Tuesday, August 21, 2012

Novo tipo de golpe

Pedro J. Bondaczuk

O caudilhismo na América Latina "inventou" uma nova forma de golpe de Estado, testada pel terceira vez, no dia 21 de setembro passado, no Panamá. Não implica em colocar tanques nas ruas nem em abarrotar prisões com opositores. Mas é tão antidemocrática, posto que não tão deletéria, quanto a maneira tradicional. O poderoso comandante de plantão da Guarda Nacional simplesmente exige que o presidente, que decide caminhar por seus próprios passos na administração do país, renuncie. E nos três casos desse tipo, ocorridos no espaço de três anos, os respectivos "intimados" renunciaram.

Em 1977, o chefe da Guarda Nacional, e até então ditador panamenho, Omar Torrijos Herrera, resolveu que já era hora do país adquirir, perante a comunidade internacional, uma imagem de legalidade institucional e decidiu, por conseqüência, afastar-se do poder, passando-o para um civil. Mas não quis correr grandes riscos e por isso determinou que seu sucessor fosse escolhido de maneira indireta, tendo manifestado "predileção" por um candidato: Aristides Royo, que acabou, de fato, "eleito", em 11 de outubro de 1978. Enquanto aquele militar esteve vivo, o novo governante sentiu que poderia ocupar o espaço político que o seu antecessor lhe permitia. E desenvolveu um governo personalista, em certa medida antinorte-americano, de cunho marcadamente nacionalista.

Entretanto, o seu protetor morreu, num acidente aéreo, em 1 de agosto de 1981. Assumiu, em seu lugar, o comando da Guarda Nacional (o Exército panamenho), o general Rubén Paredes, um militar ambicioso, que aspirava muito mais do que um mero comando. Queria todo o poder. Pregava uma reaproximação com os EUA, para participar da "guerra anti-subversiva" na América Central, em El Salvador e na Nicarágua. O que ele fez então? Exigiu a "renúncia" de Aristides Royo. Este, sabendo que seus dias como político estavam contados, achou mais prudente "renunciar" do que "ser renunciado". E surpreendeu os observadores internacionais (não os panamenhos, que já contavam com esse desfecho), com o anúncio da sua saída do governo, em 30 de julho de 1982.

O general Paredes, todavia, veria de imediato os seus planos frustrados. O poder não lhe foi entregue, conforme contava, mas ao vice-presidente, Ricardo de la Espriella. Um ano e um mês depois, o comando da Guarda Nacional também mudava de mãos. Assumia o general Antonio Noriega, com promessas de limitar-se a cumprir aquilo que determina a Constituição. Nesse ínterim, foi deflagrada a campanha eleitoral panamenha, destinada a eleger, pelo voto direto, o primeiro presidente civil do país em 16 anos. Segundo denúncias, essa fase foi toda eivada de irregularidades, com a máquina oficial funcionando a todo o vapor a favor do candidato de Espriella. Noriega não gostou disso, já que sua preferência recaía claramente sobre Ardito Barletta. O que fez? Exigiu a renúncia de Espriella. E este não frustrou ao general. Simplesmente, "renunciou", em 13 de dezembro de 1983. Jorge Illueca assumiu, com a tarefa de garantir as eleições (de preferência com a vitória do candidato de Noriega).

E de fato o homem que o comandante da Guarda Nacional queria que fosse eleito o foi. Ganhou por apenas 1.713 votos, é verdade, e que por sinal desencadearam denúncias sobre denúncias de fraude eleitoral. Mas Barletta assumiu, após muita celeuma sobre a legitimidade e lisura da sua vitória. E logo de saída, fiando-se no resultado das urnas, procurou pôr em prática uma política independente da pretendida por Noriega. Mas não por muito tempo. No dia 21 de setembro passado, quando se encontrava nas Nações Unidas, deblaterando, na Quadragésima Assembléia Geral da ONU, contra os credores da dívida externa da América Latina, foi convocado às pressas a retornar ao seu país. Noriega exigia, nada mais e nada menos do que a sua "renúncia". E o que aconteceu? Barletta, obedientemente, "renunciou". Decididamente, esta forma de golpe já perdeu toda a originalidade... Eric del Valle, sucessor de Barletta, que se cuide. É provável que a próxima "sucessão" presidencial venha a acontecer pelos meios já tradicionais no Panamá: pelo expediente da "renúncia".

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 4 de outubro de 1985)

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