A importância do outro
Pedro
J. Bondaczuk
O homem é um animal
gregário. Depende, em tudo e para tudo, dos semelhantes, do que se convencionou
chamar de “os outros”, sem os quais não seria nada e aos quais, em
contrapartida, serve (de alguma maneira), de acordo com sua capacidade,
conhecimentos e vontade. Dizer, portanto, de alguém que se tratou de pessoa que
“se fez sozinha” não passa de mera metáfora. Ninguém, rigorosamente ninguém,
“se faz” por si só. Para ser bem sucedido (e muitas vezes mal sucedido) todos
contamos com a ajuda (no caso do sucesso) ou com a oposição (no de fracasso) de
terceiros. É assim que as coisas funcionam e sempre funcionaram. E com o “Pai da
Psicanálise” não foi diferente. Está aí excelente tema para reflexão.
A esse propósito, Sigmund
Freud declarou, em certa ocasião: "O ‘outro’ desempenha sempre na vida de
um indivíduo o papel de um modelo, de um objeto, de um associado ou de um
adversário". E não é o que acontece? Lembro, reitero e
enfatizo que, para redigir esta série de comentários à margem, tive que
recorrer a inúmeras fontes de informação, ou seja, aos “outros”. Entre estes,
destaco a enciclopédia eletrônica Wikipédia, que me foi utilíssima para
esclarecer inúmeros pontos para mim obscuros referentes à vida e à obra de
Sigmund Freud. Consultei, óbvio, várias outras
publicações, tantas que se torna impossível lembrar todas e citá-las
nominalmente. Os comentários que faço, todavia, refletem, exclusivamente, minha
opinião pessoal. São passivos, portanto, quer de concordância por parte dos
leitores, quer de discordância como, aliás, todas opiniões são.
A primeira grande
influência na vida e na obra de Freud foi, como seria de se esperar, de seus
pais, Jacob Freud e Amalie Nathanson (a terceira esposa do seu pai). Aliás,
suas conclusões a propósito do polêmico “Complexo de Édipo” originaram-se da
auto-análise, da sua realidade pessoal, do que lhe aconteceu na infância. Ele
concluiu que seus problemas psicológicos pessoais (como quase todos, ele também
os tinha) se deviam a uma atração que sentia pela mãe e a conseqüente
hostilidade pelo pai. Posteriormente, comprovou a existência de fato desse
desvio em outras tantas pessoas, o que se tornou, por sinal, o cerne da sua
teoria acerca da origem das neuroses em seus pacientes.
Outra influência,
também familiar, que Freud recebeu foi dos nove irmãos. Dois deles – Emmanuel e
Philipe – eram apenas por parte de pai e, portanto, mais velhos do que ele. Os
outros sete – Julius, Ana, Debora, Marie, Adolfine, Pauline e Alexander – eram
frutos, como ele, do terceiro casamento de Jacob e eram, pois, todos mais
novos. Encontrei escassas referências desse período da sua vida. Martha
Bernays, por quem se apaixonou e com quem se casou em 14 de setembro de 1886,
depois de já formado e em pleno exercício da Medicina, obviamente teve papel
importantíssimo em sua vida. Nem poderia ser diferente. Como, também, tiveram
os seis filhos que o casal gerou – pela ordem, Matilde, Jean-Martin, Olivier,
Ernst, Sophie e Anna, sendo, esta última, sua seguidora, tornando-se
psicanalista de grande reputação – todos bem sucedidos nas respectivas
atividades que escolheram exercer.
Ainda bastante jovem,
quando estudante de Medicina (ingressou na faculdade aos 17 anos) foi
influenciado pelas idéias de vários de seus professores. Um deles foi o
filósofo Franz Brentano, sobrinho do poeta Clemens Brentano, que lecionava
Filosofia na Universidade de Viena e que incutiu muitas de suas idéias na
cabeça de Freud. Aliás, esse personagem celebrizou-se pela rebeldia. Explico.
