Quando o homem vira mito
Pedro J.
Bondaczuk
O líder negro sul-africano, Nelson Mandela, mesmo estando
preso, numa prisão de segurança máxima, em Capetown, há 26 anos, não perdeu o
senso de perspectiva de sua luta. Continua sendo o mesmo homem iluminado e
sereno que ousou desafiar um dos regimes mais execrados e execráveis da Terra,
não para depor um governo, conforme alegaram os que o encarceraram, mas para
ter os direitos de seu povo (que deveriam ser sagrados e inalienáveis)
reconhecidos.
Ontem, ele mostrou que quase três
décadas de cárcere não abalaram a sua fibra e nem a convicção que o move.
Recusou um raro privilégio, concedido pelas autoridades de Pretória, para se
reunir durante seis horas com seus familiares, nesta segunda-feira, quando
completa 70 anos de idade.
O importante de tudo foi o motivo
da recusa. Não se deveu a um eventual descaso para com seus entes queridos ou a
algum fortuito sentimento de revolta contra quem quer que fosse, embora tenha
motivos de sobra para isso.
Nelson Mandela recusou a regalia
(justíssima e merecida, por sinal) porque outros prisioneiros de consciência
não terão tratamento idêntico. É por causa dessa nobreza de caráter que esse
hoje frágil ancião se transformou num símbolo de resistência, no mundo inteiro,
contra todo o tipo de tirania.
O tratamento dado à sua veneranda
figura ainda desperta um sentimento de revolta nas pessoas que não se deixaram
alienar face às gritantes injustiças que se cometem, impunemente, pelo Planeta
afora, porque os alienados, que são maioria, consentem.
Sempre que algum semelhante nosso
é vítima de violência de algum sistema, pessoa ou ideologia, quaisquer que eles
sejam, toda a humanidade é agredida. Hoje é um negro que é morto, ou
encarcerado, somente porque o poderoso de plantão não aprecia a cor de sua
pele, e ninguém protesta. Amanhã será um judeu, ou uma mulher, ou um velho, ou
um pobre, ou tantos outros, que recebem rótulos estúpidos, de dementes
preconceituosos, que procuram, dessa forma, justificar sua megalomania, até que
os que se calaram acabam, igualmente, sendo atingidos.
Deixamos para reflexão a respeito uma citação de Berthold
Brecht: “Primeiro levaram os comunistas, mas a mim não importa, porque não sou
comunista. Em seguida, levaram uns trabalhadores, mas a mim não importa, porque
não sou trabalhador. Depois, detiveram a um sindicalista, mas a mim não
importa, porque não sou sindicalista. Logo, prenderam uns sacerdotes, mas como
eu não sou religioso, tampouco me importa. Agora, estão me levando, mas já é
tarde”.
Este é o roteiro da tirania, que
convém impedir que se cumpra até o fim. Por isso, todo homem que ainda não
deixou morrer dentro de si aa chama do ideal (que mantém as pessoas vivas de
fato e não apenas “vivendo”) tem que elevar pelo menos uma prece, na
segunda-feira, por Nelson Mandela.
(Artigo publicado na página 12,
Internacional, do Correio Popular, em 16 de julho de 1988).
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