Saturday, June 29, 2013

O Freud “escritor”

Pedro J. Bondaczuk

As pesquisas de Sigmund Freud, que resultaram nos fundamentos da Psicanálise e, sobretudo, seus livros (sua obra completa está reunida em 24 volumes que podem ser adquiridos até pela internet, na Amazon e em outras tantas empresas de e-commerce), foram considerados, e por muito tempo, pela maior parte da classe médica, como apenas obras de ficção. Eram encaradas como Literatura e nada mais. Creio que isso se deveu, basicamente, à desinformação a propósito dos seus estudos e da lógica das suas idéias.

Claro que ser considerado escritor não é demérito para ninguém. E também não o seria para Freud. Muitos, que sequer o são, sonham em ser (provavelmente iludidos pelas supostas vantagens que esse status possa lhes conferir). Os que não davam o devido valor às suas pesquisas ignoravam (ou faziam questão de ignorar) que antes e acima de tudo, o Pai da Psicanálise era médico, com vasta experiência em tratar de pacientes, seguindo os trâmites e procedimentos característicos da sua profissão.

Quem nunca leu nenhum dos livros de Sigmund Freud questiona-me, amiúde, sempre que o assunto vem à baila, se ele era, pelo menos, bom escritor. Entendo que sim. Tinha todas as características de um competente comunicador. Era claro, meticuloso e correto na exposição das idéias. E, sobretudo, conseguia prender, com perícia e criatividade, a atenção dos leitores, mesmo dos que discordavam de suas proposições o que, convenhamos, nem sempre é fácil. Entre seus livros destaco: “A interpretação dos sonhos”, “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”, “Um caso de histeria. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos”, “Os chistes e sua relação com o inconsciente” e vai por aí afora.

Além de escrever bem, Freud tinha profundo respeito pelos escritores e, notadamente, pelos poetas. Detectei várias de suas declarações a propósito, todas respeitosas, quando não elogiosas, a esses artífices da palavra. Uma delas é esta, que considero a mais representativa: “Devem estar lembrados de que eu disse que o indivíduo que devaneia oculta cuidadosamente suas fantasias dos demais, porque sente ter razões para se envergonhar das mesmas. Devo acrescentar agora que, mesmo que ele as comunicasse para nós, o relato não nos causaria prazer. Sentiríamos repulsa, ou permaneceríamos indiferentes ao tomar conhecimento de tais fantasias. Mas quando um escritor criativo nos apresenta suas peças, ou nos relata o que julgamos ser seus próprios devaneios, sentimos um grande prazer, provavelmente originário da confluência de muitas fontes. Como o escritor o consegue constitui seu segredo mais íntimo”.

Obviamente, não foi apenas isso o que escreveu a esse respeito. Na sequência desse mesmo texto, por exemplo, Freud afirmou:  “A verdadeira ars poetica está na técnica de superar esse nosso sentimento de repulsa (aos devaneios), sem dúvida ligado às barreiras que separam cada ego dos demais. Podemos perceber dois dos métodos empregados por essa técnica. O escritor suaviza o caráter de seus devaneios egoístas por meio de alterações e disfarces, e nos suborna com o prazer puramente formal, isto é, estético, que nos oferece na apresentação de suas fantasias. Denominamos de prêmio de estímulo ou de prazer preliminar ao prazer desse gênero, que nos é oferecido para possibilitar a liberação de um prazer ainda maior, proveniente de fontes psíquicas mais profundas. Em minha opinião, todo prazer estético que o escritor criativo nos proporciona é da mesma natureza desse prazer  preliminar, e a verdadeira satisfação que usufruímos de uma obra literária procede de uma libertação de tensões em nossas mentes. Talvez até grande parte desse efeito seja devida à possibilidade que o escritor nos oferece de, dali em diante, nos deleitarmos com nossos próprios devaneios, sem auto-acusações ou vergonha. Isso nos leva ao limiar de novas e complexas investigações”.

Freud foi ainda mais longe. Constatou: “Aonde quer que eu vá, eu descubro que um poeta esteve lá antes de mim”. Ou seja, confere a esses artistas caráter de pioneirismo no entendimento das emoções e, principalmente, do que as motiva. E pensar que há tanta gente que considera  poesia coisa inútil e sem valor prático e que, por isso, não cultiva o saudável (e delicioso) hábito de ler poemas! Não sabem o que estão perdendo.

Outra constatação que fez, ainda a propósito de escritores, com a qual concordo (e por experiência própria) foi sobre o que motiva as pessoas a escreverem. Afirmou: “Ninguém escreve para ganhar fama, que, de qualquer maneira, é coisa transitória, ou para atingir a imortalidade. Seguramente, escrevemos em primeiro lugar para satisfazer alguma coisa que se acha dentro de nós, não para as outras pessoas. É claro que, quando os outros reconhecem os nossos esforços, a satisfação interior aumenta, mas, mesmo assim, escrevemos primeiramente para nós mesmos, seguindo um impulso que vem de dentro”.

Não posso jurar, óbvio, que a motivação de “todos” os escritores seja esta, ou apenas esta. Posso assegurar, todavia, que a minha é. Escrevo, basicamente, para minha própria satisfação, para, como costumo classificar (até em tom de galhofa) “exorcizar meus demônios interiores”, meu instintivo ID. Procuro ser o mais meticuloso e detalhista possível, mas não por temor do ridículo ou esperando aplausos de uma platéia que sequer conheço e provavelmente jamais conhecerei. É lógico que, se eventualmente eu conseguir fama (a positiva, sem dúvida) com meus escritos e se eles, de quebra, engordarem minha conta bancária, não serei refratário e nem ficarei indiferente a tais vantagens. Mas nenhuma delas se iguala e nem é mais atrativa do que a intraduzível satisfação íntima de haver produzido textos de primeiríssima qualidade, que passem incólumes pelo meu implacável e severíssimo crivo e dos quais eu venha a me orgulhar.


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