Em 1864, foi ordenado padre. Todavia, envolveu-se em controvérsia pública ao
contestar o dogma católico da “infalibilidade do papa”. Por causa disso, teve
que deixar a Igreja nove anos após haver se tornado sacerdote.
Outro professor com que
Freud se encantou foi Ernst Brucke, que lecionava Fisiologia. Esse mestre
influenciou sua vida em vários aspectos e não somente no acadêmico. Foi no seu
laboratório, por exemplo, que o jovem encontrou o primeiro emprego, depois de
formado. Foi, também, quem o aconselhou a trabalhar no maior hospital de Viena
para ganhar salário melhor e assim poder se casar com Martha. Foi, em suma, o
homem que elegeu como seu “modelo em ciência”.
Um terceiro professor,
que exerceu enorme influência sobre Freud, foi o titular da cátedra de Zoologia
na faculdade de Medicina em que ele estudava, o zoólogo Carl Friedrich Claus.
Foi na estação zoológica que esse docente mantinha em Trieste, especializada em
zoologia marinha, que o então estudante passou quatro semanas e onde fez a tal
dissecação do sistema reprodutor masculino das enguias, que mencionei em texto
anterior.
No capítulo das
influências que o futuro “Pai da Psicanálise” sofreu, no período de sua formação,
um nome não pode ser esquecido: o do psiquiatra francês Jean-Martin Charcot.
Freud, quando trabalhava no Hospital Geral de Viena, fez uma série de
experiências envolvendo o que entendia ser o poder terapêutico da cocaína.
Tinha convicção, por exemplo, que ela era a única substância eficaz na cura do
vício de uma outra droga, a morfina. Posteriormente comprovou-se que ele estava
equivocado, mas essa comprovação ocorreu muito tempo depois. Todavia, Freud
exagerou no uso da cocaína ao tratar de um amigo dos tempos em que trabalhava
no laboratório de Brucker. E... este morreu de overdose da droga. Talvez para
abafar o escândalo (mas esta é uma suposição minha, sem nenhuma comprovação,
embora seja a hipótese mais provável), ele decidiu pedir licença temporária do
Hospital Geral. Foi prontamente atendido.
Decidiu, então, viajar
para a França, para conhecer o já famoso Charcot, consagrado, ao lado de
Guillaume Duchene, como um dos fundadores da neurologia moderna. Passou a trabalhar com o renomado cientista
francês no Hospital Psiquiátrico Saltpétriére, que na ocasião estudava a
histeria. Freud entusiasmou-se com o mestre e com as descobertas que este fez
desse desarranjo psicológico, até então pouco conhecido, posto que bastante
comum. Esse aprendizado foi de grande valia na sequência de sua vitoriosa
carreira.
Muitos outros
influenciaram-no, possibilitando-lhe chegar onde chegou. Alguns foram amigos e
confidentes e, principalmente, conselheiros. Várias dessas amizades, no
entanto, por uma razão ou outra, acabaram rompidas intempestivamente. E algumas
chegaram a transformar-se, até, em rancorosas e amargas inimizades. Estes
casos, porém, merecem capítulo a parte. Abordarei os mais conhecidos
oportunamente.
De tudo o que li a
propósito de Freud (e foi uma quantidade imensa de informações), depreendi que
ele tinha plena consciência tanto de suas forças, quanto das fraquezas. Não se
tinha, como alguns afirmam, na conta de gênio (embora eu entenda que fosse),
Não era arrogante e metido a sabe tudo. Sabia (ou acreditava saber) quais eram
suas limitações. Deduzo isso dessa sua até patética confissão, que pincei de
sua correspondência: "As minhas
capacidades ou os meus talentos são muito limitados. Zero em ciências naturais;
zero em matemática; zero em tudo quanto seja quantitativo. No entanto, o pouco
que possuo, e que se reduz a pouca coisa, foi provavelmente, muito
intenso". Trata-se daquela inflexível lógica: se você quiser erradicar uma
doença, é indispensável, antes e acima de tudo, que não se engane no diagnóstico.
E Freud não se enganou. Tinha a exata noção da importância do “outro”.
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