Fibra e coragem para
enfrentar obstáculos
Pedro
J. Bondaczuk
O que mais admiro em
Sigmund Freud (além de sua obra) é sua fibra, sua coragem e sua convicção no
que acreditava. Ele enfrentou terríveis dificuldades, de toda a sorte, das
familiares às profissionais (incluindo, aí, o preconceito de que foi vítima,
pelo fato de ser judeu), mas perseverou até onde suas forças permitiram. Em
rápida leitura da sua biografia, constata-se que sua vida foi repleta de
obstáculos, decepções e dores (físicas e morais) em praticamente todos os 83
anos em que viveu. Mas acabou por impor-se e hoje, mesmo ainda contestado por
alguns, inscreveu seu nome na história como pioneiro em sua especialidade, no
que é reconhecido até pelos seus mais acérrimos críticos e opositores.
Viena, a sempre bela
capital austríaca, foi o principal cenário de seus estudos, pesquisas,
alegrias, decepções, derrotas e vitórias. Afinal, viveu nessa cidade a maior
parte da sua vida (77 anos, dos 83 com que morreu). Mudou-se para lá, com a
família, quando tinha somente quatro anos de idade. Seu pai enfrentava, então,
sérias dificuldades econômicas e tinha escassas oportunidades numa cidadezinha
acanhada, como era, então, Freiberg in Maren (atual Pribor que hoje pertence à
República Checa), onde nasceu em 6 de maio de 1856. Além do que, sua saúde era
frágil e os recursos, naquela localidade interiorana, eram pífios, se
comparados aos de Viena.
Freud deixou, apenas, a
capital austríaca em 1938, em situação extrema, aflitiva, quando corria sérios
riscos de morte, após a anexação da Áustria, por parte da Alemanha nazista,
aumentando, por conseqüência, a perseguição dos adeptos de Adolf Hitler aos
judeus. Se escapou do nazismo, todavia, parte da sua família não teve a mesma
sorte. Quatro de suas irmãs – Rosa, Dolfi, Paula e Marie Freud – foram parar
nos campos de concentração de Auschwitz e de Theresienstadt, onde morreram. E
Sigmund escapou por muito pouco. Em princípio, relutou em deixar Viena e partir
para o exílio, deixando para trás anos e anos de exaustivo trabalho, mas acabou
convencido pelos filhos de que esse era o melhor caminho a seguir, pelo menos o
mais prudente.
Chegou a ver o início
da Segunda Guerra Mundial – que começou em 1° de setembro de 1939, com a
invasão nazista à Polônia – mas, provavelmente, sequer tomou consciência do que
estava, de fato, acontecendo. Praticamente agonizava na ocasião, em decorrência
de um cancro no palato, que tornou seus últimos dias de vida pavorosos. Para
que o leitor tenha uma idéia, Freud foi submetido, então, a 33 cirurgias, sem
nenhum sucesso. Os recursos da Medicina naquela época não podem ser, nem
remotamente, comparados aos de hoje. Eram quase que medievais. Freud sentia
fortíssimas dores e vivia, virtualmente, dopado de morfina, único meio capaz de
aliviar um pouco tamanho sofrimento.
Desconfia-se (embora
não haja prova concreta), que sua morte tenha sido causada por overdose da
droga. De acordo com essa versão (nunca comprovada, mas também jamais
desmentida), o Pai da Psicanálise teria implorado ao seu médico que lhe
aplicasse uma superdose de morfina, pois sabia que não tinha condições de
sobreviver por muito tempo. Teria sido, pois, paciente da eutanásia, até hoje
proibida na maior parte do mundo. Por motivos compreensíveis, portanto, isso
foi enfaticamente negado pelos que o trataram.
Sigmund Freud morreu em
Londres em 23 de setembro de 1939, no início do Outono na Europa, 22 dias após
o começo oficial da Segunda Guerra Mundial, carnificina de que foi poupado de
testemunhar, responsável por cerca de 60 milhões de mortos ao redor do mundo.
Como se vê, ele nunca mais retornou a Viena, cidade que aprendeu a amar, em que
estudou, trabalhou, casou, gerou filhos, se alegrou, se decepcionou, foi feliz,
sofreu, enfim viveu. Nem seus restos mortais regressaram para lá, já que estão
sepultados no Golden Green, de Londres.
Com tudo o que passou,
Freud foi um vencedor. E não somente pelo sucesso do movimento que encabeçou e
implantou (que redundou na criação da Psicanálise, sobre a qual prometo tratar
com mais vagar e detalhes oportunamente), mas pelo êxito de seus descendentes.
Dos seis filhos que teve com Martha Bernays – com quem se casou em 14 de
setembro de 1886 – uma filha, a sua caçula, Anna, seguiu os seus passos e
tornou-se respeitada psicanalista, principalmente no tratamento de crianças e
no campo do desenvolvimento psicológico. O filho, Jean Martin, tornou-se
escritor e escreveu um livro de memórias intitulado “Freud: Homem e pai”, em
que descreve o polêmico pesquisador – conforme informação que colhi na enciclopédia
eletrônica Wikipédia – como um homem que trabalhava extremamente, por longas
horas, mas que adorava ficar com os filhos nas férias de verão. Dos outros
filhos – Mathilde, Olivier, Ernst e Sophie – não encontrei referências.
No entanto, dois de seus
netos se tornaram célebres nas respectivas atividades. São os casos de Lucien
Freud (pintor) e Clement Freud (ator e escritor). E três bisnetos, Emma Freud
(jornalista), Bella Freud (desenhista de moda) e Matthew Freud (relações
públicas), seguiram a tradição de sucesso da família. Freud errou e errou
muito, durante sua vida, mas soube fazer dessas falhas fontes de acertos. Tanto
que declarou, em certa ocasião: “De erro em erro, vai se descobrindo a
verdade”.
Todavia, foi um homem
que amou, e amou muito. Que fez do amor sua maior força. E sentiu-se,
sobretudo, amado: pela família, por muitos e muitos dos seus pacientes que
curou, e por fieis e aplicados discípulos, para os quais foi uma espécie de
paradigma de sabedoria. Tanto é verdade, que certa feita declarou, em tom
enfático, de convicta exclamação: “Como fica forte uma pessoa quando está
segura de ser amada!”. E não fica?!!
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