Hábito que remonta à
pré-história
Pedro
J. Bondaczuk
O hábito de consumir
insetos, como fonte de alimentos, é antiqüíssimo e existem inúmeros registros
históricos a propósito. Basta, somente, pesquisar para encontrar fartas
referências. Os cientistas até criaram um nome específico para a disciplina que
estuda esse fenômeno: Entomofagia. Esse consumo, na pré-história, foi mais
comum na fase “coletora” do homem primitivo, mas nunca chegou a ser abandonado
por completo em época alguma. Mesmo na fase mais evoluída de algumas
civilizações, isso persistiu. E persiste até hoje (recordo que cerca de 2,5
bilhões de pessoas, mundo afora, têm insetos em seus cardápios diários).
Cito, como exemplo, o
fato do respeitável filósofo grego, Aristóteles, que influenciou decisivamente
o pensamento ocidental e cuja influência persiste até hoje, haver escrito um
livro sobre a maneira que entendia ser a correta de “coleta de deliciosas
cigarras”. Não posso garantir se o paladar desse inseto é bom ou ruim, pois
nunca experimentei. Mas posso assegurar uma coisa: jamais experimentarei!!!
Bem, mas milhões experimentaram e... gostaram.
Há inúmeros registros
do consumo, por parte de gregos e romanos, de larvas de besouros e de
gafanhotos em seus nababescos banquetes. E a julgar pela forma com que fizeram
essas referências, “deliciavam-se” com esses (para eles) saborosos petiscos.
Menciono outra fonte histórica bastante importante sobre o comportamento do
homem já em razoável estágio de civilização: a Bíblia. Os que lêem
habitualmente essa fonte de sabedoria e inspiração e mais, os que a estudam,
sabem o quanto os hebreus eram rigorosos a respeito de alimentos.
O livro bíblico,
denominado “Levítico”, do Velho Testamento, relata as leis que norteavam a vida
daquele povo nos mais diversos aspectos, quer espirituais, quer sociais e
comportamentais. Nele está delineada, entre tantas outras coisas, o que a
população poderia comer e o que lhe era vedado. Entre as carnes proibidas, são
citadas as de seguintes animais e aves: porcos, coelhos, pelicanos,
camundongos, tartarugas e doninhas, entre outros. Muitas dessas fontes de
proteína são, hoje, bastante comuns nas mesas do homem do século XXI. Há,
todavia, quem ainda respeite esses vetos. Afinal, deve haver algum motivo,
algum risco à saúde, que tenha determinado essas proibições. Era absolutamente proibido,
por exemplo, comer a carne de qualquer animal que não tivesse os “cascos
fendidos”.
Pois bem, e o que diz o
livro de leis da Bíblia sobre o consumo de insetos? Está registrado, em
Levítico 11: 22, o seguinte: “Deles (os insetos) podereis comer o gafanhoto
segundo sua espécie, o gafanhoto calvo segundo sua espécie, o besouro segundo
sua espécie e o grilo segundo sua espécie”. Recorde-se que os hebreus vagaram
por quarenta anos no deserto do Sinai, antes de entrarem em Canaã, a “terra
prometida”, onde manavam “o leite e o mel”. E em regiões desérticas (nem é
preciso destacar) há quase absoluta falta de alimentos (além, claro, de
carência de água). Todavia, abundam alguns insetos, notadamente gafanhotos,
tidos e havidos como providencial fonte protéica. De praga que devastava em
minutos lavouras inteiras, o homem do passado transformou esses insetos em
providencial fonte de nutrição.
João Batista, no
período de preparação para sua missão de arauto do Messias, passou longo tempo
no deserto, meditando e reunindo forças para o cumprimento da sua magna tarefa.
Tinha, por opção e por força das circunstâncias, hábitos estritamente frugais,
para preservar a lucidez mental e a fortaleza espiritual. E sua alimentação
consistia, “exclusivamente”, de gafanhotos e de mel (que é, destaque-se, um dos
raros subprodutos de um inseto, no caso a abelha, consumidos habitualmente pelo
homem. Pelo menos, não conheço nenhum outro).
Aliás, esses tipos de
alimentos, com o acréscimo de tâmaras e de leite de camelas (e de seus derivados,
principalmente o iougourte) ainda é a principal fonte de alimentação das
populações nômades do Norte da África, principalmente da região do vasto
Deserto do Saara. Esse era a recurso alimentar prioritário, por exemplo, do
deposto (e assassinado) líder líbio, coronel Muammar Khadafy. Li, recentemente,
não me recordo onde, que os gafanhotos eram uma fonte alimentar nutritiva,
abundante e barata (virtualmente gratuita) dos antigos argelinos. Eles tinham
um método próprio de preparo desses insetos (a maioria os preparava temperados
com mel). Coletavam-nos em enormes quantidades, às dezenas de milhares,
ferviam-nos em água e sal, e punham-nos para secar ao sol. Com isso, formavam
estoques suficientes para abastecer grandes quantidades de pessoas por vários
meses, sem precisar de nenhum outro alimento para garantir-lhes a sobrevivência
e a nutrição.
Com esse procedimento,
asseguravam duplo benefício (para eles próprios, óbvio, e para terceiros).
Garantiam a sobrevivência, alimentando-se desses vorazes insetos (com altíssima
capacidade de reprodução) e ajudavam a poupar inúmeras lavouras de
agricultores, distantes milhares de quilômetros de onde estavam, frequentemente
arrasadas por imensas nuvens de gafanhotos. A voracidade desses bichinhos é
algo de espantar e, claro, de assustar.
Lembro-me, quando
menino, de cinco anos de idade, em Horizontina, noroeste do Rio Grande do Sul,
de um ataque de gafanhotos ao trigal da propriedade do meu avô paterno, onde
morávamos. De repente, o céu escureceu, como se prestes a desabar um pesado
temporal e uma quantidade incontável desses insetos, provavelmente uma centena
de milhar, se não mais, se abateu sobre a lavoura. Em questão de minutos, todo
o esforço de um ano dos que a plantaram foi por água abaixo. Esses voracíssimos
insetos não deixaram nem talos de algumas dessas plantas. Houvesse quem tivesse
o hábito de degustá-los, o “feitiço, certamente, viraria contra o feiticeiro”.
Ou seja, em vez deles devorarem toda uma lavoura, eles é que seriam devorados,
e com requintes de glutonaria.
1 comment:
Uma opção pra "driblar" a fome, que grassa, impiedosamente no mundo inteiro.
Post a Comment