Tuesday, June 18, 2013

Porque os russos não querem se retirar

 Pedro J. Bondaczuk
  
Ao contrário do que aconteceu nas duas reuniões de cúpula anteriores, entre o presidente norte-americano Ronald Reagan e o líder soviético Mikhail Gorbachev (em 19 e 20 de novembro de 1985 em Genebra e em 10 e 11 de outubro em Reykjavik, na Islândia), onde o projeto Guerra nas Estrelas foi a grande pedra no meio do caminho para o entendimento entre as superpotências, no encontro encerrado anteontem em Washington, isso não ocorreu.

O obstáculo, desta feita, foi um tema regional, que se arrasta por quase oito anos, sem solução à vista: o Afeganistão. A URSS bem que gostaria de retirar seus soldados desse país, considerado, hoje, o mais pobre e o que detém os piores parâmetros sociais do mundo.

No entanto, a superpotência do Oriente tem, neste instante, o mesmo dilema que os Estados Unidos já tiveram na década passada no Vietnã. Não quer abandonar o campo de luta com a impressão de capitulação. E não apenas por uma questão de orgulho nacional, no seu caso específico, mas por fortes razões estratégicas. Como se sabe, o Afeganistão confronta com várias Repúblicas soviéticas de predominância de povos de crença muçulmana.

Aliás, Moscou, preocupada com a alta taxa de natalidade de sua população asiática e a diminuta da sua parte européia, está estimulando esta última a gerar mais filhos. Nesta semana, a agência Tass anunciou, em tom triunfante, que na Estônia, pela primeira vez em muitos anos, o número de habitantes está crescendo e não mais se tornando progressivamente menor como ocorria anteriormente.

A guerrilha afegã, por outro lado, sofre fortíssima influência dos xiitas do Irã. Recebe suas armas, inclusive, pelo território iraniano  (além do paquistanês, logicamente). O Cremlin, com certeza, teme uma infecção das idéias de Khomeini nessa miserável República, que permaneceu virtualmente esquecida do mundo até que os russos entrassem ruidosamente em seu território, com 115 mil soldados, dois dias após o Natal de 1979.

Já imaginaram o fanatismo dos fundamentalistas invadindo as Repúblicas a Leste do Cáucaso e da orla do Mar Cáspio?! Dificilmente os soviéticos conseguiriam restabelecer a ordem nessas suas unidades federativas. E seria um caos.

Por isso, Gorbachev deseja uma garantia de que, caso retire suas forças do território afegão, não venha a correr esse risco. Quer que esse país seja estritamente não-alinhado, o que nos parece, no mundo de hoje, não mais do que mera utopia dos burocratas do PC da URSS.

Vai chegar, contudo, um momento em que a retirada terá que acontecer. Não para agradar o presidente Reagan ou quem quer que seja. Não por temor de ameaças norte-americanas ou chinesas. A própria reforma interna que Gorbachev está promovendo, vem dando mais voz à população soviética para protestar contra tudo o que a desagrade. E quem é que vai entender a necessidade de ter filho, marido ou irmão morrendo numa guerra estúpida, em uma republiqueta miserável e montanhosa dos remotos confins da Ásia?!

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 12 de dezembro de 1987).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: