Pedro J. Bondaczuk
O expediente do impeachment, para punir homens públicos, notadamente os que ocupam cargos de chefia do Poder Executivo – quer este seja municipal, estadual ou federal – é um mecanismo criado dentro dos sistemas democráticos para se desfazer de figuras que atentam contra as leis e a ética, sem comprometer as instituições.
O Brasil, pela primeira vez em sua história, lançou mão desse recurso, em âmbito federal, quando do afastamento do então presidente Fernando Collor de Mello, sem que ocorressem sobressaltos quanto a eventuais golpes ou retrocessos institucionais. Foi, sem dúvida, um importante avanço democrático do País naquela oportunidade. Depois disso, vários outros chefes do Executivo foram afastados, mas no plano municipal.
Nos Estados Unidos, tal prática também foi cogitada quando do escândalo Watergate, no início da década de 1970. Não foi, todavia, levada a cabo. Não deu tempo. O então presidente norte-americano, Richard Nixon, diante da perspectiva de uma condenação mais do que certa, antecipou-se ao Congresso e apresentou sua renúncia.
O primeiro povo que criou salvaguardas democráticas do tipo foi o ateniense. Em 508 a.C, Clístenes, tão logo assumiu o poder, instituiu o chamado "ostracismo". Em Atenas, a palavra não tinha o significado que tem hoje, de "esquecimento". O termo designava uma espécie de plebiscito.
Os cidadãos livres da cidade-Estado, em número de seis mil, cada um representando uma família, eram chamados a uma votação para decidir se um determinado político, tido como incompetente, ou corrupto, ou nocivo, ou perigoso à segurança coletiva, deveria ou não ser exilado. O período de exílio tinha a duração de dez anos, com possibilidades de renovação, se fosse o caso.
Essas eleições, embora fossem semelhantes às de hoje quanto ao caráter secreto do sufrágio, tinham instrumentos muito diferentes dos atuais, condizentes com os recursos da época. O voto, por exemplo, não era escrito em nenhuma cédula, até porque não havia papel na ocasião, produto desenvolvido pelos chineses, que ainda não tinha chegado à região do Mediterrâneo.
Os cidadãos escreviam "sim" ou "não", a favor ou contra o banimento, nas "ostrakas", conchas, geralmente de ostras. Daí o processo ser denominado "ostracismo".
O escritor Indro Montanelli, em seu livro "História dos Gregos", assim descreve esta prática: "Cada membro da Assembléia Popular, de que faziam parte seis mil pessoas – praticamente todos os chefes de família da cidade – podia escrever o nome de um cidadão que, a seu ver, constituísse ameaça para o Estado. Se tal denúncia anônima fosse aprovada por três mil colegas, o denunciado era exilado por dez anos, sem necessidade de processo que lhe provasse as culpas. Era um princípio injusto e tremendamente perigoso, pois se prestava a toda espécie de abuso. Mas os atenienses praticaram-no com moderação, ainda que nem sempre com pertinência. Nos quase cem anos que esteve em uso, foi aplicado apenas em dez casos. E o cúmulo do bom-senso foi aplicá-lo exatamente a quem o havia inventado". O escritor refere-se, óbvio, ao exílio de Clístenes.
O impeachment é, como se observa, um expediente mais aperfeiçoado, embora menos democrático, pois nele não há consulta direta ao cidadão, mas aos seus representantes, eleitos pelo voto. Em contraposição, exige provas do delito denunciado e confere todas as oportunidades ao acusado para se defender.
Foi o caso do presidente Fernando Collor, que teve as chances e os recursos para desmentir as conclusões da CPI do caso PC Farias que o apontavam como diretamente envolvido no escândalo. Pôde se dar por feliz, portanto, pelo impeachment não ser o ostracismo. Não foi exilado, mas apenas afastado, e temporariamente, da vida pública. Tanto que, cumprido o período constitucional de perda de direitos políticos, retornou à arena, sendo, atualmente, senador por Alagoas, eleito pelos cidadãos daquele Estado. Creio ser sempre oportuna uma reflexão sobre essa e tantas outras práticas que visem ao aperfeiçoamento das instituições democráticas.
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