Porque os russos
não querem se retirar
Pedro J. Bondaczuk
Ao contrário do que aconteceu nas duas reuniões de cúpula
anteriores, entre o presidente norte-americano Ronald Reagan e o líder
soviético Mikhail Gorbachev (em 19 e 20 de novembro de 1985 em Genebra e em 10
e 11 de outubro em Reykjavik, na Islândia), onde o projeto Guerra nas Estrelas
foi a grande pedra no meio do caminho para o entendimento entre as
superpotências, no encontro encerrado anteontem em Washington, isso não
ocorreu.
O obstáculo, desta feita, foi um tema regional, que
se arrasta por quase oito anos, sem solução à vista: o Afeganistão. A URSS bem
que gostaria de retirar seus soldados desse país, considerado, hoje, o mais
pobre e o que detém os piores parâmetros sociais do mundo.
No entanto, a superpotência do Oriente tem, neste
instante, o mesmo dilema que os Estados Unidos já tiveram na década passada no
Vietnã. Não quer abandonar o campo de luta com a impressão de capitulação. E
não apenas por uma questão de orgulho nacional, no seu caso específico, mas por
fortes razões estratégicas. Como se sabe, o Afeganistão confronta com várias
Repúblicas soviéticas de predominância de povos de crença muçulmana.
Aliás, Moscou, preocupada com a alta taxa de
natalidade de sua população asiática e a diminuta da sua parte européia, está
estimulando esta última a gerar mais filhos. Nesta semana, a agência Tass
anunciou, em tom triunfante, que na Estônia, pela primeira vez em muitos anos,
o número de habitantes está crescendo e não mais se tornando progressivamente
menor como ocorria anteriormente.
A guerrilha afegã, por outro lado, sofre fortíssima
influência dos xiitas do Irã. Recebe suas armas, inclusive, pelo território
iraniano (além do paquistanês,
logicamente). O Cremlin, com certeza, teme uma infecção das idéias de Khomeini
nessa miserável República, que permaneceu virtualmente esquecida do mundo até
que os russos entrassem ruidosamente em seu território, com 115 mil soldados,
dois dias após o Natal de 1979.
Já imaginaram o fanatismo dos fundamentalistas
invadindo as Repúblicas a Leste do Cáucaso e da orla do Mar Cáspio?!
Dificilmente os soviéticos conseguiriam restabelecer a ordem nessas suas
unidades federativas. E seria um caos.
Por isso, Gorbachev deseja uma garantia de que, caso
retire suas forças do território afegão, não venha a correr esse risco. Quer
que esse país seja estritamente não-alinhado, o que nos parece, no mundo de
hoje, não mais do que mera utopia dos burocratas do PC da URSS.
Vai chegar, contudo, um momento em que a retirada terá
que acontecer. Não para agradar o presidente Reagan ou quem quer que seja. Não
por temor de ameaças norte-americanas ou chinesas. A própria reforma interna
que Gorbachev está promovendo, vem dando mais voz à população soviética para
protestar contra tudo o que a desagrade. E quem é que vai entender a
necessidade de ter filho, marido ou irmão morrendo numa guerra estúpida, em uma
republiqueta miserável e montanhosa dos remotos confins da Ásia?!
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 12 de dezembro de
1987).
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