Questão
de sobrevivência
Pedro J. Bondaczuk
O
desenvolvimento e o progresso de um país estão diretamente ligados à educação
(de qualidade) e à alfabetização (a de fato e não apenas a que objetiva
melhorar estatísticas de erradicação do analfabetismo, ou seja, incompleta e
praticamente nula) de seus cidadãos. Certo? Certíssimo! E mais do que isso:
para lá de óbvio.
Melhorar
a educação, destinar verbas e recursos humanos para a sua concretização,
incentivá-la e promovê-la por todos os meios possíveis e imagináveis, são
medidas prioritárias (deveriam ser, e sempre, e em qualquer governo) atreladas
à própria sobrevivência de um país e, claro, do Brasil.
Ouvimos
isso há décadas, em campanhas eleitorais, da boca de candidatos aos vários
postos eletivos. De uns tempos para cá – com eleições a cada dois anos, ora as
municipais, ora as estaduais e federais – essa mensagem está cada vez mais
presente nos palanques. Raros, raríssimos candidatos, não importa a quais
postos, não se referem a essa necessidade nacional. Conscientes, portanto,
todos estamos. Mas... entre o discurso e a prática... vai uma distância imensa,
maior do que a da Via Láctea à galáxia mais próxima.
Não
vou cair na tentação de recorrer à crítica fácil (via de regra irresponsável) e
afirmar que a educação no Brasil piorou. Isso seria mera generalização, o que
não beneficia ninguém e só abre espaço para injustiças. Para fazer esse tipo de
afirmação, é necessário contar com dados concretos, palpáveis e, sobretudo,
confiáveis. Confesso, todavia, que não os tenho.
Minha
idade, que já é considerável, a familiaridade com a informação, em decorrência
da minha profissão de jornalista e, sobretudo, a intuição, na qual deposito
relativa confiança, sugere-me que, pelo menos no aspecto quantitativo, houve
evolução nesse aspecto. Menos mau! Porém... O eventual progresso (que acredito
ter havido) é ainda insuficiente, se não pífio.
Ademais,
por questão de justiça, deve-se enfatizar que há regiões e instituições de
ensino com níveis invejáveis de qualidade, que não ficam nada a dever às mais
reputadas congêneres do Primeiro Mundo. Infelizmente, contudo, elas são
minoria. E isso não é generalização,m mas constatação, facílima de ser feita.
A
maior parte das nossas escolas, nos mais diversos níveis, ou mantém a realidade
deprimente de décadas atrás, ou decaiu e se tornou pior do que era. Por uma
razão prática (e até certo ponto egoística) o problema que mais me aborrece é o
do analfabetismo. E por que isso? Por idealismo? Não serei cínico em afirmar
que seja. Porque sou escritor.
Vivo
das letras, de onde tiro minha fonte de sustento e o da família. Como vou
querer que meus livros esgotem edições e mais edições, que vendam aos borbotões
e se tornem best-sellers nacionais, com essa multidão de analfabetos que ainda
há no País? Como pretender que essas pessoas leiam o que escrevo se elas não
sabem ler? Não é, pois, nem questão de má vontade, ou de eventual custo elevado
dos livros que o Brasil dispõe de tão poucos leitores. Trata-se de rigorosa
impossibilidade, enquanto esses contingentes não se alfabetizarem (e por
completo).
Li,
não faz muito, na revista Exame, matéria assinada pelo jornalista Marco Pontes,
dando conta da existência de cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais no
Brasil. O leitor sabe do que se trata. Mas, à guisa de lembrança, explico que
são aquelas pessoas, que as autoridades de ensino (algumas, claro) consideram
“alfabetizadas”, por saberem juntar letras para formar palavras, mas... que não
entendem o que estão lendo. Está claro, pois, que não sabem ler.
A
leitura não consiste apenas na identificação dos signos do nosso alfabeto (ou
de qualquer outro), mas em compreender o que sua soma significa e em absorver
as idéias e informações transmitidas pelo redator. E cerca de 30 milhões de
brasileiros, posto que oficialmente considerados “alfabetizados” e computados
como tal nas estatísticas, não compreendem. Que enorme quantidade de potenciais
leitores estamos perdendo!
Caso
essa multidão (equivalente à população total de muitos países) tivesse a aptidão
de ler, e de entender o que lêem, duvido que alguns dos meus livros encalhariam
nas prateleiras das livrarias, como vêm encalhando, a despeito de todo o
barulho que tenho feito na sua divulgação. E embora não me sinta (e não seja)
um Machado de Assis, ou algo que o valha, a qualidade do que escrevo (e meus
leitores habituais sabem disso), se não é excepcional, também não é sequer
medíocre. Sem falsa modéstia, afirmo, e sem receio de contestação, que é acima
da média.
O
analfabetismo absoluto (aquele que a pessoa não consegue sequer identificar as
letras, quanto mais formar palavras) até que caiu, de 2009 para 2011 (não tenho
dados mais recentes). Recuou de 9,7% para 8,6%. Todavia, o fato de existirem
cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais no Brasil não refresca nada a
situação dos que vivem (melhor diria, sobrevivem) de textos. E não estou sequer
levando em consideração os milhões e milhões de indivíduos que sabem ler, mas
detestam a leitura.
Essa
é uma questão que, embora possa não parecer (ou que eventualmente não venhamos
a nos dar conta), nos diz respeito diretamente. Se não for por idealismo (e se
houver uma pontinha de ideal, tanto melhor), que seja, apenas, por interesse
pessoal. O fato é que, até por questão de lógica, devemos nos empenhar ao
máximo para erradicar o analfabetismo do País, mas sem esquecer do “funcional”
– que na atualidade tem o dobro de pessoas do absoluto – se quisermos que nossa
atividade pelo menos sobreviva. E não tenham dúvidas: eu quero, e muito que
isso aconteça.
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