Thursday, June 06, 2013

Intelectual observador e premonitório

Pedro J. Bondaczuk

A análise da obra completa de Arnold Joseph Toynbee exigiria, de quem se propusesse a fazê-la, muito mais do que meia dúzia de textos, como estes, de reflexão diária, por sua vastidão e complexidade. Requer tempo, muito tempo, para o estudo acurado das teses que propôs e para esmiuçá-las meticulosamente, de sorte a torná-las inteligíveis ao leigo.  Não me proponho, pois, a essa tarefa (e nem poderia). Pretendo limitar-me a comentar um ou outro tópico, e sem preocupação cronológica, embora atento à respectiva contextualização.

O leitor há de convir que, por maior que seja a capacidade analítica do redator, é impossível a qualquer crítico (e para isso tem que ser um intelectual sumamente culto e com pleno conhecimento da matéria, que não é o meu caso) resumir doze alentados volumes, como é a obra “A Study of History”, escritos ao longo de pelo menos três décadas, em meia dúzia ou pouco mais de textos, escritos no curso de cinco ou seis dias e tendo em mente outras tantas atividades do cotidiano.

Trago Arnold Toynbee à baila por sua inequívoca importância intelectual e com o objetivo específico de fornecer possíveis subsídios aos que eventualmente pretendam se aprofundar em seu original e vasto pensamento sobre tema de tamanha relevância e nada além disso. Para tanto, pretendo concentrar-me em sua análise da nossa atual civilização, a Ocidental, sobre cuja decadência ele alertou mais de uma vez, e não apenas na obra que citei, mas em outros livros, artigos, palestras e entrevistas à imprensa.

Toynbee, com base em suas análises, foi intuitivo e até premonitório em relação a muita coisa que está em pleno desenvolvimento neste século XXI. Por exemplo, previu o colapso e a extinção da União Soviética, quando a superpotência marxista ainda estava no auge do seu poder. Não viu essa desintegração, já que ela ocorreu quase 16 anos após sua morte (ocorrida em 22 de outubro de 1975). Apontou como causa do fim da URSS não eventual vitória do capitalismo sobre o comunismo (que não foi, a rigor, o que aconteceu), mas “a falta de uma religião, de uma fé mais forte” para sustentar sua ideologia. No fundo, no fundo, essa foi, de fato, a principal causa da ruína do império marxista. Toynbee havia escrito a propósito: “A história demonstra que a fé, a crença na alma e em poderes superiores é essencial para manter coesa uma civilização”.

Outra previsão do historiador que se realizou, na verdade ainda está se realizando neste século XXI, esta citada em seu livro “Civilização e Julgamento e o Mundo e o Ocidente”, é que a verdadeira guerra do nosso tempo não seria, como todos achavam, entre o capitalismo e o comunismo, mas entre cristãos e muçulmanos. Observe-se que a referida obra foi publicada em 1950, no auge da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. Conflitos religiosos, então, embora existissem (sempre existiram) não eram considerados os principais obstáculos à paz mundial. Hoje, todavia, são.

Meu interesse pelo pensamento de Arnold Toynbee foi despertado há cerca de 40 anos. Isso se deu, por incrível que pareça, não em decorrência da leitura de seus livros (o que apenas fiz um ou dois anos depois). Foi uma entrevista que deu ao “Globo Repórter”, da Rede Globo, em um programa emblemático que, por uma feliz coincidência, tive a ventura de gravar em áudio. E o que ele teve de tão especial? Teve tudo! Foi ao ar em 1° de janeiro de 1974. Sua proposta foi a de apresentar uma projeção para o futuro da humanidade, nos mais variados campos de atividade. Para tanto, foram entrevistadas figuras das mais reputadas do pensamento ocidental de então: sociólogos, cientistas políticos, antropólogos, filósofos etc. e... o historiador Arnold Toynbee.

Fiquei impressionado com a clareza e objetividade das suas idéias e com a ousadia das suas previsões, impressão essa que se acentuou e consolidou com a posterior leitura dos seus livros. Naquela oportunidade, entre as várias análises que fez da situação mundial de então, com a devida contextualização histórica, me chamou, em especial, a atenção o que disse sobre a “explosão tecnológica” que se verificava na ocasião e que apenas se acentuou, mais e mais (e segue em pleno andamento).

Toynbee reconheceu a importância dos avanços da alta tecnologia (e nem poderia deixar de fazê-lo). Mas advertiu: “O homem pode passar sem tecnologia, mas não pode passar sem sociabilidade, porquanto, ou é um animal social, ou não é nada. Deixa de ser humano. E é por isso, acho eu, que nós estamos nesta grave crise, pelo que eu chamo de esforço moral, por força das conquistas tecnológicas, que trazem poder para o bem e para o mal. E pela nossa regressão moral, causa de todos os nossos problemas atuais”.

Na oportunidade, apontou o que entendia ser o principal problema da humanidade: “Acho que está havendo um aumento da violência hoje em dia. Nós temos mais notícias, mais informações, estamos mais cientes dessas manifestações. Mas penso que mesmo deixando estes fatores de lado, está havendo, na realidade, um grande aumento do crime por motivos econômicos. Há um aumento na violência das pessoas oprimidas, desesperadas de qualquer saída. E, finalmente, está existindo maior repressão pelos governos repressivos. 
São três tipos de violência que estão aumentando muito na atualidade”.

Estas declarações, lembro ao leitor, Toynbee fez no primeiro dia de 1974. Imaginem o que diria se estivesse vivo atualmente, a esse propósito e sobre tantos outros problemas desse nosso mundo cada vez mais tecnológico, mas cada vez mais perigoso: mais poluído, mais superpovoado, mais depredado, mais injusto e muito mais exclusivo, excluindo dois terços dos mais de sete bilhões de habitantes das benesses do desenvolvimento!


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