Saturday, June 01, 2013

Relações deterioradas

Pedro J. Bondaczuk

A reunião de cúpula que o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev, vão realizar, dentro de exatos sete dias, em Genebra, tem mais obstáculos do que o leigo pode imaginar para produzir qualquer efeito benéfico, prático e imediato. As divergências a serem superadas são tão grandes, que nem mesmo a agenda completa do encontro ainda foi definida por ambas as partes. E pelo visto, o tradicional comunicado conjunto, geralmente emitido após esse tipo de acontecimento, desta vez não vai sair.

Mas será que apenas seis anos, que é o tempo que separa essa reunião de uma similar, realizada em Viena, na Áustria, entre o ex-presidente Jimmy Carter e o ex-líder soviético Leonid Brezhnev, foram suficientes para separar tanto assim as superpotências? Evidentemente foram, e por várias razões. Até a metade de 1979, por exemplo, as tropas russas ainda não haviam invadido o Afeganistão, fato que lhe valeu, assim que a agressão se concretizou, as maiores reprimendas e condenações internacionais (inclusive de seus próprios dissidentes internos, como Andrei Sakharov). Não havia, portanto, esse obstáculo até a realização daquele encontro. Em contrapartida, os Estados Unidos ainda não tinham anunciado a instalação, em cinco países europeus (Grã-Bretanha, Alemanha Ocidental, Bélgica, Holanda e Itália) de 572 mísseis de teatro das séries "Cruise" e Pershing-II, para contrabalançar com os similares SS-18 e SS-20 russos. Isto aconteceria somente alguns meses após o desastrado presidente norte-americano e o então já senil líder do Cremlin terem protagonizado uma inexpressiva reunião, tão sem importância na ordem geral das coisas, que em raras ocasiões foi mencionada por quem quer que seja. Foi exumada apenas agora, às vésperas de uma (esta sim, pelas circunstâncias que envolve e pelos protagonistas do diálogo, de suma importância) outra. considerada decisiva no sentido de deter uma alucinante corrida armamentista.

Mas não são apenas os dois fatos mencionados acima, que ainda não haviam acontecido quando os condutores das superpotências se reuniram pela última vez, os grandes obstáculos para que Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev cheguem a algum acordo em Genebra, na próxima semana. Muitas outras questões vieram somar-se a ambas nesse curto espaço de tempo, criando um clima de aberto confronto entre os países mais poderosos da Terra. Em 1979, por exemplo, a Nicarágua não era encarada ainda da forma como é agora. Tanto, que o Congresso norte-americano chegou a aprovar uma ajuda para a reconstrução daquele país nesse ano. A guerra civil salvadorenha estava, apenas, sendo "fermentada" nos bastidores e só explodiria três meses após o golpe dos coronéis, que depuseram o general Romero em novembro daquele ano. O Solidariedade não havia sido criado na Polônia e nem os Estados Unidos tinham invadido Granada.

Todas essas ocorrências (entre tantas, que seria enfadonho enumerar) foram se acumulando, dia após dia, mês após mês, ano após ano, tecendo uma terrível trama, uma sucessão de amarras e nós, que irge agora desatar, se é que existe algum desejo sincero de se evitar uma confrontação nuclear que, mantidas as condições atuais, é só uma questão de tempo para acontecer. Não é por casualidade que "o relógio do doomsday", da destruição final, criado pelo Scientist Bulletin e que avança e recua seus ponteiros de conformidade com os fatos mundiais (sob a responsabilidade dos maiores entendidos do mundo na matéria) esteja marcando, atualmente, três minutos para a meia-noite. É a marca mais próxima do nosso momento final desde que esse controle começou a ser feito na década de 50. O clima de aparente cordialidade registrado nos últimos dias soa a algo forçado, falso, para consumo propagandístico, feito mais de esperanças do que de uma concreta distensão.

Cinqüenta mil ogivas separam as superpotências do entendimento, praticamente uma para cada cidade de porte grande ou médio do Planeta. O estopim está montado, esperando apenas uma fagulha, mesmo que acidental, para produzir a impensável explosão. Por isso é que se teme tanto pelo insucesso desse encontro que, tudo leva a crer, tende a se transformar num mero show de estrelismo. A menos que prevaleça uma mínima centelha de bom senso em ambas as partes.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 12 de novembro de 1985)


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