Wednesday, June 26, 2013

O cerne da personalidade

Pedro J. Bondaczuk

O “Pai da Psicanálise”, Sigmund Freud, em seus estudos da racionalidade humana – e de seus desvios, ou seja, da irracionalidade – identificou, (recapitulemos o que já refletimos juntos até aqui),  três níveis de consciência. Denominou-os, como já informei, de “ID”, “Ego” e “Superego”. Na sequência, resumi no que consiste esse primeiro substrato. Em poucas palavras, é, de acordo com Freud, a fonte de energia psíquica, que se pode chamar de “libido”. É completamente inconsciente. Caracteriza-se pelos impulsos, motivações e desejos mais primitivos e selvagens do ser humano. É nesse substrato que se localizam as pulsões de vida e de morte. É irracional. Não faz planos, não espera, não admite frustrações e não tem nenhuma inibição. Funciona, exclusivamente, tendo por objetivos a busca do prazer (não importa por quais meios) e a fuga da dor.

Pois bem, o nível seguinte da consciência que Freud identificou é o “Ego” (em alemão, “ich” ou eu). Desenvolve-se a partir do ID e atua como uma espécie de censor deste. Define se os impulsos e desejos irracionais e instintivos são factíveis ou não, se são positivos ou destrutivos (da própria pessoa e de terceiros), de acordo com o mundo externo, ou seja, com o “princípio da realidade”.

O Ego não é totalmente consciente, porquanto conta com mecanismos de defesa que integram um nível do inconsciente. É certo que a maior parte dos seus processos são conscientes. Nem todos, no entanto, o são. Freud chegou a esta conclusão ao observar que em certas ocasiões alguns desejos instintivos procedentes do Id são rejeitados ou reprimidos por esse substrato da mente sem que o sujeito sequer tenha consciência ou dos desejos ou da sua rejeição ou repressão. É mediante o princípio da realidade que o Ego introduz, em nosso comportamento, a razão, o planejamento e a espera.

Sua principal função é a de buscar harmonizar os desejos do ID e sua possibilidade de concretização, sem se chocar com as exigências do Superego. Atua como mediador, como facilitador da interação entre o nível primitivo e instintivo da consciência e as circunstâncias do mundo externo.   É nesse substrato que estão as funções básicas da racionalidade humana, como as da percepção, do conhecimento, da linguagem e da aprendizagem. Ou seja, todos os recursos através dos quais o homem se adapta ao meio ambiente.

Seu próprio nome (Ego, ou “Eu”) sugere do que se trata. É o que chamamos, comumente, de “personalidade”. É o que nos caracteriza e nos faz ser o que somos. Ou seja, originais e únicos. Freud imaginava constante luta interna, dentro da nossa mente. O ego é continuamente pressionado por forças contrárias insistentes. Por um lado, tem que tentar retardar os ímpetos agressivos e sexuais do ID. Compete-lhe perceber e manipular a realidade para aliviar a tensão resultante. Mas tem que lidar, também, com a busca do superego pela perfeição. E, quando é pressionado demais por essas duas forças, quase sempre antagônicas, o resultado é a condição definida por Freud como “ansiedade”.

É relativamente fácil ao psicanalista distinguir um ego amadurecido de um infantil e neurótico. No primeiro caso, ele não se assusta com os desejos do ID, selvagens, instintivos e irracionais, que não medem conseqüências, assim que se cientifica deles. Analisa-os à luz da realidade e, se forem positivos e factíveis, se forem racionais, os satisfaz. Caso contrário, elimina-os. Já o Ego infantil ou neurótico resiste em sequer trazer esses desejos do ID à consciência, sem o menor julgamento ou análise. Defende-se contra eles através da repressão (recalque) e de outros tantos mecanismos. E, com isso, torna-se fonte de desarranjos mentais, que se refletem, invariavelmente, no corpo.

Freud aconselhou, certa feita, as pessoas a agirem da seguinte maneira: “Volte seus olhos para dentro, contemple suas próprias profundezas, aprenda primeiro a conhecer-se! Então, compreenderá por que está destinado a ficar doente e, talvez, evite adoecer no futuro”. Quando fez essa recomendação, estava pensando, óbvio, na atuação do Ego.

Notaram o quanto somos complexos? Perceberam o quão difícil, posto que necessária (diria indispensável) é a busca do conhecimento mais importante que devemos perseguir incansavelmente, que é o autoconhecimento? Contudo, ao tentarmos fazê-lo, certamente chegaremos à mesma conclusão de Sigmund Freud, a que o levou a exclamar: “Cada pessoa é um abismo!. Dá vertigem olhar dentro delas!”. Pode dar vertigem, de fato, mas... considero que aceitar esse desafio é um ato de coragem e de grandeza que nos caracteriza como “homens” em seu sentido mais amplo.


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