Abordagem superficial
de uma obra de fôlego
Pedro
J. Bondaczuk
A obra-prima de Arnold
Joseph Toynbee, “Um estudo da História”, em doze volumes, exigiu-lhe, além de
erudição e de estilo, um esforço digno dos mitológicos doze trabalhos de
Hércules para ser produzida. Consumiu-lhe quatro décadas de vida, de muita
leitura, coleta de documentos, comparação, meticulosa análise, além, claro, da
redação, com suas conclusões, revolucionárias para muitos, impertinentes para
tantos outros, mas inegavelmente originais e profundas.
Claro que uma avaliação
séria dela é impossível de ser feita, com critério e correção, sem a leitura de
todos os doze volumes, e com acurado estudo de cada passagem, proposta e
conclusão. Vocês já imaginaram o tempo que isso demandaria? Temo que sejam mais
do que os 40 anos que ela durou para ser produzida. Meu sonho, óbvio, seria
aprofundar-me na análise das suas idéias. Mas... cadê tempo para isso? Todavia,
apenas com a mera leitura, com escassa reflexão, dos doze volumes, aprendi
muito com esse intelectual. Entre outras coisas, mudei a visão um tanto ingênua
e romântica que tinha sobre as várias civilizações, inclusive (ou
principalmente) a nossa, a Ocidental.
Toynbee projetou sua
monumental obra com a meticulosidade de um arquiteto de suma competência, o que
garantiu que ela fosse tão lógica e coerente, do princípio ao fim, como é. Ela
guarda, entre tantas outras virtudes, uma unidade rara de se ver em
empreendimentos do tipo. Mesmo os que discordam de suas colocações – e ainda
não li nenhuma crítica realmente consistente que desmonte suas teses ou aponte
a mínima incoerência – admitem essa característica. Comparo-a a um gigantesco e
ultracomplexo teorema, que tem seus principais elementos, ou seja, hipótese,
tese e demonstração.
A simples enunciação do
conteúdo de cada volume deixa claro ao leitor do que o autor trata. O primeiro
deles, por exemplo, o introdutório da obra, aborda a gênese das civilizações.
Explicita como elas nascem, quais são seus fatores determinantes (o principal
que ele cita é a existência na sociedade a que se refere de uma minoria lúcida
e criativa) e aponta os obstáculos que têm que ser superados para que se
verifique esse “nascimento”. Só esse primeiro volume, como se vê, já fornece
temas para anos e mais anos de estudos e de debates.
No segundo tomo,
Toynbee trata do crescimento das civilizações. Identifica quais são os fatores
que o determinam (e exclui o geográfico) e explica, fundamentando com exemplos
concretos, porque algumas sobrevivem e prosperam, enquanto outras tantas se
extinguem (muitas no nascedouro) e abortam. E ele estende um pouco mais a
análise desse colapso, não apenas das civilizações que não conseguem se
consolidar já a partir da fase inicial, mas também das que têm um sucesso
inicial, florescem, frutificam, mas que um dia se esclerosam, decaem e findam
por desaparecer (algumas sem nem ao menos deixarem vestígios da sua
existência), no volume seguinte, o terceiro.
A essa altura, o leitor
já consegue ter visão clara do processo. Fica, porém, em seu espírito uma série
de questionamentos, caso não venha a ler os outros nove livros da obra. O
quarto tomo é justamente para responder a essas indagações oriundas da leitura
dos três anteriores. Trata da desintegração das civilizações, ou seja, como ela
se dá e por quais razões. Nele Toynbee esmiúça o colapso de uma a uma, com as
competentes comprovações. Interessante é a conclusão que extrai de tudo isso. A
de que “as civilizações morrem de suicídio, e não por assassinato”, ou seja,
por causa de guerras. A essa altura, a obra já começa a adquirir a dimensão
monumental que a caracteriza.
No quinto volume, o
autor introduz o conceito de Estados Universais. Ou seja, aqueles que foram
superpotências de suas épocas e cuja influência intelectual e material persiste
através do tempo, inclusive nos dias atuais, mesmo passados séculos, se não
milênios, do seu desaparecimento. Estão, entre estes, aqueles óbvios,
fartamente conhecidos pelos que têm noção, mesmo que elementar, de História:
Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. O Egito, posto que grandioso e
importante, não chegou a ostentar “universalidade”, posto que poderoso e
importante em termos regionais (a exemplo da China e da Índia, por exemplo).
No sexto volume
(exatamente a metade da obra), Toynbee introduz outro conceito novo, que a
maioria dos historiadores não leva na devida conta, para o sucesso de
determinada civilização: Uma Igreja universal. Ele constatou que as que não a
tiveram uma (como a egípcia, a babilônica, a chinesa etc.) ou entraram em
decadência e se “cristalizaram”, deixando de evoluir, ou simplesmente
desapareceram. Aponta como religiões universais, principalmente, o Cristianismo
e o Islamismo.
O sétimo tomo trata das
tradições das várias civilizações que denomina de “Idades heróicas”. Constata
que todas tiveram ou têm as suas, umas mais e outras menos cultuadas. O oitavo
livro aborda o contato entre diversas civilizações “no mesmo espaço”
geográfico. Analisa como se relacionam, os conflitos que têm, o comércio que
mantêm, além do intercâmbio artístico e cultural, etc. O nono é uma
continuidade do anterior. Ou seja, aborda os contatos delas “no mesmo tempo”.
Os três últimos volumes
são mais analíticos e requerem muito mais reflexões do leitor. Abordam,
respectivamente: “Ritmos das histórias das civilizações (10°), “As perspectivas
da civilização ocidental” (11°) e “A inspiração dos historiadores” (12° e
último).
As principais críticas
feitas a essa obra monumental são: generalizações arbitrárias feitas pelo autor
(embora isso se trate, somente, da opinião desses críticos, não comprovada com
argumentos sólidos), alguns erros factuais (que, na verdade, existem, embora a
preocupação do autor, em nenhum momento, tenha sido a de empreender um relato
da História tradicional, mas de avaliar consequências e a importância para nós,
homens do século XXI) e a ênfase excessiva à importância das religiões (crítica
de que, igualmente, discordo, posto que respeite).
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