Relações deterioradas
Pedro J. Bondaczuk
A
reunião de cúpula que o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o
secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev,
vão realizar, dentro de exatos sete dias, em Genebra, tem mais obstáculos do
que o leigo pode imaginar para produzir qualquer efeito benéfico, prático e
imediato. As divergências a serem superadas são tão grandes, que nem mesmo a
agenda completa do encontro ainda foi definida por ambas as partes. E pelo visto,
o tradicional comunicado conjunto, geralmente emitido após esse tipo de
acontecimento, desta vez não vai sair.
Mas
será que apenas seis anos, que é o tempo que separa essa reunião de uma
similar, realizada em Viena, na Áustria, entre o ex-presidente Jimmy Carter e o
ex-líder soviético Leonid Brezhnev, foram suficientes para separar tanto assim
as superpotências? Evidentemente foram, e por várias razões. Até a metade de
1979, por exemplo, as tropas russas ainda não haviam invadido o Afeganistão,
fato que lhe valeu, assim que a agressão se concretizou, as maiores reprimendas
e condenações internacionais (inclusive de seus próprios dissidentes internos,
como Andrei Sakharov). Não havia, portanto, esse obstáculo até a realização
daquele encontro. Em contrapartida, os Estados Unidos ainda não tinham
anunciado a instalação, em cinco países europeus (Grã-Bretanha, Alemanha
Ocidental, Bélgica, Holanda e Itália) de 572 mísseis de teatro das séries
"Cruise" e Pershing-II, para contrabalançar com os similares SS-18 e
SS-20 russos. Isto aconteceria somente alguns meses após o desastrado
presidente norte-americano e o então já senil líder do Cremlin terem
protagonizado uma inexpressiva reunião, tão sem importância na ordem geral das
coisas, que em raras ocasiões foi mencionada por quem quer que seja. Foi
exumada apenas agora, às vésperas de uma (esta sim, pelas circunstâncias que
envolve e pelos protagonistas do diálogo, de suma importância) outra.
considerada decisiva no sentido de deter uma alucinante corrida armamentista.
Mas
não são apenas os dois fatos mencionados acima, que ainda não haviam acontecido
quando os condutores das superpotências se reuniram pela última vez, os grandes
obstáculos para que Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev cheguem a algum acordo em
Genebra, na próxima semana. Muitas outras questões vieram somar-se a ambas
nesse curto espaço de tempo, criando um clima de aberto confronto entre os
países mais poderosos da Terra. Em 1979, por exemplo, a Nicarágua não era
encarada ainda da forma como é agora. Tanto, que o Congresso norte-americano
chegou a aprovar uma ajuda para a reconstrução daquele país nesse ano. A guerra
civil salvadorenha estava, apenas, sendo "fermentada" nos bastidores
e só explodiria três meses após o golpe dos coronéis, que depuseram o general
Romero em novembro daquele ano. O Solidariedade não havia sido criado na
Polônia e nem os Estados Unidos tinham invadido Granada.
Todas
essas ocorrências (entre tantas, que seria enfadonho enumerar) foram se
acumulando, dia após dia, mês após mês, ano após ano, tecendo uma terrível
trama, uma sucessão de amarras e nós, que irge agora desatar, se é que existe
algum desejo sincero de se evitar uma confrontação nuclear que, mantidas as
condições atuais, é só uma questão de tempo para acontecer. Não é por
casualidade que "o relógio do doomsday", da destruição final, criado
pelo Scientist Bulletin e que avança e recua seus ponteiros de conformidade com
os fatos mundiais (sob a responsabilidade dos maiores entendidos do mundo na
matéria) esteja marcando, atualmente, três minutos para a meia-noite. É a marca
mais próxima do nosso momento final desde que esse controle começou a ser feito
na década de 50. O clima de aparente cordialidade registrado nos últimos dias
soa a algo forçado, falso, para consumo propagandístico, feito mais de
esperanças do que de uma concreta distensão.
Cinqüenta
mil ogivas separam as superpotências do entendimento, praticamente uma para
cada cidade de porte grande ou médio do Planeta. O estopim está montado,
esperando apenas uma fagulha, mesmo que acidental, para produzir a impensável
explosão. Por isso é que se teme tanto pelo insucesso desse encontro que, tudo
leva a crer, tende a se transformar num mero show de estrelismo. A menos que
prevaleça uma mínima centelha de bom senso em ambas as partes.
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 12 de novembro de
1985)
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