Wednesday, June 12, 2013

Questão de sobrevivência

Pedro J. Bondaczuk

O desenvolvimento e o progresso de um país estão diretamente ligados à educação (de qualidade) e à alfabetização (a de fato e não apenas a que objetiva melhorar estatísticas de erradicação do analfabetismo, ou seja, incompleta e praticamente nula) de seus cidadãos. Certo? Certíssimo! E mais do que isso: para lá de óbvio.

Melhorar a educação, destinar verbas e recursos humanos para a sua concretização, incentivá-la e promovê-la por todos os meios possíveis e imagináveis, são medidas prioritárias (deveriam ser, e sempre, e em qualquer governo) atreladas à própria sobrevivência de um país e, claro, do Brasil.

Ouvimos isso há décadas, em campanhas eleitorais, da boca de candidatos aos vários postos eletivos. De uns tempos para cá – com eleições a cada dois anos, ora as municipais, ora as estaduais e federais – essa mensagem está cada vez mais presente nos palanques. Raros, raríssimos candidatos, não importa a quais postos, não se referem a essa necessidade nacional. Conscientes, portanto, todos estamos. Mas... entre o discurso e a prática... vai uma distância imensa, maior do que a da Via Láctea à galáxia mais próxima.

Não vou cair na tentação de recorrer à crítica fácil (via de regra irresponsável) e afirmar que a educação no Brasil piorou. Isso seria mera generalização, o que não beneficia ninguém e só abre espaço para injustiças. Para fazer esse tipo de afirmação, é necessário contar com dados concretos, palpáveis e, sobretudo, confiáveis. Confesso, todavia, que não os tenho.

Minha idade, que já é considerável, a familiaridade com a informação, em decorrência da minha profissão de jornalista e, sobretudo, a intuição, na qual deposito relativa confiança, sugere-me que, pelo menos no aspecto quantitativo, houve evolução nesse aspecto. Menos mau! Porém... O eventual progresso (que acredito ter havido) é ainda insuficiente, se não pífio.

Ademais, por questão de justiça, deve-se enfatizar que há regiões e instituições de ensino com níveis invejáveis de qualidade, que não ficam nada a dever às mais reputadas congêneres do Primeiro Mundo. Infelizmente, contudo, elas são minoria. E isso não é generalização,m mas constatação, facílima de ser feita.

A maior parte das nossas escolas, nos mais diversos níveis, ou mantém a realidade deprimente de décadas atrás, ou decaiu e se tornou pior do que era. Por uma razão prática (e até certo ponto egoística) o problema que mais me aborrece é o do analfabetismo. E por que isso? Por idealismo? Não serei cínico em afirmar que seja. Porque sou escritor.

Vivo das letras, de onde tiro minha fonte de sustento e o da família. Como vou querer que meus livros esgotem edições e mais edições, que vendam aos borbotões e se tornem best-sellers nacionais, com essa multidão de analfabetos que ainda há no País? Como pretender que essas pessoas leiam o que escrevo se elas não sabem ler? Não é, pois, nem questão de má vontade, ou de eventual custo elevado dos livros que o Brasil dispõe de tão poucos leitores. Trata-se de rigorosa impossibilidade, enquanto esses contingentes não se alfabetizarem (e por completo).

Li, não faz muito, na revista Exame, matéria assinada pelo jornalista Marco Pontes, dando conta da existência de cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais no Brasil. O leitor sabe do que se trata. Mas, à guisa de lembrança, explico que são aquelas pessoas, que as autoridades de ensino (algumas, claro) consideram “alfabetizadas”, por saberem juntar letras para formar palavras, mas... que não entendem o que estão lendo. Está claro, pois, que não sabem ler.

A leitura não consiste apenas na identificação dos signos do nosso alfabeto (ou de qualquer outro), mas em compreender o que sua soma significa e em absorver as idéias e informações transmitidas pelo redator. E cerca de 30 milhões de brasileiros, posto que oficialmente considerados “alfabetizados” e computados como tal nas estatísticas, não compreendem. Que enorme quantidade de potenciais leitores estamos perdendo!

Caso essa multidão (equivalente à população total de muitos países) tivesse a aptidão de ler, e de entender o que lêem, duvido que alguns dos meus livros encalhariam nas prateleiras das livrarias, como vêm encalhando, a despeito de todo o barulho que tenho feito na sua divulgação. E embora não me sinta (e não seja) um Machado de Assis, ou algo que o valha, a qualidade do que escrevo (e meus leitores habituais sabem disso), se não é excepcional, também não é sequer medíocre. Sem falsa modéstia, afirmo, e sem receio de contestação, que é acima da média.

O analfabetismo absoluto (aquele que a pessoa não consegue sequer identificar as letras, quanto mais formar palavras) até que caiu, de 2009 para 2011 (não tenho dados mais recentes). Recuou de 9,7% para 8,6%. Todavia, o fato de existirem cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais no Brasil não refresca nada a situação dos que vivem (melhor diria, sobrevivem) de textos. E não estou sequer levando em consideração os milhões e milhões de indivíduos que sabem ler, mas detestam a leitura.

Essa é uma questão que, embora possa não parecer (ou que eventualmente não venhamos a nos dar conta), nos diz respeito diretamente. Se não for por idealismo (e se houver uma pontinha de ideal, tanto melhor), que seja, apenas, por interesse pessoal. O fato é que, até por questão de lógica, devemos nos empenhar ao máximo para erradicar o analfabetismo do País, mas sem esquecer do “funcional” – que na atualidade tem o dobro de pessoas do absoluto – se quisermos que nossa atividade pelo menos sobreviva. E não tenham dúvidas: eu quero, e muito que isso aconteça.


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