Tuesday, June 18, 2013

Fibra e coragem para enfrentar obstáculos

Pedro J. Bondaczuk

O que mais admiro em Sigmund Freud (além de sua obra) é sua fibra, sua coragem e sua convicção no que acreditava. Ele enfrentou terríveis dificuldades, de toda a sorte, das familiares às profissionais (incluindo, aí, o preconceito de que foi vítima, pelo fato de ser judeu), mas perseverou até onde suas forças permitiram. Em rápida leitura da sua biografia, constata-se que sua vida foi repleta de obstáculos, decepções e dores (físicas e morais) em praticamente todos os 83 anos em que viveu. Mas acabou por impor-se e hoje, mesmo ainda contestado por alguns, inscreveu seu nome na história como pioneiro em sua especialidade, no que é reconhecido até pelos seus mais acérrimos críticos e opositores.

Viena, a sempre bela capital austríaca, foi o principal cenário de seus estudos, pesquisas, alegrias, decepções, derrotas e vitórias. Afinal, viveu nessa cidade a maior parte da sua vida (77 anos, dos 83 com que morreu). Mudou-se para lá, com a família, quando tinha somente quatro anos de idade. Seu pai enfrentava, então, sérias dificuldades econômicas e tinha escassas oportunidades numa cidadezinha acanhada, como era, então, Freiberg in Maren (atual Pribor que hoje pertence à República Checa), onde nasceu em 6 de maio de 1856. Além do que, sua saúde era frágil e os recursos, naquela localidade interiorana, eram pífios, se comparados aos de Viena.

Freud deixou, apenas, a capital austríaca em 1938, em situação extrema, aflitiva, quando corria sérios riscos de morte, após a anexação da Áustria, por parte da Alemanha nazista, aumentando, por conseqüência, a perseguição dos adeptos de Adolf Hitler aos judeus. Se escapou do nazismo, todavia, parte da sua família não teve a mesma sorte. Quatro de suas irmãs – Rosa, Dolfi, Paula e Marie Freud – foram parar nos campos de concentração de Auschwitz e de Theresienstadt, onde morreram. E Sigmund escapou por muito pouco. Em princípio, relutou em deixar Viena e partir para o exílio, deixando para trás anos e anos de exaustivo trabalho, mas acabou convencido pelos filhos de que esse era o melhor caminho a seguir, pelo menos o mais prudente.

Chegou a ver o início da Segunda Guerra Mundial – que começou em 1° de setembro de 1939, com a invasão nazista à Polônia – mas, provavelmente, sequer tomou consciência do que estava, de fato, acontecendo. Praticamente agonizava na ocasião, em decorrência de um cancro no palato, que tornou seus últimos dias de vida pavorosos. Para que o leitor tenha uma idéia, Freud foi submetido, então, a 33 cirurgias, sem nenhum sucesso. Os recursos da Medicina naquela época não podem ser, nem remotamente, comparados aos de hoje. Eram quase que medievais. Freud sentia fortíssimas dores e vivia, virtualmente, dopado de morfina, único meio capaz de aliviar um pouco tamanho sofrimento.

Desconfia-se (embora não haja prova concreta), que sua morte tenha sido causada por overdose da droga. De acordo com essa versão (nunca comprovada, mas também jamais desmentida), o Pai da Psicanálise teria implorado ao seu médico que lhe aplicasse uma superdose de morfina, pois sabia que não tinha condições de sobreviver por muito tempo. Teria sido, pois, paciente da eutanásia, até hoje proibida na maior parte do mundo. Por motivos compreensíveis, portanto, isso foi enfaticamente negado pelos que o trataram.

Sigmund Freud morreu em Londres em 23 de setembro de 1939, no início do Outono na Europa, 22 dias após o começo oficial da Segunda Guerra Mundial, carnificina de que foi poupado de testemunhar, responsável por cerca de 60 milhões de mortos ao redor do mundo. Como se vê, ele nunca mais retornou a Viena, cidade que aprendeu a amar, em que estudou, trabalhou, casou, gerou filhos, se alegrou, se decepcionou, foi feliz, sofreu, enfim viveu. Nem seus restos mortais regressaram para lá, já que estão sepultados no Golden Green, de Londres.

Com tudo o que passou, Freud foi um vencedor. E não somente pelo sucesso do movimento que encabeçou e implantou (que redundou na criação da Psicanálise, sobre a qual prometo tratar com mais vagar e detalhes oportunamente), mas pelo êxito de seus descendentes. Dos seis filhos que teve com Martha Bernays – com quem se casou em 14 de setembro de 1886 – uma filha, a sua caçula, Anna, seguiu os seus passos e tornou-se respeitada psicanalista, principalmente no tratamento de crianças e no campo do desenvolvimento psicológico. O filho, Jean Martin, tornou-se escritor e escreveu um livro de memórias intitulado “Freud: Homem e pai”, em que descreve o polêmico pesquisador – conforme informação que colhi na enciclopédia eletrônica Wikipédia – como um homem que trabalhava extremamente, por longas horas, mas que adorava ficar com os filhos nas férias de verão. Dos outros filhos – Mathilde, Olivier, Ernst e Sophie – não encontrei referências.

No entanto, dois de seus netos se tornaram célebres nas respectivas atividades. São os casos de Lucien Freud (pintor) e Clement Freud (ator e escritor). E três bisnetos, Emma Freud (jornalista), Bella Freud (desenhista de moda) e Matthew Freud (relações públicas), seguiram a tradição de sucesso da família. Freud errou e errou muito, durante sua vida, mas soube fazer dessas falhas fontes de acertos. Tanto que declarou, em certa ocasião: “De erro em erro, vai se descobrindo a verdade”.

Todavia, foi um homem que amou, e amou muito. Que fez do amor sua maior força. E sentiu-se, sobretudo, amado: pela família, por muitos e muitos dos seus pacientes que curou, e por fieis e aplicados discípulos, para os quais foi uma espécie de paradigma de sabedoria. Tanto é verdade, que certa feita declarou, em tom enfático, de convicta exclamação: “Como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada!”. E não fica?!!


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: