O Freud “escritor”
Pedro
J. Bondaczuk
As pesquisas de Sigmund
Freud, que resultaram nos fundamentos da Psicanálise e, sobretudo, seus livros
(sua obra completa está reunida em 24 volumes que podem ser adquiridos até pela
internet, na Amazon e em outras tantas empresas de e-commerce), foram
considerados, e por muito tempo, pela maior parte da classe médica, como apenas
obras de ficção. Eram encaradas como Literatura e nada mais. Creio que isso se
deveu, basicamente, à desinformação a propósito dos seus estudos e da lógica
das suas idéias.
Claro que ser
considerado escritor não é demérito para ninguém. E também não o seria para
Freud. Muitos, que sequer o são, sonham em ser (provavelmente iludidos pelas
supostas vantagens que esse status possa lhes conferir). Os que não davam o
devido valor às suas pesquisas ignoravam (ou faziam questão de ignorar) que
antes e acima de tudo, o Pai da Psicanálise era médico, com vasta experiência
em tratar de pacientes, seguindo os trâmites e procedimentos característicos da
sua profissão.
Quem nunca leu nenhum
dos livros de Sigmund Freud questiona-me, amiúde, sempre que o assunto vem à
baila, se ele era, pelo menos, bom escritor. Entendo que sim. Tinha todas as
características de um competente comunicador. Era claro, meticuloso e correto
na exposição das idéias. E, sobretudo, conseguia prender, com perícia e
criatividade, a atenção dos leitores, mesmo dos que discordavam de suas
proposições o que, convenhamos, nem sempre é fácil. Entre seus livros destaco:
“A interpretação dos sonhos”, “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”, “Um
caso de histeria. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros
trabalhos”, “Os chistes e sua relação com o inconsciente” e vai por aí afora.
Além de escrever bem, Freud tinha profundo respeito
pelos escritores e, notadamente, pelos poetas. Detectei várias de suas
declarações a propósito, todas respeitosas, quando não elogiosas, a esses
artífices da palavra. Uma delas é esta, que considero a mais representativa:
“Devem estar lembrados de que eu disse que o indivíduo que devaneia oculta
cuidadosamente suas fantasias dos demais, porque sente ter razões para se
envergonhar das mesmas. Devo acrescentar agora que, mesmo que ele as
comunicasse para nós, o relato não nos causaria prazer. Sentiríamos repulsa, ou
permaneceríamos indiferentes ao tomar conhecimento de tais fantasias. Mas
quando um escritor criativo nos apresenta suas peças, ou nos relata o que
julgamos ser seus próprios devaneios, sentimos um grande prazer, provavelmente
originário da confluência de muitas fontes. Como o escritor o consegue
constitui seu segredo mais íntimo”.
Obviamente, não foi apenas isso o que escreveu a
esse respeito. Na sequência desse mesmo texto, por exemplo, Freud afirmou: “A verdadeira ars poetica está na
técnica de superar esse nosso sentimento de repulsa (aos devaneios), sem dúvida
ligado às barreiras que separam cada ego dos demais. Podemos perceber dois dos
métodos empregados por essa técnica. O escritor suaviza o caráter de seus
devaneios egoístas por meio de alterações e disfarces, e nos suborna com o
prazer puramente formal, isto é, estético, que nos oferece na apresentação de
suas fantasias. Denominamos de prêmio de estímulo ou de prazer
preliminar ao prazer desse gênero, que nos é oferecido para possibilitar a
liberação de um prazer ainda maior, proveniente de fontes psíquicas mais
profundas. Em minha opinião, todo prazer estético que o escritor criativo nos
proporciona é da mesma natureza desse prazer
preliminar, e a verdadeira satisfação que usufruímos de uma obra
literária procede de uma libertação de tensões em nossas mentes. Talvez até
grande parte desse efeito seja devida à possibilidade que o escritor nos
oferece de, dali em diante, nos deleitarmos com nossos próprios devaneios, sem
auto-acusações ou vergonha. Isso nos leva ao limiar de novas e complexas
investigações”.
Freud foi ainda mais
longe. Constatou: “Aonde quer que eu vá, eu descubro que um poeta esteve lá
antes de mim”. Ou seja, confere a esses artistas caráter de pioneirismo no entendimento
das emoções e, principalmente, do que as motiva. E pensar que há tanta gente
que considera poesia coisa inútil e sem
valor prático e que, por isso, não cultiva o saudável (e delicioso) hábito de
ler poemas! Não sabem o que estão perdendo.
Outra constatação que
fez, ainda a propósito de escritores, com a qual concordo (e por experiência
própria) foi sobre o que motiva as pessoas a escreverem. Afirmou: “Ninguém
escreve para ganhar fama, que, de qualquer maneira, é coisa transitória, ou
para atingir a imortalidade. Seguramente, escrevemos em primeiro lugar para
satisfazer alguma coisa que se acha dentro de nós, não para as outras pessoas.
É claro que, quando os outros reconhecem os nossos esforços, a satisfação
interior aumenta, mas, mesmo assim, escrevemos primeiramente para nós mesmos,
seguindo um impulso que vem de dentro”.
Não posso jurar, óbvio,
que a motivação de “todos” os escritores seja esta, ou apenas esta. Posso
assegurar, todavia, que a minha é. Escrevo, basicamente, para minha própria satisfação,
para, como costumo classificar (até em tom de galhofa) “exorcizar meus demônios
interiores”, meu instintivo ID. Procuro ser o mais meticuloso e detalhista
possível, mas não por temor do ridículo ou esperando aplausos de uma platéia
que sequer conheço e provavelmente jamais conhecerei. É lógico que, se
eventualmente eu conseguir fama (a positiva, sem dúvida) com meus escritos e se
eles, de quebra, engordarem minha conta bancária, não serei refratário e nem
ficarei indiferente a tais vantagens. Mas nenhuma delas se iguala e nem é mais
atrativa do que a intraduzível satisfação íntima de haver produzido textos de
primeiríssima qualidade, que passem incólumes pelo meu implacável e severíssimo
crivo e dos quais eu venha a me orgulhar.
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