Filósofo da História
Pedro
J. Bondaczuk
Os “rótulos”, quer
aplicados a pessoas, quer a organizações, atividades etc., por mais precisos
que pareçam, nem sempre (ou quase nunca) caracterizam com exatidão quem ou o
que pretendemos caracterizar. É melhor que não os usemos. É o caso específico
de Arnold Joseph Toynbee (e não é mero capricho citar seu segundo nome, já que
ele o distingue de seu ilustre tio, homônimo, um dos grandes economistas
ingleses do século XIX). Sempre que mencionado, é caracterizado como
“historiador”. Sem nenhum demérito a esses “repórteres do passado”, não é
correto, porém, caracterizar Toynbee dessa maneira.
Caso a utilização de
algum “rótulo” fosse necessária no seu caso (entendo que não é), eu o
classificaria como “Filósofo da História”. Mesmo que não rigorosamente exato, é
o que mais se aproxima do que ele de fato foi. Sua mãe – mulher cultíssima e em
uma época em que o papel feminino restringia-se à geração e criação dos filhos
e à administração do lar – sim era historiadora e das mais lúcidas e
brilhantes. Toynbee, em nenhum de seus livros, limitou-se à narrativa
histórica. Aliás, inúmeras vezes declarou que isso era uma atividade trivial,
desimportante, de pouco significado. Chamava esse procedimento de
“industrialização da História”.
O que se propôs a
fazer, e fez, foi estudar a gênese, o desenvolvimento, estagnação (em alguns
casos), evolução, decadência e extinção das várias civilizações (identificou
21, das quais quatro, no seu entender, permanecem “imobilizadas”) buscando
chegar às causas e determinar as conseqüências de todo esse processo. E isso
não é “fazer” História, no sentido usual, mas estudá-la, esmiuçá-la, detalhá-la
e analisá-la sob um ponto de vista que considero “científico”. Portanto, o
rótulo que lhe apõem, o de historiador, embora não o desmereça em nada, é
rigorosamente incorreto.
Toynbee nomeou, à sua
maneira, as 21 civilizações que detectou da seguinte forma: a ocidental, duas
cristãs-ortodoxas (na Rússia e no Oriente Próximo), a irânica, a sínica, a
árabe, a hindu, duas do Extremo Oriente, a helênica, a siríaca, a índica, a
minóica, a sumérica, a hitita, a babilônica, a andina, a mexicana, a iucateca,
a maia e a egipcíaca. E as quatro que entendia estarem imobilizadas, ou seja,
estagnadas e prestes a desaparecer: a esquimó, a nomádica, a otomana e a
espartana. Os nomes que o ilustre intelectual deu a essas civilizações é um
tanto pitoresco e foge, como se vê, dos padrões usuais.
Outro rótulo aposto a
Toynbee, do qual também discordo, é o da sua caracterização política. Ele é
identificado pela maioria dos que analisam seu pensamento, exposto em sua vasta
obra, como conservador, ou seja, como sendo de direita. Embora muitas de suas
idéias e ações nos induzam a classificá-lo com tal, outras tantas diferem, e
muito, desse figurino e chegam a ser até revolucionárias. Voltaire Schilling
enfatiza, na análise que fez a propósito no site Educaterra (HTTP://educaterra.terra.com.br)
que ele “foi uma exceção no século XX. Alguém que remou contra as ondas da sua
época”. Concordo plenamente com essa conclusão.
Schilling lembrou que
Simone de Beauvoir o colocou com destaque em seu livro “O pensamento de
Direita, hoje” como expoente do conservadorismo. Discordo, todavia, da
colocação da escritora, que aliás admiro, mas que neste caso específico, a meu
ver, se equivocou. Outro aspecto enfatizado por Schilling e que também pude
constatar é o da forma literária (e de Literatura de primeira) com que Toynbee
explanou suas complexas idéias, de sorte a torná-las acessíveis ao leigo
razoavelmente informado.
Seu estilo de narração
é de dar inveja aos mais festejados e consagrados ficcionistas, prendendo a
atenção do leitor em temas teoricamente áridos, insípidos e pouco atrativos.
Aliou a esse talento narrativo uma erudição poucas vezes igualada por qualquer
intelectual, principalmente de filósofos, habituados a esbanjar e abusar de
jargões característicos da disciplina, ao alcance, apenas, de um punhado de
iniciados.
Muitos, com base em
suas previsões (na verdade, são conclusões) sobre a decadência da civilização
ocidental consideram-no pessimista. Ledo engano. Toynbee nunca deixou de
acreditar na racionalidade humana e na eficácia da ciência. Entendo que nesse
aspecto (e olhem que sou tido e havido como incorrigível otimista), sua visão é
até um tanto romântica, num clato paradoxo com a objetividade que mostra em seu
“A Study in History”.
No Globo Repórter de 1°
de janeiro de 1974, que citei em textos anteriores, ele explicitou, por
exemplo, como a humanidade pode se livrar do que ele entendia (e eu também
entendo) como seu principal problema: “O homem poderá descobrir uma saída desta
armadilha de violência em que caiu só com uma mudança em seu coração. Só
através do que eu chamaria de uma revolução religiosa, no verdadeiro sentido da
palavra. Só desistindo dos objetivos da sociedade industrial, que começou na
Grã-Bretanha, e trocando-os pelos de São Francisco de Assis, que foram
estabelecidos há setecentos anos”.
Na sequência, explicou
no que consistiria essa “troca”: “Há uma coisa, hoje, na América, chamada de
‘boa vida’, o que significa uma existência material luxuosa, comodista,
opulenta. Isso é o que São Francisco de Assis recusou, porque ele temia pelo
Ocidente, com grande antevisão. Esta era uma idéia do seu pai, que foi um dos
primeiros atacadistas de roupas e fez fortuna. Nós precisamos voltar a São
Francisco. E isso será extremamente difícil para o mundo ocidental
contemporâneo e para os ocidentalizados, como os soviéticos e japoneses, porque
nós estamos no extremo oposto. É por isso que imagino que a transição será
extremamente dolorosa. E nós nem sabemos se seremos capazes de conseguir isso,
sem que haja um desastre completo”. Como se vê, é uma lúcida e coerente análise
de um magnífico filósofo da História.
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