Pedro J. Bondaczuk
Sou questionado, amiúde, por jovens que ensaiam seus primeiros rabiscos literários acerca de quais passos devem dar para se tornarem escritores. Minha resposta, invariavelmente, é a mesma: “leia. Mas leia por prazer e não por obrigação. Leia incansável e compulsivamente, com método e autodisciplina. Mas, sobretudo, com prazer. Nunca abra mão dessa satisfação. Faça da leitura um vício, sem o qual não possa passar”.
Muitos torcem o nariz diante dessa recomendação e, quase sempre, se dão mal. A culpa não é minha. Fui honesto no que recomendei. Outros tantos seguem o recomendado, mas cedo descobrem que não têm talento para escrever. Paciência! Mas...e daí? Não é nenhuma tragédia. Não raro trata-se, até, de bênção. Ademais, ser leitor assíduo e aplicado (e principalmente apaixonado) é mais importante (muito mais) do que ser escritor. E menos estafante. E bem menos frustrante. Aliás, quem se dispõe a assumir esse papel, o de leitor, não tem nenhuma frustração, apenas prazer. E que prazer!
Uma coisa, porém, é certa: ninguém, absolutamente ninguém se torna escritor (e já nem digo genial, mas somente razoável) sem ser, antes, ou simultaneamente, compulsivo leitor. Em princípio, para sê-lo, não são necessárias regras. Todavia, se você quer se organizar e direcionar esse “vício” (um dos raros não somente saudáveis como recomendados e até aplaudidos, por engrandecê-lo mental e espiritualmente), é prudente estabelecer (e seguir) alguns princípios. Qualquer um pode elaborar “dez mandamentos” para o leitor. Optei por um específico, o proposto pelo escritor Alberto Mussa, por considerá-lo de bom tamanho (e por concordar, claro, com ele e, assim, subscrevê-lo). Seu “decálogo”, em resumo, é o seguinte (com os respectivos comentários deste intrometido Editor):
1º) “Nunca leia por hábito: um livro não é uma escova de dentes. Leia por vício”. Estranhou? É isso mesmo! Faça da leitura algo de que não queira e nem possa prescindir, em momento algum, em nenhuma circunstância, assim como não prescinde da comida (e esse é um alimento tão importante quanto o que mantém seu corpo vivo, saudável e vigoroso, pois exerce o mesmíssimo papel, mas em seu espírito).
2º) “Comece a ler cedo, o mais cedo que puder”. Caso não tenha sido uma criança precoce, que não tenha aprendido a ler antes mesmo de freqüentar a escola (muitos aprendem), não importa. Mesmo que tenha sido alfabetizado já adulto e até se isso ocorrer em idade bastante avançada, nunca é tarde para contrair esse “vício”: o da leitura. Experimente. Mas... quanto mais cedo você começar, por mais tempo irá usufruir desse prazer.
3º) “Nunca leia sem dicionário”. Neste caso, você me perguntará: e se eu ler em locais, digamos, não apropriados à leitura (por exemplo, no ônibus, no metrô, na cama ou no banheiro), como faço? Terei sempre que andar com esse maçudo volume de verbetes para cima e para baixo? Primeiro: não há lugar inadequado para a leitura. Todo e qualquer local serve para isso. Segundo, nesses casos, nos em que não puder ter um bom dicionário à mão, anote num bloquinho ou num papel qualquer as palavras cujo significado você não entendeu. Mas não se limite a anotar. Faça em seguida o essencial. Consulte o dicionário tão logo puder.
4º) “Não se deixe levar pelo complexo de vira-latas. Leia sempre escritores nacionais”. Esta recomendação de Alberto Mussa tem que ser bem esclarecida, contextualizada, para não parecer ataque de xenofobia, o que na verdade não é. Ele não propõe que você leia “apenas” obras de autores patrícios, mas que as inclua “sempre” em seu cardápio. Há leitores que não fazem isso e nem imaginam o que estão perdendo. Os nossos escritores, queiram ou não, são muito bons e não ficam nada a dever aos de outros países.
