Intelectual observador
e premonitório
Pedro
J. Bondaczuk
A análise da obra
completa de Arnold Joseph Toynbee exigiria, de quem se propusesse a fazê-la,
muito mais do que meia dúzia de textos, como estes, de reflexão diária, por sua
vastidão e complexidade. Requer tempo, muito tempo, para o estudo acurado das
teses que propôs e para esmiuçá-las meticulosamente, de sorte a torná-las
inteligíveis ao leigo. Não me proponho,
pois, a essa tarefa (e nem poderia). Pretendo limitar-me a comentar um ou outro
tópico, e sem preocupação cronológica, embora atento à respectiva contextualização.
O leitor há de convir
que, por maior que seja a capacidade analítica do redator, é impossível a
qualquer crítico (e para isso tem que ser um intelectual sumamente culto e com
pleno conhecimento da matéria, que não é o meu caso) resumir doze alentados
volumes, como é a obra “A Study of History”, escritos ao longo de pelo menos
três décadas, em meia dúzia ou pouco mais de textos, escritos no curso de cinco
ou seis dias e tendo em mente outras tantas atividades do cotidiano.
Trago Arnold Toynbee à
baila por sua inequívoca importância intelectual e com o objetivo específico de
fornecer possíveis subsídios aos que eventualmente pretendam se aprofundar em
seu original e vasto pensamento sobre tema de tamanha relevância e nada além
disso. Para tanto, pretendo concentrar-me em sua análise da nossa atual
civilização, a Ocidental, sobre cuja decadência ele alertou mais de uma vez, e
não apenas na obra que citei, mas em outros livros, artigos, palestras e
entrevistas à imprensa.
Toynbee, com base em
suas análises, foi intuitivo e até premonitório em relação a muita coisa que
está em pleno desenvolvimento neste século XXI. Por exemplo, previu o colapso e
a extinção da União Soviética, quando a superpotência marxista ainda estava no
auge do seu poder. Não viu essa desintegração, já que ela ocorreu quase 16 anos
após sua morte (ocorrida em 22 de outubro de 1975). Apontou como causa do fim
da URSS não eventual vitória do capitalismo sobre o comunismo (que não foi, a
rigor, o que aconteceu), mas “a falta de uma religião, de uma fé mais forte”
para sustentar sua ideologia. No fundo, no fundo, essa foi, de fato, a
principal causa da ruína do império marxista. Toynbee havia escrito a
propósito: “A história demonstra
que a fé, a crença na alma e em poderes superiores é essencial para manter coesa
uma civilização”.
Outra previsão do historiador que se realizou, na verdade ainda está se
realizando neste século XXI, esta citada em seu livro “Civilização e Julgamento
e o Mundo e o Ocidente”, é que a verdadeira guerra do nosso tempo não seria,
como todos achavam, entre o capitalismo e o comunismo, mas entre cristãos e
muçulmanos. Observe-se que a referida obra foi publicada em 1950, no auge da Guerra
Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. Conflitos religiosos, então,
embora existissem (sempre existiram) não eram considerados os principais
obstáculos à paz mundial. Hoje, todavia, são.
Meu interesse pelo pensamento de Arnold Toynbee foi despertado há cerca de
40 anos. Isso se deu, por incrível que pareça, não em decorrência da leitura de
seus livros (o que apenas fiz um ou dois anos depois). Foi uma entrevista que
deu ao “Globo Repórter”, da Rede Globo, em um programa emblemático que, por uma
feliz coincidência, tive a ventura de gravar em áudio. E o que ele teve de tão
especial? Teve tudo! Foi ao ar em 1° de janeiro de 1974. Sua proposta foi a de
apresentar uma projeção para o futuro da humanidade, nos mais variados campos
de atividade. Para tanto, foram entrevistadas figuras das mais reputadas do
pensamento ocidental de então: sociólogos, cientistas políticos, antropólogos,
filósofos etc. e... o historiador Arnold Toynbee.
Fiquei impressionado com a clareza e objetividade das suas idéias e com a
ousadia das suas previsões, impressão essa que se acentuou e consolidou com a
posterior leitura dos seus livros. Naquela oportunidade, entre as várias
análises que fez da situação mundial de então, com a devida contextualização
histórica, me chamou, em especial, a atenção o que disse sobre a “explosão
tecnológica” que se verificava na ocasião e que apenas se acentuou, mais e mais
(e segue em pleno andamento).
Toynbee reconheceu a importância dos avanços da alta tecnologia (e nem
poderia deixar de fazê-lo). Mas advertiu: “O homem pode passar sem tecnologia,
mas não pode passar sem sociabilidade, porquanto, ou é um animal social, ou não
é nada. Deixa de ser humano. E é por isso, acho eu, que nós estamos nesta grave
crise, pelo que eu chamo de esforço moral, por força das conquistas
tecnológicas, que trazem poder para o bem e para o mal. E pela nossa regressão
moral, causa de todos os nossos problemas atuais”.
Na oportunidade, apontou o que entendia ser o principal problema da
humanidade: “Acho que está havendo um aumento da violência hoje em dia. Nós
temos mais notícias, mais informações, estamos mais cientes dessas
manifestações. Mas penso que mesmo deixando estes fatores de lado, está
havendo, na realidade, um grande aumento do crime por motivos econômicos. Há um
aumento na violência das pessoas oprimidas, desesperadas de qualquer saída. E,
finalmente, está existindo maior repressão pelos governos repressivos.
São três
tipos de violência que estão aumentando muito na atualidade”.
Estas declarações, lembro ao leitor, Toynbee fez no primeiro dia de 1974.
Imaginem o que diria se estivesse vivo atualmente, a esse propósito e sobre
tantos outros problemas desse nosso mundo cada vez mais tecnológico, mas cada
vez mais perigoso: mais poluído, mais superpovoado, mais depredado, mais
injusto e muito mais exclusivo, excluindo dois terços dos mais de sete bilhões
de habitantes das benesses do desenvolvimento!
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