Saturday, June 08, 2013

Abordagem superficial de uma obra de fôlego

Pedro J. Bondaczuk

A obra-prima de Arnold Joseph Toynbee, “Um estudo da História”, em doze volumes, exigiu-lhe, além de erudição e de estilo, um esforço digno dos mitológicos doze trabalhos de Hércules para ser produzida. Consumiu-lhe quatro décadas de vida, de muita leitura, coleta de documentos, comparação, meticulosa análise, além, claro, da redação, com suas conclusões, revolucionárias para muitos, impertinentes para tantos outros, mas inegavelmente originais e profundas.

Claro que uma avaliação séria dela é impossível de ser feita, com critério e correção, sem a leitura de todos os doze volumes, e com acurado estudo de cada passagem, proposta e conclusão. Vocês já imaginaram o tempo que isso demandaria? Temo que sejam mais do que os 40 anos que ela durou para ser produzida. Meu sonho, óbvio, seria aprofundar-me na análise das suas idéias. Mas... cadê tempo para isso? Todavia, apenas com a mera leitura, com escassa reflexão, dos doze volumes, aprendi muito com esse intelectual. Entre outras coisas, mudei a visão um tanto ingênua e romântica que tinha sobre as várias civilizações, inclusive (ou principalmente) a nossa, a Ocidental.

Toynbee projetou sua monumental obra com a meticulosidade de um arquiteto de suma competência, o que garantiu que ela fosse tão lógica e coerente, do princípio ao fim, como é. Ela guarda, entre tantas outras virtudes, uma unidade rara de se ver em empreendimentos do tipo. Mesmo os que discordam de suas colocações – e ainda não li nenhuma crítica realmente consistente que desmonte suas teses ou aponte a mínima incoerência – admitem essa característica. Comparo-a a um gigantesco e ultracomplexo teorema, que tem seus principais elementos, ou seja, hipótese, tese e demonstração.

A simples enunciação do conteúdo de cada volume deixa claro ao leitor do que o autor trata. O primeiro deles, por exemplo, o introdutório da obra, aborda a gênese das civilizações. Explicita como elas nascem, quais são seus fatores determinantes (o principal que ele cita é a existência na sociedade a que se refere de uma minoria lúcida e criativa) e aponta os obstáculos que têm que ser superados para que se verifique esse “nascimento”. Só esse primeiro volume, como se vê, já fornece temas para anos e mais anos de estudos e de debates.

No segundo tomo, Toynbee trata do crescimento das civilizações. Identifica quais são os fatores que o determinam (e exclui o geográfico) e explica, fundamentando com exemplos concretos, porque algumas sobrevivem e prosperam, enquanto outras tantas se extinguem (muitas no nascedouro) e abortam. E ele estende um pouco mais a análise desse colapso, não apenas das civilizações que não conseguem se consolidar já a partir da fase inicial, mas também das que têm um sucesso inicial, florescem, frutificam, mas que um dia se esclerosam, decaem e findam por desaparecer (algumas sem nem ao menos deixarem vestígios da sua existência), no volume seguinte, o terceiro.

A essa altura, o leitor já consegue ter visão clara do processo. Fica, porém, em seu espírito uma série de questionamentos, caso não venha a ler os outros nove livros da obra. O quarto tomo é justamente para responder a essas indagações oriundas da leitura dos três anteriores. Trata da desintegração das civilizações, ou seja, como ela se dá e por quais razões. Nele Toynbee esmiúça o colapso de uma a uma, com as competentes comprovações. Interessante é a conclusão que extrai de tudo isso. A de que “as civilizações morrem de suicídio, e não por assassinato”, ou seja, por causa de guerras. A essa altura, a obra já começa a adquirir a dimensão monumental que a caracteriza.

No quinto volume, o autor introduz o conceito de Estados Universais. Ou seja, aqueles que foram superpotências de suas épocas e cuja influência intelectual e material persiste através do tempo, inclusive nos dias atuais, mesmo passados séculos, se não milênios, do seu desaparecimento. Estão, entre estes, aqueles óbvios, fartamente conhecidos pelos que têm noção, mesmo que elementar, de História: Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. O Egito, posto que grandioso e importante, não chegou a ostentar “universalidade”, posto que poderoso e importante em termos regionais (a exemplo da China e da Índia, por exemplo).

No sexto volume (exatamente a metade da obra), Toynbee introduz outro conceito novo, que a maioria dos historiadores não leva na devida conta, para o sucesso de determinada civilização: Uma Igreja universal. Ele constatou que as que não a tiveram uma (como a egípcia, a babilônica, a chinesa etc.) ou entraram em decadência e se “cristalizaram”, deixando de evoluir, ou simplesmente desapareceram. Aponta como religiões universais, principalmente, o Cristianismo e o Islamismo.

O sétimo tomo trata das tradições das várias civilizações que denomina de “Idades heróicas”. Constata que todas tiveram ou têm as suas, umas mais e outras menos cultuadas. O oitavo livro aborda o contato entre diversas civilizações “no mesmo espaço” geográfico. Analisa como se relacionam, os conflitos que têm, o comércio que mantêm, além do intercâmbio artístico e cultural, etc. O nono é uma continuidade do anterior. Ou seja, aborda os contatos delas “no mesmo tempo”.

Os três últimos volumes são mais analíticos e requerem muito mais reflexões do leitor. Abordam, respectivamente: “Ritmos das histórias das civilizações (10°), “As perspectivas da civilização ocidental” (11°) e “A inspiração dos historiadores” (12° e último).

As principais críticas feitas a essa obra monumental são: generalizações arbitrárias feitas pelo autor (embora isso se trate, somente, da opinião desses críticos, não comprovada com argumentos sólidos), alguns erros factuais (que, na verdade, existem, embora a preocupação do autor, em nenhum momento, tenha sido a de empreender um relato da História tradicional, mas de avaliar consequências e a importância para nós, homens do século XXI) e a ênfase excessiva à importância das religiões (crítica de que, igualmente, discordo, posto que respeite).


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