Sunday, August 19, 2012

Arguto observador da vida

Pedro J. Bondaczuk

Há escritores de reconhecida cultura geral, com idéias originalíssimas e com potencial de criatividade notável, mas que, na hora de colocar esse conhecimento todo no papel, no momento de revelar esse talento criativo... são uma tragédia. Cometem o pecado mortal de esbanjar erudição, valendo-se de uma linguagem que classifico de criptográfica, em detrimento da clareza e, principalmente, da compreensão . Os termos que utilizam são de tal sorte incompreensíveis, que chego a achar que se expressam num idioma de algum eventual extraterrestre (supondo, claro, que alhures, em alguma parte remota do universo, exista vida inteligente). Consequência? Acabam por frustrar o potencial que têm e sequer aparecem no mundo das letras, por falta de leitores.

Todos intelectuais eruditos são assim? Felizmente, não. Há os que unem à erudição o ingrediente que considero fundamental em literatura (e na arte de escrever em geral) que é a simplicidade (não confundir com infantilidade). Redigir bem é redigir simples. É se fazer entendido por todos os que saibam ler, desde o mais culto dos cultos, com cultura geral à prova dfe reparos, ao semi-alfabetizado, o sujeito que recém aprendeu a juntar letras para formar palavras que transmitam idéias.

Entre meus escritores favoritos – e estes são uma legião constituída por milhares deles e que a cada dia mais aumenta, à medida que “descubro” novos – destaca-se um mineiro simpático, afável, todavia sumamente culto. Mas que (contrariando o estereótipo), ao escrever, se valia do recurso da simplicidade, sem, por isso, perder conteúdo no que expressava. Era, como Daniel Piza caracterizou-o muito bem, “coloquial, mas nada ordinário”. Essa observação procede, porquanto muitos confundem coloquialidade com boçalidade. Refiro-me ao mineiríssimo (nascido em São João Del Rey, mesma cidade de Tancredo Neves), Otto Lara Resende.

Aprendi muito com seus livros e suas crônicas publicadas em jornal. Fui assinante da Folha de S. Paulo por causa dele. É verdade que não “somente” por sua causa, mas “principalmente” por ela. O mesmo já havia acontecido antes em relação a outros jornais em que assinou colunas, como “O Globo” e “Jornal do Brasil”. Considero-o, ao lado de Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos (há outros cujos nomes não me ocorrem agora) legítimo mestre da crônica.

Otto – cujos 90 anos de nascimento completaram-se ontem, pois nasceu em 1º de maio de 1922 – destacou-se por frases lapidares que, mesmo fora de contexto, eram geniais e faziam todo sentido. Uma delas? “Há em mim um velho que não sou eu”. Outra? “Europa é uma burrice aparelhada de museus”. Mais uma? “Sou um falante que ama o silêncio”. Outra ainda? “Todo mundo que cruzou comigo, sem precisar parar, está incorporado ao meu destino”. Eu poderia passar horas citando suas frases e jamais as esgotaria. Otto foi, sobretudo, arguto (e aqui vale superlativo, recurso tão ao meu gosto) argutíssimo observador da vida.

Tudo bem, há inúmeros outros observadores que, no entanto, não sabem colocar por escrito, em palavras, os produtos de suas observações. Não era o caso, porém, desse escritor com “E” maiúsculo, que tanta fama (e tantos amigos) granjeou. Há pessoas que escrevem muito bem, se expressam com inteligência e simplicidade, mas que, falando, são uma tragédia. São taciturnas, sorumbáticas e num bate papo, não conseguimos extrair delas nada mais do que secos monossílabos. Otto, no entanto, não era assim.

Não sei de um único dos seus amigos, dos que tiveram o privilégio de privar de sua companhia, que não exaltasse sua conversação. Um dos maiores admiradores de sua conversa foi, sem dúvida, o jornalista, dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues. Este também foi uma figuraça! Já escrevi em várias ocasiões a seu respeito. Uma das coisas que eu mais gostaria era de assistir a um bate papo entre esses dois magníficos sujeitos. Claro que isso é impossível, pois ambos já morreram. Mas devem ter sido conversas memoráveis.

Por que digo isso? Por vários moti8vos, inclusive concretos. Nelson Rodrigues dizia, para quem quisesse ouvir, que Otto Lara Resende era tão bom de papo “que deveriam colocar um taquígrafo atrás do amigo para vender as anotações para uma loja de frases”. Sua admiração era tamanha (e tão genuína), que em várias de suas histórias deu um jeito de encaixar essa mineiríssima figura, com algumas de suas respectivas citações, como esta que consagrou de vez: “O mineiro só é solidário no câncer”.

Aliás, quando digo que gostaria de testemunhar um bate papo entre estas duas memoráveis (e até folclóricas) figuras, estou sendo injusto com a minha memória. Foi testemunha, sim, de um deles (e não só eu, como milhares de pessoas Brasil afora). Foi num programa “Painel”, da Rede Globo, comandado por Otto, em 1987, em que estes dois tão íntimos e tão inteligentes amigos trocaram um monte de idéias com tamanha naturalidade que era como se não se tratasse de um programa de TV, mas de mera conversação informal em algum barzinho do Leblon. Pena que não gravei isso. Mas esse bate papo ficou gravado, posto que em minha memória.

Eu poderia escrever muita coisa mais, notadamente da carreira literária de Otto Lara Resende. E ela foi (e não poderia deixar de ser) das mais vitoriosas. Tanto que foi guindado (com toda a justiça) à Academia Brasileira de Letras. Só faltava não ter sido! Cito, porém, apenas dois de seus livros (e nem diria que sejam os melhores, pois considero todos eles excelentes), mais a título de exemplo: “O lado humano” (contos) e “Bom dia para nascer” (crônicas). Pena que Otto nos deixou precocemente, meses antes de completar 70 anos, em 28 de dezembro de 1992, vitimado por fulminante infecção hospitalar.

Este é um escritor que desmente o clichê de que “ninguém é insubstituível”. Ele é! Quem conseguirá substituir essa figura ímpar, erudito que sabia fazer da simplicidade e do coloquialismo inteligente as principais virtudes do seu texto, o amigo que todos gostaríamos de ter, o papo genial e atrativo que se fazia marcante? Perdoem-me a generalização (que Nelson Rodrigues dizia que era “burra”) mas ouso afirmar: ninguém! Rigorosamente, ninguém! Otto Lara Resende é insubstituível!!!



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