Pedro J. Bondaczuk
A imaginação “humana” (e faço essa distinção por ser impossível de se saber se outros animais também a têm), quando deixada livre, não tem limites. Não é restrita nem ao tempo e nem ao espaço. Nada, absolutamente nada, a limita. Cria mundos e seres provavelmente inexistentes (nunca se sabe) e, caso quem se valha dela seja escritor (e de talento, logicamente), convence, sem muita dificuldade, se não a todos, pelo menos à maioria, que aquilo que concebeu é verossímil e, portanto, possível. É, pois, a mola propulsora das artes (e também das ciências, não duvidem, posto que por meios supostamente mais racionais).
Usando-a com coerência e certa lógica criamos o que quisermos, pelo menos no plano abstrato. O crítico canadense, Northrop Frye, em seu livro “Fábulas da Identidade” (Editora Nova Alexandria), explicou em quais planos e como três das principais manifestações artísticas (todas frutos da imaginação) se movem: a música, a pintura e a literatura. Foi mais longe. Comprovou que todas as artes, e não apenas as citadas, podem ser concebidas tanto em termos temporais, quanto espaciais. E concedeu à literatura papel intermediário, por exemplo, entre a música e a pintura. Seus conceitos são um tanto quanto complexos e não sei se conseguirei ser suficientemente didático para os explicar. Tentarei.
Frye escreve, em determinado trecho de seu livro: “Algumas artes se movem no tempo, como a música; outras são apresentadas no espaço, como a pintura. Em ambos os casos, o princípio organizador é a recorrência, que é chamada de ritmo quando é temporal, e padrão, quando é espacial. Assim, falamos do ritmo da música e do padrão da pintura: mas depois, para exibir nossa sofisticação, podemos começar a falar em ritmo da pintura e padrão da música”.
Creio que sua explanação foi clara até chegar à parte em que altera a recorrência. Ou seja, quando afirma que podemos falar em ritmo (temporalidade) da pintura e padrão (espacialidade) da música. “Como isso é possível?”, o leitor, certamente, deve estar se perguntando. Eu, pelo menos, estou. Frye, todavia, tenta explicar isso na sequência desse longo parágrafo.
“Em outras palavras, todas as artes podem ser concebidas tanto temporal quanto espacialmente. A partitura de uma composição musical pode ser estudada toda de uma vez; um quadro pode ser visto como trilha de uma intrincada dança do olho”, escreve. Está aí! Para mim, pelo menos, faz sentido, embora tenha que fazer certa ginástica mental para compreender. Mas, onde entra a nossa atividade, a literária (que é o que nos interessa) nessa história toda? O crítico canadense explica:
“A literatura parece ser intermediária entre a música e a pintura; suas palavras formam ritmos que se aproximam duma seqüência musical de sons numa de suas fronteiras e formam padrões que se aproximam da imagem pictórica ou hieroglífica na outra. As tentativas de se chegar tão próximo quanto possível dessas fronteiras formam o corpo principal daquilo que se chama de escrita experimental”. É onde, ao que deduzo, entra o fator “imaginação” para tornar essa fusão factível.
Frye pondera: “Podemos chamar o ritmo da literatura de narrativa, e o padrão, a apreensão mental simultânea da estrutura verbal, de significado ou significação. Ouvimos e escutamos uma narrativa, mas quando compreendemos o padrão total de um escritor ‘vemos’ o que ele quer dizer”. Está aí! Northrop Frye me convenceu.
Entendo, com base nessas explicações, que a literatura, sem perder suas características principais, é, simultaneamente “música” e “pintura”, embora tenha por matéria-prima esse instrumento de difícil manejo, que é a palavra. Esta, se bem escolhida e bem empregada, tanto faz as vezes de sons, quanto as das imagens e cores. Daí meu fascínio por essa nobilíssima arte.
Há poemas, por exemplo, que mesmo sem serem musicados, quando lidos em voz alta são melodias puras. Sua musicalidade “salta aos ouvidos”. E há, em contrapartida, descrições, notadamente em textos ficcionais, que são tão ricas, hábeis e detalhadas, que formam, diante de nossos olhos, imagens mais nítidas e reveladoras até do que uma fotografia. Exagero? Não! Longe disso!
O escritor francês, Émile Zola, tratou dessa questão, porém especificamente do ponto de vista do romance, sua especialidade literária. Observou: “Entendemos que um romancista deve ser ao mesmo tempo um observador e um experimentador. O observador expõe os fatos tais quais os observou; estabelece o terreno sólido em que se vão mover os personagens e acontecimentos; em seguida surge o experimentador e faz experiências, isto é, faz seus personagens se movimentarem em determinado enredo, de modo a patentear que a sucessão dos fatos é a exigida pelo determinismo das coisas estudadas”. Essa observação foi citada por Mathew Josephson, no excelente livro “Zola e seu tempo”, que recomendo.
Vejam, pois, como são as artimanhas da imaginação. Comecei a tratar de determinado assunto e fui parar em outro, absolutamente diverso, por culpa e obra dessa que é a “mãe” de todas as artes, da ciência e, enfim, da nossa capacidade de raciocinar. Voltarei, oportunamente, ao tema (e espero que com maior objetividade e de forma mais didática).
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