Pedro J. Bondaczuk
O Brasil, há muito (provavelmente desde o seu descobrimento), sempre foi visto no exterior como um país exótico, de povo alegre, às vezes (e põe vezes nisso) irresponsável, mas que o estrangeiro com condições de viajar sempre desejou conhecer. Detesto estereótipos e este é o mais característico deles. Em alguns casos, essa imagem que fazem de nós tem lá seus fundamentos, embora baseiem-se em generalizações. E estas, como já dizia o saudoso jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, tendem a ser sempre “burras”.
O brasileiro, levando-se em conta seu comportamento, público e/ou privado, não é diferente de nenhum outro povo. Até porque, abriga, em seu solo generoso, pessoas procedentes de todas as partes do mundo, que aqui se fixam, se miscigenam e em pouco tempo absorvem nossos costumes, hábitos, supostos vícios e, enfim, nossa maneira de ser. Se isso fosse tão ruim, convenhamos, não absorveriam. É verdade que temos em nossa sociedade e em nossos procedimentos, digamos, algumas excentricidades. Vá lá! Mas...
Uma das esquisitices nacionais foi o fato de haver contado com um imperador – e justamente o primeiro deles e, mais ainda, o “pai” da nossa independência – Dom Pedro I, com postura e ações, digamos, nada convencionais. Pelo contrário, foi uma personalidade ímpar, e em vários sentidos, notadamente no de seus amores, que causaram escândalos, aqui e alhures, naquele início do século XIX, em que os costumes não eram (pelo menos em âmbito público), tão “liberais” como são agora. É certo que privadamente, não diferiam muito dos de hoje. Afinal, a atração sexual, a satisfação desse apetite, os relacionamentos, quer conjugais quer extraconjugais etc. fazem parte da natureza humana. São instintivos.
Vários livros, quer de história (ou seja, fartamente documentados), quer ficcionalizados, tratando dos romances do pai da nossa independência, foram escritos. Alguns, fizeram muito sucesso. Outros, nem tanto. Os dois mais famosos foram escritos pelo famoso escritor de Tatuí, Paulo Setúbal. São “As maluquices do imperador” e “A Marquesa de Santos” – este último transformado em filme e também dramatizado como célebre série de televisão. Há quem considere exagerados os casos atribuídos a Dom Pedro I. Em princípio, também cheguei a achar. Mas...
Recentemente, a editora Rocco lançou um livro, da historiadora Mary Del Priore, intitulado “A carne e o sangue”, que dirime qualquer possível dúvida que possa ainda haver sobre os amores do nosso nada convencional imperador (para dizer o mínimo a seu respeito). Trata-se da correspondência dos componentes do mais famoso triângulo amoroso da nossa história (e talvez do mundo). Ou seja, da imperatriz Leopoldina, que a despeito de sua aparente frieza e rigidez moral, amava extremadamente o marido; de Domitila de Castro e Canto Melo (a famosa Marquesa de Santos), a “outra” (e que outra!), ou seja, a amante preferida de Dom Pedro I (o imperador tinha muitas outras) e o próprio, claro.
As cartas foram encontradas intactas nos arquivos do Museu Imperial, em Petrópolis, todas inéditas (pudera!), como que à espera de uma historiadora hábil e competente, como Mary Del Priore, para virem à luz. A autora, além de importantes títulos acadêmicos que acumula, é também excelente e premiada escritora, tendo publicado mais de 30 livros de história, com os quais conquistou prêmios como o da Fundação Biblioteca Nacional, em 2009 (pela obra “Condessa de Barral”); o da Associação Paulista dos Críticos de Arte de 2008 (por “O Príncipe Maldito”) e o cobiçadíssimo Jabuti de 1998, e em duas categorias, entre tantos outros. É especialista em História do Brasil, com doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado na reputadíssima “Ecole dês Haute Etudes em Sciences Sociales” da França.
Trata-se, pois, de obra séria (e não de mera fofoca como poderia parecer aos desavisados e desinformados) de uma pesquisadora habilidosa e meticulosa. Conforme registros do Arquivo Nacional, além dos filhos “oficiais” que Dom Pedro I gerou (um dos quais, Dom Pedro II, o sucedeu no trono do Brasil), “produziu” outros 40, de várias das suas amantes. E não pensem que ele fosse insensível com sua prole ilegítima. Amava esses bastardos da mesma forma que os “legítimos”. Tanto que muitos deles frequentavam a corte, recebiam as benesses de sua especial origem e, por estranho que possa parecer (e o nosso primeiro imperador era exótico mesmo), brincavam com os príncipes, num ambiente de lídima fraternidade. A coitada da Imperatriz Leopoldina (mulher fisicamente feia, mas de belíssima alma) é que tinha que suportar, calada, tamanha humilhação. O amor... Ah, o amor!
Nas cartas fica claro que Domitila foi a grande paixão de Pedro. O poderoso imperador, por exemplo, chorava quando não podia vê-la. E mais, agia como qualquer adolescente apaixonado, compondo versinhos melosos e um tanto infantis à sua musa; enviando bilhetes e mais bilhetes a ela, alguns acompanhados de chumaços de pêlos pubianos, ou de seu bigode, e, não raro, chegava a escrever-lhe duas vezes por dia. Já Leopoldina tentava defender as atitudes do marido fanfarrão junto à sua família, na corte da Áustria. Na correspondência publicada por Mary há, também, cartas de diplomatas estrangeiros para os governos de seus respectivos países, em que punham à mostra o escândalo que sentiam com as atitudes do guapo imperador, que não dava a mínima para as críticas e condenações às suas atitudes.
Mas... como diz o dito popular, “até água mole, em pedra dura, tanto bate até que fura”. Foi esta, literalmente, a consequência das estroinices e exageros sexuais do nosso primeiro imperador na opinião pública nacional. Tanto se repetiram, que acabaram por encher a paciência da população, que não tardou a querer ver o “pai” da independência pelas costas. A pressão para que renunciasse e fosse embora foi tamanha, que não teve como resistir. Em 7 de abril de 1831, finalmente, Dom Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho ainda menino, e retornou a Portugal. Este é um episódio da nossa história tão inverossímil, que até parece ficção. Mas não é. A prova disso, fornecida pelos próprios protagonistas desse triângulo amoroso tão famoso, consta, cristalina, clara e enfática, no excelente e revelador livro de Mary Del Priore, “A Carne e o Sangue”, título, aliás, dos mais felizes e reveladores.
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