5º) “Faça do livro um objeto pessoal, um objeto íntimo”. Muitos leitores não admitem um único risquinho nos volumes de sua estimação. Tolice. Um livro, para ser bem aproveitado, deve ter grifos e mais grifos seus (a lápis, com marcadores de textos ou mesmo a caneta), nos trechos de sua preferência. E mais, tem que conter suas observações pessoais, redigidas nos espaços em branco de cada página. É a sua forma de “conversar” com ele ou com seu autor. Além disso, sempre que precisar citá-lo, encontrará, facilmente, o trecho que deseja (ou precisa), sem nenhuma dificuldade ou perda de tempo (afinal, como dizem os norte-americanos, “time is money”).
6º) “Crie um sistema de leitura”. Ou seja, programe o que irá ler, de sorte que consiga “devorar” o maior número possível de livros. A quantidade (com qualidade, enfatizo) também conta. Alberto Mussa ressalta, a esse propósito: “Se puder ler um livro por mês, dos 16 aos 75 anos, terá lido 720 livros. Se, no mês das férias, em vez de um, puder ler quatro, chegará nos 900. Com dois por mês, serão 1.440. À razão de um por semana, alcançará 3.120. Com a média ideal de três por semana, serão 9.360. Serão apenas 9.360. É importante escolher bem o que você vai ler”. Viram? Quantidade, com qualidade, é fundamental.
7º) “Faça viagens regulares”. Esse “viajar”, recomendado por Mussa, não é, óbvio, fazer as malas e sair perambulando pelo mundo. Se puder fazer isso também, tanto melhor. Mas, no caso em questão, a tal “viagem” é a leitura de escritores dos mais variados países (e quanto mais diferentes, melhor). Afinal, em toda a parte os há, e alguns muito bons. Se lhe cair em mãos algum livro, por exemplo, de um autor afegão (ou uzbeque, ou malgaxe ou etc.etc.etc.) e for num idioma que você entenda, seu “lucro” intelectual será imenso, diria, incomensurável. Faça isso quando puder e o máximo possível. Você verá o quanto isso é gostoso e lucrativo, em termos de aprendizado.
8º) “Tente evitar a repetição dos mesmos gêneros, dos mesmos temas, dos mesmos estilos, dos mesmos autores”. Claro, isso não se trata de nenhum veto. Não é nenhuma proibição. Mas quanto mais você variar, melhor aproveitará o tempo despendido em suas leituras. Seu raio de ação será bastante mais amplo. Evite os “sambas de uma nota só”, ou seja, de ser leitor, apenas, de um único gênero ou autor, ou de restrito punhadinho deles. Porém... não está proibido disso. Mas esteja então consciente do que irá perder. E perderá mesmo, não duvide.
9º) “A vida tem outras coisas muito boas. Por isso, não tenha pena de abandonar pelo meio os livros desinteressantes. O leitor experiente desenvolve a capacidade de perceber logo, em no máximo 30 páginas, se um livro será bom ou mau. Só não diga que um livro é ruim antes de ler pelo menos algumas linhas: nada pode ser tão estúpido quanto o preconceito”. Este mandamento dispensa comentários. É claríssimo, não acham?
10º) “Forme seu próprio cânone. Se não gostar de um clássico, não se sinta menos inteligente”. Você tem todo o direito de eleger suas preferências. Até porque, se não o fizer, a leitura deixará de ser, para você, um prazer e, sem satisfação, certamente você não ficará viciado nela. Insisto no primeiro mandamento deste decálogo: não faça da leitura mero hábito. Vá mais longe. Ouse. “Vicie-se” nela.
Não abra mão, jamais, por nenhum motivo ou circunstância, desse enorme e incomparável prazer. Curta-o ao máximo, pelo tempo que puder, saboreando cada momento. Agindo assim, estará, com certeza, dando o primeiro passo para se tornar escritor. Mas... somente se tiver talento para isso. Se não tiver... não se aflija. Lembre-se que estará um degrau acima de quem escreve: será o supremo árbitro de quem produz o que o vicia e o satisfaz. Sem você, acredite, escritor algum sobreviverá. Quer mais?!!!
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