rico de uma sociedade que é a sexta maior economia do mundo), que sofre,
que se revolta e que sobrevive movida apenas pela esperança de uma vida melhor.
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