Saturday, June 22, 2013

Atração de um país é seu povo


Pedro J. Bondaczuk

O historiador inglês Paul Kennedy constatou que “a maior atração turística de um país é a qualidade de vida de seus habitantes”. Não são, portanto, as paisagens maravilhosas, os museus com seu rico acervo cultural, os hotéis cinco estrelas com serviço refinado e nem os costumes exóticos que atraem visitantes. Tudo isso conta, mas não é essencial. E o turismo é, há muito, relevante atividade econômica para vários países do mundo. Para muitos, aliás, é a principal fonte de divisas, quando não a única.

Os mega-eventos programados para ocorrerem no Brasil, três dos quais de caráter esportivo – a Copa das Confederações atual, em pleno andamento, o Mundial de 2014 e as Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016 – e o quarto de cunho religioso, que é a visita do papa Francisco à Cidade Maravilhosa no próximo mês, para participar do Congresso Mundial da Juventude, tendem a atrair milhões de pessoas de todas as partes do Planeta, de todas as idades e de excelente nível de renda, de cultura e de educação. E o que esses potenciais visitantes esperam ver em nosso País? Esperam ver um povo alegre, bem educado e cordato (estereótipo nosso “vendido” no Exterior) que seja assim em decorrência de seu excelente padrão de vida. Mas seríamos de fato tudo isso? Seríamos mesmo alegres, bem educados e cordatos? Teríamos um padrão de vida minimamente satisfatório? Em parte sim, em parte não.

Há vários Brasis convivendo em um mesmo Brasil. Um deles é moderno, razoavelmente instruído e sofisticado até. Não fica nada a dever às mais prósperas e progressistas sociedades do mundo. Infelizmente, porém, esse “paraíso tropical” é minoritário. É o finíssimo topo de uma pirâmide social com base exageradamente ampla. E nem se pode afirmar que se trate do Brasil real. Este é imenso e, a despeito de visíveis avanços ocorridos na última década, permanece, ainda, mergulhado na miséria ditada mais pelo egoísmo e pela ausência de uma visão correta de nacionalidade do que pela falta de recursos. Este, não tenham dúvidas, não é nada atrativo para nenhum visitante sensível e de bom senso, e que se tenta (no meu entender, em vão) manter escondido “debaixo do tapete”.

Os desníveis de renda dos brasileiros que habitam o imenso “Brasil real”, chocam, profundamente, os que têm um mínimo de sensibilidade. E, convenhamos, ninguém deixa seu país, o conforto de seus lares, sua rotina de vida enfim, numas férias, para se aborrecer. O que mais revolta o estrangeiro que passa por aqui não é, como muitos acham, a violência, até porque esta é uma característica do mundo contemporâneo. Países ricos e pobres vivem esse problema, em graus os mais variados e por razões diversas.

O que choca é a miséria que ainda é a realidade da maioria da população, num território dotado de tantos e tamanhos recursos naturais. É a falta de sensibilidade das autoridades que fingem não ver nossas tantas carências e contradições. É a tentativa de “vender” ao estrangeiro que nos visita e que provavelmente nos visitará, por causa dos eventos que citei, o Brasil moderno, seguro, educado e alegre da minoria, como se o país real sequer existisse. Deliberadamente ou não, tentam enganar nossos potenciais visitantes com propaganda enganosa, como se fosse possível ludibriar tanta gente diante da fartura de meios de informação que existem hoje em dia. Não é.

Que não se tente, porém, “vender” outro Brasil ainda muito pior, mais sombrio do que o da carência econômica e da injustiça social: o de paraíso da permissividade (notadamente a sexual) e a do vício. Há tempos o País vem sendo citado, em extensas reportagens de televisão, em artigos e matérias de jornais, nos Estados Unidos e na Europa, como uma sociedade que não sabe cuidar dos seus meninos e meninas. Como o país latino-americano com a maior taxa de prostituição infantil. Pessoas de mente fraca ainda não conseguiram administrar com competência e racionalidade o que qualquer animal irracional domina por puro instinto: a sexualidade. Tarados e pedófilos não faltam neste mundão superpovoado. Infelizmente, abundam.

Não entendo a mente repulsiva dessas pessoas, que em seus países agem normalmente, são casadas e pais de família, mas que fora dele agem de maneira pior do que o pior dos animais. Para elas, o corpo (mesmo sendo o de uma criança) é transformado em mero objeto biológico. Quem age assim (e infelizmente são muitos, mundo afora), não se dá conta de que essa carcassa de ossos, músculos, nervos, veias e artérias é mero meio para manter a sobrevivência do órgão nobre, onde fica a sede da razão: o cérebro. E que a racionalidade deve ser cultivada a todo o custo e sem a mínima interrupção, sendo seu cultivo o principal objetivo da existência humana.

Em documento emitido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, datado de 7 de maio de 1993, durante a 31ª Assembléia Geral da entidade realizada em Itaici, distrito da cidade paulista de Indaiatuba, na qual foi abordada a questão da ética, há a seguinte constatação: “A sexualidade, por ser fundamental à vida humana, quando instrumentalizada ou absolutizada, converte-se em instrumento de alienação e despersonalização. O prazer, quando reduzido à genitalidade, pode ser um mecanismo para afastar as pessoas umas das outras”.

Por estas e outras, não se pode deixar de concordar com Marcel Mauss quando constata: “Apesar de todos os inventários e de todas as teorias, existirão ainda para ser descobertas e contempladas muitas luas mortas, ou pálidas, ou obscuras, no firmamento da razão”.

Mas, afinal, qual é o Brasil que mostraremos aos milhões de potenciais visitantes que para cá virão (e que já estão vindo) em decorrência dos eventos programados (um dos quais em pleno andamento) até 2016? O da fantasia, o dos nababos, o rico e sofisticado que não se importa em esbanjar rios de dinheiro para a construção de suntuosos estádios de futebol (metade dos quais, ou mais se transformarão em “elefantes brancos”)?

Ou mostraremos o das manifestações de protesto que pipocam pelo nosso vasto território para exigir o óbvio dos óbvios, o mínimo dos mínimos, o que deveria ser rotina? E no que isso consiste? Constitui-se em uma educação de qualidade (e não este mero arremedo atual só para engordar estatísticas). Em uma saúde eficiente e digna (e não esse circo de horrores que se vê em centenas de hospitais públicos do Oiapoque ao Chuí, que nem de longe ostentam o yal do “padrão Fifa”). Em uma segurança que mereça esse nome (e não essa força coatora e repressora, característica das piores ditaduras, que temos). Em um transporte público eficiente, limpo, rápido e barato  - o ideal é que fosse, (por que não?!) gratuito – (e não essa fonte de exploração dos que não podem prescindir dele. E, principalmente, em um aparato de justiça realmente “justo” que coíba a desbragada corrupção em todos os níveis e que, principalmente, puna os corruptos, que roubam os sonhos dos milhões de habitantes do carente, sofrido e revoltado Brasil real.

Se a atração de um país é o seu povo (e, como Paul Kennedy, entendo que de fato seja), a nossa é essa imensa e massacrante maioria pobre (em um território, reitero, tão rico de uma sociedade que é a sexta maior economia do mundo), que sofre, que se revolta e que sobrevive movida apenas pela esperança de uma vida melhor.


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