Pedro J. Bondaczuk
O Peru de hoje é um pais empobrecido, dividido por lutas armadas na cidade e no campo, apresentando um alto índice de inflação, um dos maiores contingentes de desempregados e subempregados da América do Sul e, ainda, para complicar tudo, tem que pagar uma dívida externa (que muitos consideram impagável) que gira pela casa dos US$ 13 bilhões, cujo serviço absorve mais da metade das suas exportações.
Quando o general Juan Velasco Alvarado assumiu o poder, em 1968, após um golpe de Estado que depôs o atual presidente, Fernando Belaunde Terry, o endividamento externo peruano era de apenas US$ 788 milhões. Ou seja, perto da cifra atual, praticamente nenhum.
Naquela oportunidade, os militares tentaram implantar um extraordinário programa de reformas, esquerdista, procedendo, principalmente a uma audaciosa reforma agrária, classificada, na ocasião, pelo líder cubano Fidel Castro, como a “mais radical da América Latina, excetuada a de Cuba”.
Quatrocentas mil famílias foram, então, agraciadas com mais de sete milhões de hectares de terras. Foram criadas quase 1.500 cooperativas. Eliminou-se, de vez, a figura, tão comum na América Latina, do “terrateniente”, o 1% da população que detinha 90% do solo do Peru.
A reforma agrária é um bem, diria o leitor. Afinal, pelo menos em tese, é uma terra improdutiva que passa a produzir. Em teoria, seria mesmo. Mas na prática, e no caso específico do Peru, o tiro saiu pela culatra.
Dos cinco milhões de pessoas que viviam da agricultura no país, só uns 1,21 milhão receberam o seu quinhão. E a parte prejudicada, como sempre, foi a população indígena, que representa 50% de todos os habitantes desse país e que nem mesmo fala espanhol, se expressando, apenas, em aymará e quixua. Esse enorme contingente foi o que ficou marginalizado diante dos 10% de descendentes puros de espanhóis. A bem da verdade, essa distorção dos militares esquerdistas peruanos nem mesmo foi intencional.
As terras férteis do país não ocupam mais do que 4% do total do território, espremidas entre os Andes, inóspitos e quase inaproveitáveis e a semivirgem Amazônia, cujo solo não se presta à agricultura. Os resultados da reforma agrária acabaram sendo catastróficos. Só em 1980, para exemplificar, o país teve que importar 50 mil toneladas de açúcar, produto que antes exportava.
Os “terratenientes”, com as indenizações que receberam, investiram o capital na indústria e passaram a agir, na zona urbana, da mesma forma insensível e cínica com que faziam no campo. A conseqüência de tudo isso, e da criação de uma miríade de órgãos estatais para controlar as novas cooperativas, provocou um inchaço na burocracia peruana.
A máquina estatal tornou-se cada vez mais dispendiosa, exigindo crescentes recursos externos para o seu custeio. Com isso, a dívida aumentou desmesuradamente e entre 1977 e 1978, o país esteve na iminência, em várias oportunidades, de se declarar inadimplente diante dos banqueiros internacionais.
Com o endividamento crescente, o Peru foi caindo, cada vez mais, nas mãos do Fundo Monetário Internacional e aceitando, por conseqüência, sua amarga receita recessiva, que tem, como principal seqüela, o achatamento salarial. Apenas num ano, o de 1977, o poder aquisitivo médio dos salários sofreu redução de 40%. Empresas faliram, pessoas ficaram desempregadas e tal situação (e isso não é segr4edo para ninguém) é um caldo de cultura ideal para a fermentação social. E esta não se fez esperar.
Por isso, não é de se estranhar o surgimento de movimentos guerrilheiros e a sucessão de greves que vêm marcando a vida peruana nesta década. É essa enorme armadilha que o próximo presidente, provavelmente o aprista Alan Garcia, terá que desarmar para fazer o Peru voltar a crescer. Caso não logre êxito, é até impensável o tamanho da explosão de violência, de saques e de depredações que poderá ocorrer nesse nosso vizinho populoso e tão problemático.
(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 14 de abril de 1985).
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