Pedro J. Bondaczuk
O soneto, uma das formas sofisticadas e consagradas de fazer poesia, que resiste ao tempo e à sucessão de escolas e tendências literárias e permanece mais viva do que nunca, provavelmente agrada tanto por sua musicalidade. O próprio nome sugere íntima relação com o som, com a música, mesmo que esta pareça ausente. Na verdade, nunca está. Quando declamado (e bem, obviamente) parece ao espectador que quem o declama esteja cantando, embora não cante.
A palavra “soneto” é italiana e nem é preciso conhecer esse idioma para se concluir o que significa. É isso mesmo que você pensou, esperto leitor. Significa “pequena canção” ou “pequeno som”. Creio que nem poderia ter outro significado senão este. Ninguém tem certeza sobre onde, quando e como essa forma de fazer poesia surgiu. A versão mais aceita é que tenha sido criada no século XIII, na ilha italiana da Sicília, para ser cantado na corte de Frederico II Hohenstaufen, informação essa que colhi na enciclopédia eletrônica Wikipédia. Se não for essa sua origem, bem que poderia ser. Nessa versão, estão respondidas as três perguntas sobre seu surgimento: onde, quando e como. Na ausência de explicação melhor, fico com essa. Parece-me a mais plausível.
Quando se fala em soneto, pensa-se, logo, em uma composição de catorze versos, dividida em dois quartetos e dois tercetos. Essa, todavia, não é forma única, mas apenas uma das três em que essa técnica de composição se apresenta. Óbvio que é a mais conhecida, daí as pessoas não afeitas aos meandros da literatura concluírem se tratar da única. Esta, que se consagrou, é a maneira italiana de compor. Esse tipo de soneto é conhecido, também, como “petrarquiano”, referência óbvia ao poeta Francesco Petrarca que a utilizou bastante e a consagrou (e com a qual, evidentemente, também “se” consagrou).
Existem, todavia, outras duas formas que não digo que sejam desconhecidas ou menos conhecidas. Não se trata disso. Ocorre que muitos (e põe muitos nisso) nem sabe que são maneiras diferentes de fazer soneto. Uma delas foi sobejamente utilizada por William Shakespeare. Não se pode, portanto, afirmar que se trate de forma pouco divulgada. Pelo contrário. Não há leitor, razoavelmente instruído, que não conheça a obra do célebre e consagrado bardo inglês. E qual a sua diferença do soneto tradicional, ultra-conhecido? Simples, apresenta a conformação de três quartetos e um terceto com a função de dístico. Como se vê, tem, também, 14 versos, mas sua distribuição é que é diferente. Portanto, quando lerem composição desse tipo de Shakespeare e lhe disserem que se trata de um soneto do bardo inglês, não estranhe, não discuta e muito menos conteste com ares pedantes de sabe tudo. Caso teime e faça uma aposta, perderá, com certeza. Não caia nessa.
Mas existem, apenas, estes dois tipos de sonetos? Não! Há um terceiro, cuja única diferença está na falta de separação por estrofes. Tem, igualmente, como as duas formas anteriores, 14 versos. Estes, todavia, não estão divididos em dois quartetos e dois tercetos. E nem em três quadras e um dístico. Não tem nenhuma divisão. Por isso, foi batizado de “soneto monostrófico”.
Trago esse conjunto de informações à baila apenas a título de curiosidade. Não custa conhecer algo a mais de uma atividade que nos empolgue – e tenho certeza que a literatura empolga os freqüentadores deste espaço. Ademais, como preceitua o surrado clichê, “o saber não ocupa lugar”, ora bolas!
Ainda a respeito de sonetos, há uma discussão que se arrasta já por séculos nos meios literários de Brasil e Portugal sobre quem seria o melhor sonetista de língua portuguesa de todos os tempos. Duvido que haja consenso a propósito (e nem pode haver). Detesto esse tipo de competição, por não levar a lugar nenhum e ser apenas motivo de melindres e de injustiças. Mas a questão “existe” e minha veia jornalística me leva a informá-la, concordando ou discordando da disputa. Conforme pude apurar, três poetas lusitanos disputam, cabeça a cabeça, as preferências nesse aspecto: Luís Vaz de Camões, José Maria Du Bocage e Antero de Quental.
Claro que se trata de três monstros sagrados da poesia, não apenas lusitana, mas mundial. Mas eu poderia desfiar uma lista interminável de outros tantos sonetistas que nada ficam a dever a esse trio. Suponhamos, apenas para privilegiar a maioria, que a “disputa” (reitero, estupidíssima) se restrinja aos três. Com quem você ficaria? Pelo que apurei, há “empate técnico” entre eles.
Camões foi Camões, ora bolas. Dispensa comentários. Bocage – apesar de se consagrar mesmo no anedotário, com uma infinidade de piadas tendo-o como personagem ou atribuídas a ele, dada sua irreverência, que não raro descambava para a irresponsabilidade – era mestre do soneto. E que mestre! E Antero de Quental? Ouso dizer que, principalmente, em termos de perfeição técnica, leva, até (posto que ligeira) vantagem sobre seus dois ilustríssimos concorrentes.
Aliás, esse aspecto (o da perícia desse poeta na composição de sonetos, entre outros) serve de “gancho” para tratar da sua vida e da sua obra, o que pretendo fazer oportunamente, mas muito em breve. Trata-se de outro dos tantos e tantos escritores geniais ameaçados de caírem no esquecimento dada a fragilidade da memória, o que seria tremenda perda para a arte e a cultura.
Por suas posições ideológicas “revolucionárias” para a época que viveu – tinha idéias socialistas, consideradas o suprassumo da modernidade em meados do século XIX – Antero de Quental foi uma espécie de ídolo da juventude acadêmica portuguesa e brasileira, notadamente dos jovens idealistas (e boêmios) que freqüentavam a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo. Era uma espécie de “guru” daquela moçada, que declamava, em delírio, seus bombásticos e perfeitos sonetos em defesa da igualdade e da justiça social. Mas.. este é um assunto tão fascinante que deixo para ser tratado, com mais vagar, em outra ocasião.
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