Sunday, June 02, 2013

Um dos construtores de São Paulo

Pedro J. Bondaczuk

O padre José de Anchieta foi morar e lecionar no Colégio do Planalto de Piratininga – embrião da futura cidade de São Paulo – exatamente cinco meses após o início da sua construção. A princípio foi instalado em uma rústica casa de pau a pique, coberta de palhas, que em fins de agosto de 1553 o cacique Tibiriçá e seus comandados ergueram, atendendo solicitação do padre Manoel da Nóbrega.

Aquela mesma casinha, a primeira a ser erguida nos arredores do futuro Colégio, fez as vezes de capela quando, na ensolarada manhã de 25 de janeiro de 1554, data em que a Igreja Católica celebra o chamado “Apóstolo dos Gentios”, o padre Manuel de Paiva celebrou a primeira missa e abençoou o local que abrigaria a nova povoação. Para todos os efeitos, essa data foi estabelecida como a de fundação da cidade de São Paulo. A igreja dos jesuítas seria construída, e inaugurada, somente pouco menos de três anos depois, em novembro de 1556.

Na sua construção – bem como na do próprio Colégio – José de Anchieta trabalhou e trabalhou duro. Não me refiro a tarefas meramente burocráticas, de administração da obra, ou comandando grupos de operários. O jovem sacerdote pegou “no pesado” (como se diz popularmente) mesmo. Trabalhou, e muito, e em sentido literal, exercendo trabalho braçal. No auge do vigor físico, com pouco mais que 21 anos de idade, o sacerdote gozava de excelente saúde. Era forte, resistente e suportava muito bem os mais pesados trabalhos. E esse seu invejável vigor foi de imensa utilidade na empreitada, em que se destacou, reitero, como operário, pintando paredes, carregando enormes quantidades de terra e cumprindo várias outras tarefas rudes, como os demais trabalhadores.

Não é, pois, nenhum exagero afirmar que, se Anchieta não foi fundador de São Paulo, honra que coube ao seu superior hierárquico, Manoel da Nóbrega, foi, literalmente, um dos seus construtores. Os recursos existentes na época, no setor de construção, eram dos mais rudimentares, mesmo nas mais avançadas metrópoles européias. Tudo dependia da força do braço dos operários, desde a fabricação de tijolos, da lavra de pedras, do corte de árvores, da fabricação de vigas e da busca de outros tantos materiais necessários, até a própria ereção das paredes, do telhado, do piso etc.etc.etc. Imaginem, então, o desafio que era construir qualquer tipo de edifício, mesmo que mera cabana de pau a pique, naqueles remotos ermos, naquela selva bruta e perigosa, naqueles inexplorados recantos de uma terra recém-descoberta! Afinal, fazia pouco mais de cinqüenta anos, apenas, que Cabral havia descoberto esse imenso território abaixo da linha do equador que viria a se constituir no Brasil.

José de Anchieta era um visionário, um idealista, um sonhador, todavia, antes de tudo, era homem prático e de ação. Não se limitava a idealizar ou a sonhar, mas arregaçava as mangas e se empenhava de verdade para concretizar seu sonho. Somente essas virtudes seriam capazes de explicar tamanha determinação e tanto esforço, sem esperar qualquer tipo de reconhecimento, para ajudar pessoas que acabara de conhecer. Anchieta estava consciente da necessidade que aquela gente atrasada e primitiva, ainda sob o domínio de bárbaras crenças, de práticas pagãs e de toda a sorte de superstições, tinha de instrução, mesmo que da mais rudimentar e primária que, para ela, no entanto, significava fantástica evolução civilizatória.

Esse trabalho imenso, estafante e admirável foi coroado de êxito. No dia de “Todos os Santos”, em 1° de novembro de 1556, foi inaugurada a Igreja do Colégio – como passou doravante a ser conhecida – com missa solene, em que foi consagrada e entregue ao culto dos fiéis. Por essa razão, é injusto e, inclusive, inverdade histórica, não se considerar José de Anchieta – um dos alicerces, se não a viga mestra do embrião que originaria a cidade de São Paulo – como um dos construtores, de dos mais importantes (que de fato foi) desta que é hoje a terceira metrópole mais populosa do mundo. Os paulistanos, de todos tempos e idades, devem, portanto, muito a este notável idealista.


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