Saturday, August 18, 2012

Poema aos insensíveis

Pedro J. Bondaczuk

Minha voz já não se ergue mais
para cantar a canção dos bravos.
Minha emoção não mais vibra,
calada, inútil e entorpecida,
pois quebrou-se a estranha clepsidra,
embora lhe restem ilusões e vida.

Não! Não cantarei os amores,
não transformarei em verdades
fantasias, engodos e horrores,
nem mais chorarei por saudades.

Para que cantar, afinal,
a vibrante canção dos bravos
se esta tristeza abissal
nos reduz a meros escravos?

Para que cantos enganadores,
de façanhas fictícias, incríveis,
de mulheres, ribeiros e flores,
para ouvidos, corações insensíveis?

Para que mentiras, fantasias
e as mais pueris elucubrações
ou verdades brutais e frias,
ou versos, ou sussurros ou canções?

Pouco importam conceitos, verdades,
o que é, o que será e o que já era,
mitos, lendas ou celebridades,
uma voz cativante e sincera.

Materialistas insensíveis, sem vintém,
O que, no final das contas, vós sabeis?
Que somando dois com quatro dá seis?!
Ora, ora, fariseus. Isso eu sei também!

Sabeis, tim-tim-por-tim-tim,
histórias de mil fulanos
que nunca vistes, enfim?!
Sabeis nomes dos oceanos?

Respondam, chacais, não enrolem:
sua cultura é tão pobre assim?
Ora, ora, ora, não me amolem!
Isso é nulo, é quase nada, para mim!

O que sabeis vós das artes?
Em que aplicais vossos talentos?
E dos princípios de Descartes?
E dos paradoxais sentimentos?

Vossa alma é podre, o amor é impostura,
vosso deus é o ouro ou algo perecível,
vossa fé a ganância, o egoísmo, a usura,
vossa alma é podre, é oca, é insensível!

Não! Não sou cordial. Não serei jamais.
E não aceito hipócritas desagravos!
Minha voz não se erguerá nunca mais
Nem para cantar a canção dos bravos!

(Poema composto em São Caetano do Sul, em 7 de janeiro de 1964).

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